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4.   MULHERES COM CONTRATOS DE PRODUÇÃO 60

4.2   O ADVENTO DO DENDÊ 67

4.2.3 Acesso aos contratos e crédito 77

De modo geral, o processo de integração entre agricultores e agroindústria consiste em um sistema realizado sob contrato entre as partes envolvidas. Nesse caso, os agricultores se comprometem a produzir determinada matéria-prima dentro

dos quesitos exigidos pela agroindústria, enquanto esta se compromete a comprar toda a produção dos agricultores (AQUINO, 2013).

Levando em consideração o processo de integração, Paulilo (1990) refere-se a tal relação entre camponeses e empresa como uma situação mercadológica. Assim, a autora caracteriza a integração como uma elevação de oportunidades que permitem a aquisição de insumos agrícolas e aproxima o produto final do mercado, mas também como um fator que traz ao debate o “campo de forças” entre os envolvidos.

Para que o contrato de integração seja realizado, o(a) agricultor(a) precisa possuir, além dos documentos básicos exigidos (CPF, Identidade, certidão de casamento) pela instituição financeira, a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) como requisito indispensável para ter acesso ao financiamento bancário em qualquer linha de crédito do PRONAF (PRONAF ECO)14. Além disso, é necessário ser dono da terra e possuir mão de obra familiar suficiente para trabalhar na produção.

Se por um lado, os critérios exigidos para a concessão do crédito referente ao Pronaf dificultam ao homem acessar o financiamento através de um contrato no próprio nome (documentos, dívidas com as agências bancárias ou saber assinar o contrato), por outro, são geralmente as mulheres entrevistadas que atendem aos requisitos e têm as documentações civis exigidas: carteira de identidade, CPF.

Diante desse novo cenário, ressalto os trabalhos de Cintrão e Siliprandi (2011); Siliprandi (2013) e Ferrante et al. (2013) e Butto et al. (2014), que destacaram a criação do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural (PNDTR)

14 PRONAF ECO – Linha de crédito destinado a financiar especificamente projetos para a cultura do dendê ou seringueira. O investimento do crédito consiste em custear as despesas com a implantação e manutenção da cultura até o quarto ano. O prazo de pagamento para a cultura do dendê é de 14 anos, incluindo até 6 (seis) de carência, enquanto para a seringueira são até 20 anos, com até 8 (oito) anos de carência. As taxas de juros são de 5,5% a.a, conforme o credito acionado. O limite do crédito para a cultura do dendê é de R$8.800,00 (oito mil e oitocentos reais) por hectare e para a seringueira R$16.500,00 (dezesseis mil e quinhentos reais) por hectare (CANAL RURAL, 2015).

como política em benefício das mulheres trabalhadoras por meio do acesso aos documentos básicos.

O que mais me chamou atenção foi a importância do título da terra, sem dúvida, amplamente contemplado nas vozes das entrevistadas. Além disso, as DAPs também foram emitidas em nome daquelas (es) que possuem a posse da terra em seu nome. Esses motivos podem ter influenciado a família a julgar as mulheres como mais propensas para acessar o crédito bancário. Nas narrativas das mulheres e, em alguns casos, de seus companheiros, eu pude inferir que em vários casos, mesmo que de modo implícito, a regularização fundiária influenciou a “escolha” do contrato de produção ter sido realizado em nome delas. Essa dimensão se articula e

se complementa com a instrução normativa nº 38/2007 do INCRA, que tornou

obrigatório a inclusão de mulheres como beneficiárias da reforma agrária.

Ou seja, o fato das mulheres serem beneficiárias da reforma agrária em conjunto com outras variáveis contribuiu, em parte, para que os contratos fossem realizados em seus nomes em São Domingos do Capim. Segundo Melo e Di Sabbato (2008), a titularidade da terra em nome da mulher e seu cônjuge (consta no documento, mas não é o principal) lhe possibilita o acesso a créditos agrícolas e maior participação na produção, inferindo-se assim, maior autonomia em relação às atividades produtivas.

A portaria nº 981/2003 do INCRA definiu que, em casos de separação dos cônjuges, o lote, se ainda estiver em fase de regularização fundiária, deverá ficar sob a posse da mulher, desde que ela seja a responsável pela guarda dos filhos. Foi o caso de Margarida (47 anos, agricultora), que após o divórcio ficou com o lote que pertencia à família e fez o contrato de produção para produção de dendê.

Por vezes, ter o documento da terra é uma das exigências para a aprovação do Pronaf Eco Dendê, condição que influenciou para acelerar o processo da obtenção do crédito, como esclareceram Hortência (54 anos, agricultora, casada) e Gardênia (38 anos, agricultora, casada), quando elucidaram que a terra está em seus nomes.

No âmbito da minha pesquisa, realizei um cruzamento dos dados obtidos em

integradas residem em localidades que pertencem a assentamentos15 de reforma agrária criados a partir do ano 2000 no formato de regularização fundiária, peculiaridade da Amazônia. Outras 27% residem em localidades tradicionais16.

Segundo algumas entrevistadas, houve a sugestão de representantes da

agroindústria para que o contrato de produção fosse realizado em seus nomes devido ao fato de elas saberem “assinar o nome”. Ou seja, o fato das mulheres terem estudado mais que os homens da família influenciaram a “decisão” de o contrato ser realizado em seus nomes. Essa justificativa, no entanto, não contempla todos os casos aqui estudados, pois há um percentual de 22% das entrevistadas que não estudaram e não sabem assinar o nome.

Observei também que as mulheres têm “pouca” preocupação quanto ao valor do projeto de financiamento bancário. Em muitos casos, elas não souberam me informar questões referentes ao financiamento sem antes verificar os papéis do contrato, inclusive o valor, taxas de juros e período para quitação. Mas no que diz respeito a esse tema, as mulheres não são uma exceção. Em sua pesquisa, Vieira (2015) observou que em comunidades rurais no município de Moju e Tailândia, 56% dos agricultores não compreendiam as cláusulas do contrato de produção, sendo este problema generalizado, o que mostra a desproporcionalidade entre os agricultores e as agroindústrias.

Para determinadas mulheres, a titularidade da terra em seu nome contribuiu para que todos os projetos da família sejam feitos em seu nome. Os homens, nesses poucos casos, não gostam de se “endividar” com as agências bancárias, como ficou claro nessa conversa:

"Aqui é tudo no meu nome: terra e projetos. O marido não queria o dendê e eu queria [...] e fui à reunião, vi como seria e resolvi pegar” (Hortência, 54 anos, casada, agricultora).

15 Em São Domingos do Capim os assentamentos de reforma agrária são formados, em sua maioria, por antigas localidades, onde seus habitantes consideraram a regularização fundiária como a possibilidade de acesso a serviços básicos (aquisição de bens de trabalho, eletrodomésticos, instalação elétrica, abertura de estradas, construções de casas de alvenaria, água encanada, entre outros) e crédito.

16 As localidades tradicionais evidenciam-se no formato tradicional dos primeiros habitantes, com a particularidade de que eles conseguiram regularizar as suas terras independentemente do Estado.

Nesses casos as mulheres visam, por meio da instalação do projeto, melhorias na qualidade de vida da família, o que acaba por envolver todos os seus integrantes após realização do contrato de produção nas diferentes etapas do cultivo do dendê.