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O ACESSO AO SENTIDO NA SINONÍM IA POR ENCAPSULAM ENTO ANAFÓRICO 

Apresentamos desde o primeiro capítulo desta investigação a nossa tese de  que  a  sinonímia  por encapsulamento  anafórico  apresenta  um  ponto  de  vista, um modo  de  compreensão,  de  interpretação construída inferencialmente em uma interação social,  e que este ponto de vista pode ser chamado de sentido. Ressalvamos o que já dissemos  em  capítulos  anteriores:  que  não  concebemos  o  sentido  por  meio  de  uma  correspondência instituída arbitrariamente a um termo, mas como o modo de pensarmos  os  nomes  e  as  coisas  do  mundo,  o  modo pelo  qual construímos  e  interagimos  com os  objetos de discurso, que é elevado ao nível conceitual por intermédio das expressões da  língua. 

Sem  dúvida,  é  possível  dizermos  que  o  sentido  que  atribuímos  às  coisas  relaciona­se  com  o  indivíduo  e  o  modo  como  este  compreende  e  interpreta  o  mundo,  construindo  as  diversas  possibilidades  conceituais  designadas,  pelas  palavras,  em  vivências  sociais.  Por  tal razão  escrevemos  no  item  1.4,  do  primeiro  capítulo,  que  são  importantes os estudos que abordam a intencionalidade, a fim de que o sentido possa ser  observado como uma porta de entrada para a compreensão (Husserl). 

A intencionalidade em si não é o foco de nosso trabalho, nós já o dissemos  anteriormente.  Todavia,  nós  abordaremos  neste  capítulo  perspectivas  teóricas  que  não  deixam  de  falar  a  respeito  da  intencionalidade,  mas,  sobre  o  ângulo  da  construção  de  possibilidades  conceituais,  no  qual  o  sentido  construído  no  encapsulamento  anafórico,  que  é  definido  como  um  ponto  de  vista  assumido  quando  interpretamos  a  relação  existente  entre  a  âncora  referencial e  o conceito Z 49 inferido,  é resultado de opiniões e  de  valores  axiológicos.  Pois  cada  ato  de  opinar  apresenta  apenas  um  ponto  de  vista  provisório  (Husserl).  Por  isso  nós  dissemos que os sintagmas nominais encapsuladores  podem  ser  modificados  de  acordo  com  as  opiniões  formadas  pelos  leitores  ou  produtores do texto.

As  perspectivas  teóricas  que  trabalharemos  são:  a  Teoria  da  Fenomenologia  (Husserl)  a  partir  de  Klaus  Held  (1995),  a  Teoria  da  Relevância  (Sperber e Wilson, 1986) a partir de Silveira e Feltes (1997) e a Teoria dos Frames por  Atributos e Valores (Barsalou,1992) 50 . 

Estas teorias foram escolhidas pelo fato de serem aquelas as quais melhor  julgamos  poder  visualizar  a  sinonímia  por  encapsulamento  anafórico  e  o  acesso  ao  sentido  construído.  Outros  autores  que  trabalham  o  processamento  das  inferências  intencionais,  cálculos  e  projeções  de  sentido  como  Fauconnier  (1997),  Fauconnier  e  Turner  (2002)  e  também  o  que  é  saliente  no  acesso  à  significação  lexical  como  Giora  (2002; 2003) mereceriam ser estudados na perspectiva desta nossa investigação, mas em  um  outro  momento.  As  teorias  selecionadas  já  nos  dão  condições  de  explicarmos  a  sinonímia  por  encapsulamento  anafórico  como  uma  atividade  sócio­cognitiva  situada.  Iniciemos as nossas discussões pelo filósofo Husserl. 

4.1­  O Acesso ao Sentido pela Teor ia da Fenomenologia de Husser l 

Husserl,  na  obra  A  crise  das  Ciências  Européias  e  a  Fenomenologia  Transcendental. Uma introdução na filosofia Fenomenológica (1954), 51 postula que ao  apresentarmos  um  ponto  de  vista  abrimos  uma  perspectiva  interpretativa  que  é  provisória por sempre apresentar condições de ser revisada, e esta condição pertence ao  ato de opinar. 

O  artigo  de  Klaus  Held  (1995)  intitulado  Fenomenologia  transcendental:  evidência  e  responsabilidade,  publicado  em  alemão  e  traduzido  para  o português,  faz  uma  profunda  abordagem da  obra  de  Husserl e diz  que para este filósofo, do ponto de  vista  da  episteme,  ou  seja,  da  ciência,  a  característica  básica  da  opinião  é  sua  _

49 

Já abordamos o conceito Z no segundo capítulo, no final do item 2.1. 

50 

Trabalharemos Husserl a partir de K. Held (1995) em virtude da complexidade que é a fenomenologia  de  Husserl.  Held  nos  traz  um  olhar  bastante  crítico  e  aprofundado desta  obra.  Também  trabalharemos  Sperber  e  Wilson  através  do  olhar  de  Silveira  e  Feltes  pelo  fato  destes  autores  trazerem com clareza o  forte  componente  cognitivo  contido  nos  processos  inferenciais  e  na  noção  de  relevância  de  Sperber  e  Wilson,  o  que  foi  inovador  na  época  da  publicação  do  ensaio  de  Silveira  e  Feltes  (1997)  intitulado  Pragmática e Cognição: A textualidade pela relevância. 

51 

O  título  original  é  Die  Krisis  der  europäischen  Wissenschaften  und  die  transzendentale  Phänomenologie. Eine Einleitung in die phänomenologische Philosophie.

parcialidade  em  pontos  de  vistas  unilaterais.  E  isto  ocorre  porque  as  pessoas  sempre  estão fixadas naquilo que lhes é de maior interesse no momento. 

De  acordo  com  Held  (1995),  Husserl  postula  que  o  interesse  estreita  as  perspectivas  para  as  possibilidades  de  julgar  e  de  agir,  e  que  há  uma  imensidão  de  incalculáveis  possibilidades  de  fazermos  julgamentos  e  construirmos ações. Isto ocorre  em  virtude  das  pessoas  viverem  sempre  em  mundos  específicos  do  único  mundo,  como o mundo da criança, do trabalhador, do estudante, do filósofo etc. Ou seja, esses  mundos específicos são recortes de um único mundo universal que criam possibilidades  interpretativas, condicionadas a interesses. Esta perspectiva nos ajuda a mostrarmos que  a  sinonímia  por  encapsulamento  anafórico,  através  do  sentido,  constrói  um  ponto  de  vista,  uma  possibilidade  interpretativa  que  diz  respeito  a  um  horizonte  limitado,  a  mundos específicos nos quais vivem os indivíduos. 

Segundo Held, o que é interessante em Husserl é a concepção que ele tinha  do ato de julgar e agir na linguagem. Cada mundo específico ou horizonte limitado gera  um espaço de possibilidades de julgamento e ação que permite ao homem ver aquilo que  ocorre,  em  termos  de  acontecimento,  no  interior  desse  mundo  particular.  Pois  Husserl  postula  que  o que  pode  ser visto no espaço de possibilidades de julgamento e ação é a  manifestação da opinião. 

Na linha de discussão desta investigação, a tese de que a sinonímia apresenta um  ponto  de  vista,  um  modo  de  interpretação  construído  em  uma  interação  social,  e  que  este  ponto  de  vista  pode  ser  chamado  de  sentido,  também pode  ser explicada por esta  perspectiva  husserliana  que  vai  nos  dar  embasamento  para  compreendermos  que  o  acesso  ao  sentido  dá  se  por  aquilo  que  o  leitor  ou  produtor  de  um  texto  vê  em  seu  mundo particular,  que  é  um mundo também de coletividade, pois não estamos falando  sobre  o  mundo  interior  de  um  indivíduo,  mas  sobre  um  mundo  particular  inserido em  uma  coletividade,  como  o  mundo  ou  universo  dos  lingüístas,  dos  recifences,  dos  pernambucanos, dos brasileiros etc. 

Nós nos inserimos na  mesma perspectiva  de Husserl de que aquilo que se  vê em um mundo particular é um recorte realizado à luz de interesses, isto é, o olhar do  leitor  ou  produtor  na  construção  da  sinonímia  por  encapsulamento  anafórico  não  se  mantém,  necessariamente,  naquilo  que  é  dito  ou  escrito  em  si.  Este  olhar  vai

imediatamente além do dito ou escrito, direciona­se para aquilo ao qual é familiar e útil  no  universo  de  interesses  dos  interlocutores.  Consideremos  tudo  isso  no  exemplo 52 a  seguir: 

(5)  ...o  sistema  imunológico  dos  pacientes  reconheceu  os  anticorpos  do  rato  e  os  rejeitou.  Isto  significa  que  eles  não  permanecem  no  sistema  por  tempo  suficiente  para  se  tornarem  completamente  eficazes. A segunda geração de anticorpos agora em desenvolvimento  é uma tentativa de contornar este pr oblema através da “humanização”  dos anticorpos do rato, usando uma técnica desenvolvida por... 

De  acordo  com  as  nossas  análises,  o  sintagma  nominal  este  problema  constitui a sinonímia por encapsulamento anafórico que apresenta um sentido construído  pelos  conceitos  existentes  na  âncora  referencial  (o  sistema  imunológico  dos  pacientes  reconheceu os anticorpos do rato e os rejeitou) e na parte conceitual que diz respeito à  âncora  (Isto  significa  que  eles  não permanecem no sistema por tempo suficiente para  tornarem completamente eficazes.). 

O  sintagma  nominal  encapsulador  este  problema  expressa  uma  opinião,  um  ponto de vista inserido em um mundo particular, mas também coletivo,  de quem o  escreveu.  O sintagma  nominal encapsulador abre, portanto,  uma  perspectiva diante das  outras possibilidades que podem ser geradas pelo campo de diversidades de julgamento  e de  ação os quais nós podemos proferir.  Por isso afirmamos ser possível haver outras  possibilidades de preenchimento do espaço do sintagma nominal encapsulador. Vejamos  isto então no exemplo (5): 

(5A)  A  segunda  geração  de  anticorpos  agora  em  desenvolvimento  é  uma  tentativa  de  contornar esta  falha  através  da  “humanização”  dos  anticorpos do rato, usando uma técnica desenvolvida por... 

Ou ainda: 

(5B)  A  segunda  geração  de  anticorpos  agora  em  desenvolvimento  é  uma  tentativa  de  contornar  esta  janela  imunológica  através  da  “humanização”  dos  anticorpos  do  rato,  usando  uma  técnica  desenvolvida por... 

_

52 

A relação de inferência que se estabelece entre a âncora referencial e a parte  conceitual em (5) constitui aquilo que chamamos de um caminho de acesso ao sentido  construído, que resulta no sintagma nominal encapsulador este pr oblema ou esta falha  ou ainda esta janela imunológica. O acesso se dá em virtude de construirmos a relação  de  inferência  sobre  evidências  que  nos  são  apontadas  tanto  por  situações  lógicas  das  sentenças em questão quanto por situações que vão além dessa lógica sentencial. 

Percebamos  que  há  uma  gradação  de  sentido  entre  pr oblema,  falha  e  janela  imunológica,  pois  cada  sintagma  apresenta  um  aumento  de  informação  e  de  conhecimento.  Os  três  apresentam  pontos  de  vista  que  evidenciam  um outro  modo de  falar  sobre  os  conteúdos  da  porção  anaforizada  que,  por  sua  vez,  nos  direciona  para  outras  informações.  São  novas  inferências  a  constituir  outros  caminhos  de  acesso  a  outros sentidos. 

As  nossas  análises  indicam  que  o  sintagma  este  pr oblema  é  acessado  por  uma  inferência  lógico­analítica  realizada  a  partir  das  sentenças  anteriores  cujos  verbos  rejeitou  e  não  permanecem,  no  conjunto  das  pressuposições  lógicas  do  que  foi  dito,  evidenciam um  problema que  está  se  buscando  resolver  com  pesquisas  científicas. Já  no sintagma esta falha, o acesso ao sentido construído vai além da lógica sentencial ao  inferirmos,  por  exemplo,  que  a  pesquisa  terminada  constatou  ser  possível  usar  anticorpos  do  rato  para  aumentar  o  sistema  imunológico  de  pacientes,  mas ao  usá­los  houve uma falha inesperada no processo de aceitabilidade orgânica. Por último, em esta  janela  imunológica,  o  acesso  ao  sentido  ocorre  através  de  conhecimentos  que  possuímos sobre a ação da Aids no sistema imunológico dos seres humanos. 

Todas essas inferências são possíveis de serem acessadas, quer seja por meio  de uma lógica sentencial quer seja por intermédio de enquadr es de situações sociais que  nos  remetem  para  além  dos  conteúdos  das  sentenças  analíticas,  como  ocorre,  por  exemplo, em esta falha e esta janela imunológica. 

Os diferentes  caminhos  de  acesso  ao  sentido  construído  na  sinonímia  por  encapsulamento  anafórico  evidenciam  uma  forma  de  conhecimento  que  temos  dos  objetos do mundo, um modo de interpretar, de compreender esses objetos. E justamente  por assim nos apresentarem os objetos é que estes evidenciam outras possibilidades de  julgamentos e ações. Esta é a teoria da consciência intencional de Husserl.

De  acordo  com  essa  teoria,  os  nossos  conhecimentos  manifestam  formas  variadas de percepção dos objetos do mundo, estes têm sempre ângulos que podem nos  remeter a outros conhecimentos. Por exemplo, se vemos uma casa a partir da rua, temos  a  consciência  de  que  também  poderíamos  vê­la  a  partir  de  outro  ângulo,  como,  por  exemplo, do jardim. Assim, a percepção da casa feita a partir da rua ou do jardim insere­  se  em  um  contexto  referencial  de  formas  de  manifestação  do  nosso  olhar,  abrindo  um  espaço  que  resulta  em  uma  forma  de  ver  as  coisas  através  das  nossas  vivências  (Husserl).  Segundo  Husserl,  o  mundo  é  o  contexto  referencial  onde  os  objetos  estão  inseridos, o contexto referencia os objetos mudando­lhes os ângulos de observação de  acordo com os nossos olhares inseridos em mundos particulares e coletivos de vivências  sociais. 

Por  esta  razão,  nós  dissemos no nosso primeiro capítulo  que a  nossa visão  de  língua  não  é  de  um  sistema  de  etiquetagem,  conforme  também  asseveram,  entre  outros  já  citados,  Mondada  e  Dubois  (2003).  Lembramos,  oportunamente,  as  duas  autoras  porque  para  elas  a  visão  de  língua  enquadra  a  concepção  de  que  os  sujeitos  constroem,  através  de  práticas  discursivas  e  cognitivas  social  e  culturalmente  situadas,  versões públicas do mundo. 

Conforme  afirmam  Mondada  e  Dubois  (2003:17),  no  resumo  introdutório  do  texto  Construção  dos  objetos  de  discurso  e  categorização:  uma  abordagem  dos  processos de referenciação 53 

Nesta segunda visão, as categorias e os objetos de discurso pelos quais  os  sujeitos  compreendem  o  mundo  não  são  nem  preexistentes,  nem  dados, mas se elaboram no curso de suas atividades, transformando­se  a  partir  dos  contextos.  Neste  caso,  as  categorias  e  os  objetos  de  discurso  são  marcados  por  uma  instabilidade  constitutiva,  observável  através de operações cognitivas ancoradas nas práticas, nas atividades  verbais e não­verbais, nas negociações dentro da interação. 

A  base  desse  postulado  de  Mondada  e  Dubois,  na  perspectiva  da  nossa  investigação,  coincide  com  a  teoria  da  consciência  intencional  de  Husserl  quanto  à  instabilidade  da  referência  dos  objetos  no  mundo,  em  virtude  de  haver  um  contexto  _

53 Título  original  (1995):  Construction  des  objets  de  discours  et  catégorisation:  une  approche  des 

processus  de  réferenciation.  Apesar  deste  texto  ser  escrito  em  conjunto  com  Dubois,  o  conceito  de  objetos  de  discurso  foi  primeiramente  exposto  por  Mondada  (1994)  em  Verbalisation  de  léspace  et

referencial  que  evidencia  ângulos  de  um  mesmo  objeto,  consolidando  pontos  de  vista,  julgamentos  e  ações  variados.  Pois  para  Husserl,  os  ângulos  são  os  nossos  olhares  advindos de um mundo particular inserido em uma coletividade, como já dissemos. 

Para Mondada e Dubois (2003:35), 

As instabilidades não são simplesmente casos de variações individuais que  poderiam  ser  remediadas  e  estabilizadas  por  uma  aprendizagem  convencional  de  “valores  de  verdade”;  elas  são  ligadas  à  dimensão  constitutivamente intersubjetiva das atividades cognitivas. 

Por  esta  razão,  os  objetos  aos  quais  nos  referimos  discursivamente  são  chamados  de  objetos  de  discur so,  ao  invés  de  objetos  do  discur so,  a  fim  de  desvinculá­los  da  idéia  de  etiquetagem  onde  as  palavras  referem­se  aos  objetos  existentes no mundo, de forma direta. 

Nossa  reflexão  nos  leva  a  asseverar  que  Mondada  (1994)  e  Mondada  e  Dubois  (2003),  na  concepção  de  objetos  de  discurso,  pensam  da  mesma  forma  que  Husserl. De acordo com Held, o pensamento de Husserl era o de que (1995:113) 

Nós  só  podemos  lidar  com  objetos,  enquanto  eles  eventualmente  nos  são  dados  em  qualquer  forma  de  manifestação  e  que  cada  forma  de  manifestação  é  apenas  uma,  de  uma  multiplicidade  de  possíveis  possibilidades  de  manifestação,  e  que  os  objetos  devem  vir  ao  nosso  encontro em  formas  de  manifestação,  para  de  fato estarem numa relação  conosco, como sujeitos percipientes. 

O  que  entendemos  com essas  três  últimas citações  é  que  a  sinonímia  por  encapsulamento  anafórico  ao  apresentar  um  objeto  de  discurso,  por  exemplo,  este  pr oblema,  como  um  modo  de  interpretar  o  que  está  escrito  na  porção  anaforizada  oferece­nos  uma  explicação  indicativa,  também chamada  de definição ostensiva.  Uma  definição ostensiva evidencia o modo de interpretação dado à âncora referencial e a sua  parte  conceitual  (porção  textual  anaforizada).  Essas  explicações  indicativas  ou  definições  ostensivas,  para  nós,  constituem  o  sentido  construído  por   um  olhar ,  por   uma per spectiva de observação. 

A noção de explicação indicativa chamada de definição ostensiva, que mais  tarde  será  vista  como  modelo  ostensivo­inferencial  em  Sperber  e  Wilson  (1986),  é  _ 

tratada  por  um  filósofo  que  merece  ser  citado  aqui  e  que  se  chama  George  Edward  Moore (1953), no artigo Some Main Problems of Philosophy. 

Buscamos  no  artigo  intitulado  George  Edward  Moore:  o  que  é  análise  conceitual,  de  W.  Künne (1995),  trazer uma discussão interessante sobre os postulados  de Moore quanto à relação de sentido e a construção da sinonímia. Künne (1995:52) nos  diz  que  em  resposta  ao  que  o  filósofo  americano  Cooper  Harold  Langford  chamou de  Paradox  of  Analysis  (1942:323),  no  seu  artigo  The  Notion  of  Analysis  in  Moore’s  Philosophy,  Moore  esclarece  a  sua  compreensão  sobre  o  que  é  analisar   e  fala  explicitamente  sobre  a  questão  da  sinonímia.  No  Paradox  of  Analysis  Langford  (apud  Künne, 1995:52)diz que: 

Se  a  expressão  lingüística  que  propõe  o  Analysandum  (expressão  a  ser  analisada)  tem  o  mesmo  significado  como  a  expressão  lingüística  que  propõe  o  Analysans  (expressão  analisadora),  então  a  análise  afirma uma  simples  identidade  e  é  trivial;  mas,  se  ambas  as  expressões  lingüísticas  não têm o mesmo significado, então a análise não é correta. 

Segundo  Künne,  Moore  responde  ao  pensamento  de  Langford  especificando que ao se dizer que a sinonímia é uma questão de identidade entre termos,  o  que  é  chamado  por  Langford  de  uma  simples  identidade  tr ivial,  não  há  nenhuma  informação diferente entre, por exemplo, ‘leoa’ e ‘leão feminino’; são sinônimos. Porém,  segundo  o  que  defende  Moore  quanto  à  perspectiva  de  observação  das  coisas  do  mundo, se ‘leoa’ e ‘leão feminino’ não se referirem a mesma coisa na frase Ser leoa é o  mesmo  que  ser  um  leão  feminino,  então  há  valores  pragmáticos 54  desiguais  que  desfazem a relação de sinonímia entre ‘leoa’ e ‘leão feminino’. 

Nós podemos exemplificar o pensamento de Moore da seguinte forma: se  alguém  entende  que  ser  leoa  diz  respeito  à  reação  de  uma  pessoa  frente  a  algumas  situações da  vida  ou que ser leoa é uma atitude das mulheres em relação aos cuidados  com  a  sua  prole,  então,  ser  leoa,  não  vai  constituir  um  sinônimo  de  leão  feminino  porque  a  relação  não  é  de  ‘ser  animal,  ‘ser  bicho’;  a  relação  é  de  ‘postura  comportamental’,  de  ‘atitude’,  de  ‘ação’.  No  postulado  de  Langford,  a  sinonímia  vista  _ 

Université de Lausanne, Thèse. 

54 

Valores  pragmáticos,  para  Moore,  têm  a  ver  com  o  uso  dos  termos  em  situações  de  vivência  diferenciada.

sob esses valores pragmáticos que  acabamos de  apresentar é  incorreta, ou melhor, não  existe. 

Para  resolver  o  Paradox  of  Analysis  de  Langford,  Moore  postula  que  ao  lado da exigência de sinonímia, quanto ao significado da expressão lingüística através da  constatação  de  uma  identidade  entre  os  termos,  está  a  exigência,  também,  de  uma  equivalência  cognitiva no  uso dos termos, e  que  esta  deve  ser conhecida  por aqueles  que a usam. 

De acordo com Künne  (1995:54),  para Moore, o fato de duas expressões  se  referirem  uma  à  outra,  ainda  não  é  uma  condição  suficiente  para  a  sinonímia.  A  condição necessária da sinonímia está no fato de se saber que algo é “A” porque se sabe  que “A” é o mesmo que “BC”. O exemplo dado por Künne é: meio cheio e meio vazio  (proposição  BC)  em  uma  primeira  análise  não  constitui  uma  sinonímia.  Cheio  e  vazio  expressam  uma  idéia  antagônica.  Porém,  um  copo  pela  metade  (proposição  A)  é  sinônimo de um copo meio cheio e também de um copo meio vazio. Sendo assim, meio  cheio emeio vazio são sinônimos quando atribuímos valores pragmáticos que constroem  uma  equivalência  cognitiva  entre  meio cheio e  meio  vazio  ao  se  tratar  de  um  copo  de  água  pela metade. Para Moore,  equivalência cognitiva se explica quando os substitutos  da proposição A, meio cheio e meio vazio, expressam dois modos distintos de compor a  sinonímia do conteúdo da proposição A. 

Isto nos faz lembrar Frege (1978:62), em Sobre o Sentido e a Referência,  ao expressar que: 

Sejam  a,  b,  c  as  linhas  que  ligam  os  vértices  de  um  triângulo  com  os  pontos médios dos lados opostos. O ponto de interseção dea eb é, pois, o  mesmo  que  o  ponto  de  interseção  de  b  e  c.  Temos,  assim,  diferentes  designações para o mesmo ponto, e estes nomes ( “ponto de interseção de  a  e  b”  e  “ponto  de  interseção  de  b  e  c”  )  indicam,  simultaneamente,  o  modo  de  apresentação  e,  em  conseqüência,  a  sentença  contém  um  conhecimento real. 

Ao  aplicarmos  o  pensamento  de  Frege  ao  exemplo  dado por  Künne,  para  explicar a equivalência cognitiva defendia por Moore, temos o seguinte raciocínio: 

Sejam um copo pela metade (a), meio cheio (b) e meio vazio (c) as  proposições  que  constroem  uma  relação  sinonímica.  O  ponto  de  interseção de a e b (Um copo pela metade é um copo meio cheio) é,

pois, o mesmo que  o ponto de interseção de b e c (Um copo meio  cheio é um copo meio vazio). 

Estas  considerações  só  nos  mostram  que  é  possível  a  construção  da  sinonímia por encapsulamento anafórico ocorrer por uma equivalência sócio­cognitiva.  Por tais razões repetimos ao longo dos capítulos anteriores que a sinonímia vai além da  construção de  igualdade,  de identidade e de equivalência semântica entre as expressões  lingüísticas;  ela  vai,  também,  se  constituir  como  uma  relação  de  equivalência  sócio­  cognitiva no uso dos termos. 

A  equivalência  sócio­cognitiva  se  aplica,  por  exemplo,  quando  consideramos como  sinonímia  os  termos Congresso  Nacional  e pizza,  ao ouvirmos ou  lermos  notícias  que  falem  sobre  os  escândalos  no  nosso  Congresso  Nacional,  em 

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