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O acesso à justiça como argumento para a alteração do art 520 do CPC

CAPÍTULO II –APELAÇÃO CIVIL NO SISTEMA RECURSAL BRASILEIRO

2.4 Efeito suspensivo como regra e a efetividade do processo

2.4.7 O acesso à justiça como argumento para a alteração do art 520 do CPC

Há muito tempo, vem sendo constatado que a morosidade e a falta de acesso à justiça vêm se mostrando inimigas em potencial da tutela jurisdicional, e nem mesmo a previsão de inúmeros princípios constitucionais na nossa carta magna foi ainda capaz de solucionar esse problema da maneira como se espera, até mesmo porque não depende somente dela.

Fato é que a demora na prestação jurisdicional implica necessariamente na falta de efetividade do processo, gerando um retardo na tutela jurisdicional, atingindo o acesso à justiça e, ainda, violando gravemente a ideia de justiça, tendo em vista que o direito material lesado da parte não está sendo protegido.

Paralelamente a isso, vem crescendo vertiginosamente o número de processos no Poder Judiciário, mostrando-se uma carência enorme de juízes, servidores e até de estrutura física e de materiais. Uma ideia excessiva de duplo grau de jurisdição, a existência de um número enorme de recursos, assim como dos seus efeitos propiciam a inefetividade do processo, já que impossibilitam que as decisões sejam executadas provisoriamente, ou seja, as próprias regras estabelecidas no Código de Processo Civil se transformaram em um problema ao longo do tempo de vigência, que causa entrave à prestação jurisdicional do Estado-Juiz.

Assim, esse processo civil clássico passou a ser discutido e rediscutido por inúmeros doutrinadores e processualistas do mundo todo, e a conclusão não poderia ser outra senão a de que ele não mais se mostra adequado à solução dos direitos evidentes, aclarados e translúcidos, visando solucionar todas as lesões ou perigo de lesões que possam ocorrer no mundo de hoje.

Com base nessa perspectiva desse processo civil clássico, de todos os pontos negativos do Código de Processo Civil, assim como de uma nova tendência na matéria

processual, tendente a modernizar e efetivar a prestação jurisdicional, a partir de 1994, o Poder Legislativo passou a efetuar profundas mudanças no nosso sistema processual civil.

Essas reformas focaram dois objetivos principais, que foram encontrar pontos que gerassem a inefetividade do processo ou a incoerência das normas processuais e, assim, apresentar sugestões que propiciem agilidade, efetivação e simplificação das normas processuais, transformando o processo civil em um processo moderno que garanta os valores hoje defendidos por toda a sociedade, que são justiça, celeridade, agilidade, efetividade, que o processo dure um tempo razoável, readequando-se aos princípios fundamentais da nossa Constituição Federal de 198894.

Assim, a efetividade processual busca obter resultados práticos e concretos que possam ser visualizados extraprocessualmente, tanto pela sociedade quanto por aquele que postulou a medida jurisdicionalmente reconhecida no plano material95.

Desse modo, buscamos remover os óbices à efetividade do processo e também do acesso à justiça e procuramos, por meio deste estudo, encontrar algum ponto de extrema sensibilidade do sistema processual civil vigente, o que culminou no objeto principal deste trabalho que é mostrar a falta de harmonia entre a possibilidade de se executar uma decisão interlocutória e não se poder executar uma decisão final de mérito, a sentença.

Vale lembrar que o princípio do acesso à justiça é constitucional que, como mencionamos acima, se desdobra em três ondas renovatórias do processo. A primeira onda consiste em garantir esse acesso por meio de uma assistência judiciária àqueles que não podem custear os ônus das custas processuais e os honorários de advogados; a segunda onda cria um sistema de proteção aos direitos difusos e coletivos; e a terceira onda é aquela que fomenta as transformações no âmbito do Poder Judiciário, para ofertar mais estrutura material e humana desse poder, assim como possibilitar algumas alterações no sistema processual, em busca da sonhada efetividade processual96.

Tal ponto é justamente a grande problemática deste trabalho, ou seja, a análise do sistema processual civil brasileiro, que possibilita a execução imediata de uma decisão em antecipação de tutela e não possibilita tal faculdade de execução imediata quando se estiver diante de uma sentença de mérito do Estado-Juiz. Assim como está exposto pelas atuais regras

94DINAMARCO, Cândido Rangel. Nasce um novo processo civil. In: Teixeira, Sálvio de Figueiredo (coord.).

Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 1/17.

95BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito

processual civil. São Paulo. Saraiva, 2007, p. 146/147.

96CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracei Northfleet. Porto Alegre:

processuais, podemos dizer que o direito fundamental de acesso à justiça não está sendo realmente garantidor de uma tutela jurisdicional justa, ágil, adequada, efetiva e eficiente.

Por isso, quando um cidadão procura o judiciário para que este resolva aquele conflito que não está conseguindo resolver amigavelmente, ele o faz para que o judiciário lhe dê uma resposta, tentando evitar a lesão ou o perigo de lesão ao bem tutelado.

O Poder Judiciário, por sua vez, para dirimir esse conflito, terá uma série de atos e fases processuais, passando pelas fases postulatória, saneadora, instrutória e, ao final, decisória. Tudo isso procurando fazer uma reconstrução de fatos para se aproximar, ao máximo, da verdade e ser possível tomar uma decisão capaz de garantir o direito das partes.

Isso é justamente o que não vem acontecendo, pois a sistemática atual do Código de Processo Civil não garante um sistema capaz de proteger de imediato o bem juridicamente tutelado quando este foi reconhecido na sentença do juiz, pois, pelas regras atuais, da sentença de mérito caberá recurso de apelação, que, pela regra geral, tem efeito devolutivo e suspensivo, impossibilitando a execução imediata da sentença.

Desse modo, não resta outra conclusão a não ser enfrentar esse problema como uma violação ao princípio constitucional do acesso à justiça, posto que não garante a proteção dos bens envolvidos em litígios pendentes de recursos, configurando uma imensa descredibilidade das decisões de primeira instância e ainda, o que é pior, a completa inefetividade de tais decisões. Assim, não nos resta outra opção a não ser defender a mudança desse sistema para possibilitar a execução imediata da sentença, da forma como se dá nas antecipações de tutela.

Nesse sentido, Milton Paulo de Carvalho Filho afirma: “A supressão do efeito suspensivo da apelação como regra é mais um mecanismo de aceleração do processo, ao mesmo tempo que busca a prestação da tutela jurisdicional efetiva e imediata”97. Dando continuidade ao seu raciocínio, o autor ainda menciona a ideia de que a execução imediata da sentença, mesmo sendo provisória, evitaria a propositura de recurso meramente procrastinatório, sem contar a valorização do órgão que a proferiu98.

Por fim, com base nessas reflexões, fomentamos a ideia da necessidade de se fazer uma alteração na sistemática processual civil, no sentido de se buscarem instrumentos que possibilitem cada vez mais a efetividade do processo, uma vez que essa regra do duplo efeito no recurso de apelação faz com que a sentença se torne letra morta diante do que foi definido pelo seu conteúdo.

Desse modo, estará sendo analisado um ponto de fundamental importância para o

97CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Apelação sem efeito suspensivo. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 32. 98CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. op. Cit., 2010, p. 33.

processo civil, tornando o sistema processual mais efetivo, ágil, adequado às demandas sociais, eficiente, que possibilite uma boa distribuição do ônus do tempo no processo e, assim, faça uma releitura do sistema processual civil com base nas novas realidades sociais, à luz do princípio de acesso à justiça insculpido na Constituição Federal de 1988.

CAPÍTULO III – APELAÇÃO CÍVEL APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO E O