• Nenhum resultado encontrado

Acesso à justiça: evolução legislativa

No documento Download/Open (páginas 72-83)

CAPÍTULO 2 – A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE ACESSO

2.2. Acesso à justiça: evolução legislativa

No Brasil, durante o período colonial, praticamente não havia acesso à justiça. Destaca-se as ordenações Filipinas (1603) que continham algumas disposições sobre direito de pessoas pobres e miseráveis de obterem um advogado (CARNEIRO, 2003).

Segundo Moreira (2017), durante a República Oligárquica (1889-1930), a assistência judiciária, entendida rudimentarmente como a defesa na esfera criminal de pessoas pobres, era atribuída aos “curadores geraes” que pertenciam aos quadros do Ministério Público.

Na era Vargas, foi criada a Ordem dos Advogados do Brasil, em cujo estatuto de fundação consta a obrigatoriedade de prestação da assistência judiciária pelos seus advogados inscritos (artigos 91 a 93).

Somente com a Constituição de 1934 houve a constitucionalização de direitos sociais, dentre eles, o acesso à justiça, tendo em vista sua forte influência pela Constituição de Weimar (1919), conforme esclarece Carneiro (2003):

[…] A constituição de 1934, fortemente influenciada pela Constituição de Weimar de 1919, traz como grande novidade o título IV- Da Ordem Econômica e Social- especialmente no que se refere a direitos trabalhistas, como o salário mínimo e o sindicalismo (artigo. 121, letra b, e art. 120, respetivamente, instituindo uma justiça própria do trabalho, prevendo a participação de representantes dos empregados e empregadores (artigo 122 e parágrafo único). (CARNEIRO, 2003, p. 36)

Assim, na Constituição de 1934, foi destinado um capítulo aos direitos e garantias individuais, abrangendo o direito à assistência judiciária. Embora o dispositivo constitucional estabelecesse a obrigação de criar o serviço de assistência judiciária apenas à União e aos Estados, já apontava a necessidade de criação de “órgãos especiais”, o que demonstra o claro propósito de que a assistência judiciária fosse prestada de modo especializado (LIMA, 2015), conforme a redação do artigo 113, item 32:

A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais e assegurando a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos. (BRASIL, 1934)

Afirma Moreira (2017) que embora a Constituição de 1934 tenha determinado a criação de “órgãos especiais” para esse serviço, diante da curta duração dessa Constituição, a criação de uma instituição com essa função não se concretizou na época.

Vale registrar que, em 1935, o Estado de São Paulo criou o primeiro serviço governamental de Assistência Judiciária do Brasil, sendo seguido por Rio Grande do Sul e Minas Gerais (SILVA E ESTEVES, 2014).

A Constituição de 1937 trouxe retrocesso quanto aos direitos conquistados, silenciando-se sobre a assistência judiciária, cujo regulamento ficou a cargo do Código de Processo Civil de 1939 (artigo 68), sendo considerada como direito individual e não social (LIMA, 2015).

Aludida omissão constitucional somente foi sanada, e de forma parcial, com a Carta Magna de 1946, cujo artigo 141, §5º foi inserido no capítulo dos direitos e garantias individuais, segundo o qual “o poder público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência jurídica aos necessitados”, mesma redação adotada no artigo 150, §32, da Constituição do Regime Militar. Apesar de dispor sobre assistência judiciária, a Constituição de 1946 não indicou a forma que seria viabilizado esse direito.

Assinala Moreira (2017), que as Constituições de 1946, 1967 e 1969 também trataram a assistência judiciária como uma concessão do poder público, a qual deveria ser atendida “na forma da lei”. Esta lei é a de n.º 1.060/50, em vigor até os dias de hoje. Atualmente, sua principal utilidade é definir critérios e procedimentos para que o Judiciário possa deferir aos jurisdicionados carentes a isenção de taxas, custas e honorários (MOREIRA, 2017).

A Lei n.º 1.060/50, ao regular a justiça gratuita e definir parâmetros para a assistência judiciária, refere-se ao termo “benefício”, sobre o qual Lima (2015) tece a seguinte crítica:

[…] A imposição a que o Estado preste assistência jurídica enfatiza a ideia de que a assistência jurídica não se constitui em uma dádiva, a ser concedida como ato de caridade. A assistência jurídica exprime um direito individual, notadamente por se inserir no Capítulo I do Título II da Constituição Federal, sede dos direitos fundamentais. (LIMA, 2015, p. 70)

Percebe-se que, até então, a assistência judiciária era reconhecida como mero assistencialismo, ato de caridade, e não dever prestativo do Estado, tanto que, em razão de não constar no texto da Lei n.º 1.050/60 a existência de um órgão público destinado ao serviço de defesa jurídica das pessoas necessitadas, a solução encontrada foi a nomeação de advogados particulares, ou até mesmo de estudantes de direito, onde não houvesse serviço de assistência judiciária organizado e mantido pelo Estado (CUNHA, 2001).

Segundo Lima (2015), o Brasil adota o modelo salaried staff de prestação da assistência judiciária, impedindo que a prestação do serviço seja realizada fora deste parâmetro:

[…] A Defensoria Pública é o reflexo da adoção, pelo Brasil, do salaried staff model de prestação de assistência judiciária gratuita, porquanto consubstancia instituição designada pela Constituição com o fim específico de auxiliar juridicamente os carentes de recursos financeiros, sendo aparelhada com uma complexa estrutura organizacional e aprovisionada de agentes públicos cuja missão se traduz na proteção jurídica aos hipossuficientes. A Lei Complementar 132/09 acresceu o § 4º ao art. 4º da Lei Complementar 80/94, que prescreve que “a assistência jurídica integral e gratuita custeada ou fornecida pelo Estado será exercida pela Defensoria Pública”. A medida reforça a ideia de que o salaried staff é modelo em vigor no Brasil, pois impede qualquer outra forma de custeio ou fornecimento de assistência jurídica estatal que não seja por intermédio da Defensoria Pública. (LIMA, 2015, p. 57-58)

O modelo juridicare também foi adotado no Brasil, de forma pontual, por meio da designação de advogados dativos (LIMA, 2015).

A Defensoria Pública, como órgão governamental permanente e organizado em carreira, surgiu entre as décadas de 50 e 70, adotando o sistema salaried staff, em que os agentes públicos eram remunerados pelo Estado para realizarem assistência judiciária gratuita. O primeiro órgão da Defensoria Pública criado no Brasil foi no estado do Rio de Janeiro, no ano de 1954, então denominado estado da Guanabara (antigo Distrito Federal). Segundo Moreira (2017), naquele ano foram criados os seis primeiros cargos de defensores públicos estaduais, de provimento efetivo, encarregados de atender juridicamente a população carente daquele estado que, até então, dependiam da benevolência de advogados dativos que não recebiam por este serviço. O quantitativo aumentou para 50 defensores públicos em 1965. Nesta fase inicial, a formação da Defensoria Pública foi pautada por outros condicionantes, além da previsão legal da Lei n.º 1.060/50, como o voluntarismo caritativo e as relações políticas e pessoais de âmbito local (MOTTA, 2006).

Em 1958, o defensor público era uma ocupação inicial na carreira do Ministério Público Federal. Depois, a Assistência Judiciária (AJ), como era denominada a repartição pública composta pelos defensores fluminenses, passou a ser vinculada ao Ministério Público estadual. Era uma carreira paralela a de promotor público.

A Lei Orgânica do Ministério Público e da Assistência Judiciária (Lei n° 5.111 de 08.12.1962) criou o Quadro do Ministério Público que, à época, era constituído de duas letras: "A" e "B". A letra "A" correspondia ao Ministério Público, em sentido estrito, a letra "B" correspondia à assistência judiciária, vinculada à Procuradoria-Geral de Justiça. Para Moreira (2017) esta vinculação ao Ministério Público era vista como importante, pois fortalecia os pleitos da categoria:

[…] A formação inicial da Assistência Judiciária ligada ao MP foi importante para os defensores fluminenses, pois fortalecia os pleitos da categoria como reivindicações associadas ao Ministério Público14. Além disso, o contato com o MP na origem da Defensoria exerceu uma influência importante, pois fez com que o modelo institucional do MP, bem como a trajetória de autonomia que essa instituição buscava na época, chegasse aos defensores públicos. O objetivo deles durante as décadas seguintes seria constituir uma Defensoria institucionalmente forte e autônoma, a exemplo do que o Ministério Público estava se tornando. Durante a Constituinte, como mostramos adiante, esse foi o projeto institucional apresentado pelos defensores para uniformizar a assistência jurídica no Brasil. (MOREIRA, 2017, p. 652)

Naquela época, eram denominados "defensores públicos" os ocupantes dos cargos iniciais da carreira do Ministério Público, fato que demonstra a semelhança da natureza das duas instituições.

Na década de 60, o Ministério Público do antigo estado do Rio de Janeiro, tendo à frente a Associação do Ministério Público Fluminense que congregava os promotores de justiça e os defensores públicos, deu início a realização de congressos nacionais que, por conta da sua importância institucional e para a cultura jurídica do País, marcaram época e consolidaram diversos movimentos em favor do Ministério Público e da Defensoria Pública, então denominada Assistência Judiciária (MOTTA, 2006).

Em 22.05.1970, o Decreto-Lei n° 286/70 do Rio de Janeiro desvinculou a Assistência Judiciária do Ministério Público e a erigiu a órgão de Estado destinado a prestar patrocínio jurídico aos necessitados. Deixou de ser quadro do MP para ser órgão do Estado, contudo, ainda sob a chefia do Procurador-Geral da Justiça.

Na sequência, em 1975, com a unificação do antigo Estado da Guanabara ao Estado do Rio de Janeiro, foi promulgada a nova Constituição Estadual, em 23.07.1975, constitucionalizando a Assistência Judiciária como órgão de Estado incumbido da postulação e da defesa, em todas as instâncias, dos direitos dos juridicamente necessitados. Somente com a Emenda Constitucional Estadual nº 16 de 24.06.1981 a chefia institucional foi transferida para o Secretário de Estado de Justiça.

Ainda no ano de 1975, a Lei Federal nº 6.248 de 08.10.1975 acrescentou o parágrafo único ao art. 16 da Lei 1.060/50 que, a partir de então, excluiu a possibilidade de os Juízes exigirem a outorga de mandato judicial aos defensores públicos, ressalvadas as hipóteses para as quais a lei exige poderes especiais.

Na década de 70, como resultado da experiência pioneira e vitoriosa do antigo estado do Rio de Janeiro, o direito à assistência jurídica gratuita foi objeto de vários debates em congressos e simpósios jurídicos, inclusive, com o decisivo apoio da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, concluindo a comunidade jurídica pela necessidade de ser criada a instituição Defensoria Pública.

Os defensores pediam a autonomia administrativa e financeira do órgão, como forma de independência funcional para atuar em demandas contra os interesses do próprio Estado, na defesa da população carente, consolidando modelo semelhante ao adotado pelo Ministério Público.

Em 12.05.1977, foi editada a Lei Complementar Estadual nº 06 que organizou a Assistência Judiciária no estado do Rio de Janeiro e que, com importantes modificações posteriores, passou a vigorar como Lei Orgânica da Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro, quando finalmente foi esta criada.

A Lei Complementar Estadual n.º 06/1977, a mais avançada de sua época, foi seguida pelos Estados do Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Sul e serviu de exemplo para outros estados, bem como se tornou referência para edição da Lei Complementar Federal n° 80/94 que regulamentou o artigo 134 da Constituição de 1988.

Somente em 1987, com a Emenda nº 37/87 à Constituição Estadual, a instituição passou a ser chefiada por um Defensor-Geral, escolhido pelo governador a partir da lista tríplice apresentada pelos próprios defensores. Com esta conquista, a assistência judiciária passou a se denominar Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro, adquiriu autonomia

administrativa e alcançou o patamar de Secretaria de Estado, deixando, por conseguinte, de se subordinar a Procuradoria-Geral do Estado (MOREIRA, 2017). Sua organização foi definida pela Lei Estadual 1.490 de 30/6/89 e Decreto 13.351 de 15/8/89.

Toda esta evolução legislativa da Defensoria Pública no estado do Rio de Janeiro ocorreu durante o período de regime militar, estado de exceção, em tese, incompatível com as atribuições do órgão defensorial. As conquistas alcançadas pelo órgão acompanham o processo de reabertura democrática, culminando com a promulgação da Constituição Federal, em 1988.

Na década de 80, durante a redemocratização do país, os defensores fluminenses passaram a defender a tese de que a assistência judiciária deveria ser incumbência de órgãos públicos especializados para tal função, atribuindo à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apenas a “atuação supletiva” (MORAIS E SILVA, 1984).

Segundo Moreira (2017), este movimento encontrou resistência dentro da advocacia privada, porém, em contrapartida, defensores públicos e assistentes judiciários lideraram uma campanha nacional, visando a implantação do projeto de Defensoria Pública em todos os Estados do país. Como resultado, surgiram instituições em Minas Gerais e no Mato Grosso do Sul, nos moldes estabelecidos pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

Sobre a resistência de outras carreiras jurídicas no tocante à criação da Defensoria Pública, como órgão autônomo, no decorrer da Assembleia Nacional Constituinte, foram tecidos mais comentários a respeito em capítulo específico.

A promulgação da Constituição Federal de 1988 estabeleceu o modelo embrionário e inovador de Defensoria Pública, nos seguintes termos:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.

Parágrafo único. Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (BRASIL, 1988)

Percebe-se que, na redação original, a Defensoria Pública teria a função de orientação e defesa judicial dos necessitados, seus cargos de carreira seriam providos por

concurso público de provas e títulos, teriam apenas uma garantia constitucional: a inamovibilidade, e a função seria desempenhada de modo exclusivo, ou seja, seria vedado o exercício da advocacia privada.

A Constituição de 1988 alterou a nomenclatura de “assistência judiciária” para “assistência jurídica”, ou seja, o âmbito de atuação da Defensoria Pública deixou de se limitar às demandas judiciais ajuizadas para garantir a defesa na esfera extrajudicial, em lides administrativas. Assim, a assistência jurídica foi garantida como completa e integral, podendo ocorrer antes, durante e depois do processo judicial (LIMA, 2015).

Lima (2015) discorre sobre a expansão de atuação da assistência jurídica para abranger a seara extrajudicial, inovação da Constituição de 1988:

[…] pode se dar na esfera administrativa, no auxílio na elaboração e na interpretação de cláusulas de um contrato, na prevenção de lides judiciais (conciliação prévia), no esclarecimento de dúvidas a respeito da existência ou extensão de direitos etc. Enfim, desde que haja necessidade de auxílio no campo jurídico (judicial e extrajudicial), a assistência estatal estará presente. (LIMA, 2015, p. 23)

Na Constituição Federal de 1988, o direito à assistência jurídica gratuita passa a compor o catálogo de direitos fundamentais enumerados artigo 5º, LXXIV, constituindo-se, mais propriamente, como direito fundamental social de cunho prestacional e faz parte da segunda dimensão dos direitos fundamentais, com o objetivo de corrigir a desigualdade material (concreta, fática) resultado da carência de recursos (LIMA, 2015).

A assistência jurídica, como atividade, assume o contorno de serviço público, exercido primordialmente pelo Estado, mediante regime de direito público.

A Constituição Federal abriu possibilidade para que advogados atuantes na função de defensor público até a data de instalação da Assembleia Nacional Constituinte tivessem o direito de optar pela carreira pública, nos seguintes termos:

Art. 22. É assegurado aos defensores públicos investidos na função até a data de instalação da Assembleia Nacional Constituinte o direito de opção pela carreira, com a observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição. (ADCT, BRASIL, 1988)

Tal previsão resguarda interesses de advogados atuantes junto às Procuradorias de Assistência Judiciária (PAJ) para que pudessem optar pelo ingresso na carreira de defensor público sem o crivo do concurso público.

Em Goiás, tal fundamentação constitucional foi aplicada para o enquadramento de 06 (seis) advogados como defensores públicos, no ano de 2012, constituindo os primeiros membros da carreira jurídica no Estado.

O artigo 134 da Constituição Federal foi regulamentado pela Lei Complementar Federal n.º 80/1994 que estabelece normas gerais para a organização da Defensoria Pública nos Estados. Em seu artigo 3º estabeleceu os princípios institucionais da Defensoria Pública: unidade, indivisibilidade e independência funcional, equiparando aos membros do Ministério Público (artigo 127, §1º, CF).

Em 2009, sobreveio a Lei Complementar Federal nº 132 que alterou o texto da LC n.º 80/1994 e provocou profundas modificações na atuação da Defensoria Pública, dando-lhe nova modelagem. Dentre as medidas adotadas, destaca-se a delimitação de objetivos institucionais (artigo 3º-A), expansão das funções defensoriais (artigo 4º), enumeração dos direitos dos assistidos (artigo 4º-A), instituição de novas prerrogativas aos respectivos membros (artigo 128) e, sobretudo, regulamentação da autonomia funcional, administrativa e orçamentária das Defensorias Públicas Estaduais (artigos 97-A e 97-B).

No contexto de reformulação da Defensoria Pública foram promulgadas quatro Emendas Constitucionais que merecem destaque.

Primeiro, a Emenda nº 45 de 30.12.2004, denominada de Reforma do Judiciário, conferiu autonomia funcional21 e administrativa, orçamentária e financeira22, além da

iniciativa de lei23 às Defensorias Pública Estaduais, alterando a redação do artigo 134, §2º, CF.

Para Carneiro (2018), a Autonomia Funcional e Administrativa para a Defensoria Pública da União, dos Estados e do Distrito Federal é de suma importância para que possam exercer suas atividades sem a interferência de outros poderes.

21 Autonomia funcional é conceituada como “liberdade de atuação profissional, de maneira que a instituição possa cumprir sua função primordial de garantir aos hipossuficientes o acesso à representação jurídica de qualidade, em todos os casos em que seja necessária” (IV DIAGNÓSTICO, 2015, p. 38).

22 A autonomia financeira é “independência orçamentária em relação a órgãos e poderes republicanos. Em termos práticos, a autonomia financeira significaria a garantia de um volume definido de recursos anuais” (IV DIAGNÓSTICO, 2015, p. 38).

23 Por autonomia legislativa, de iniciativa de lei ou política, entendemos a “desvinculação da tutela e da orientação ideológica de governos e esferas parlamentares nacionais e estaduais, a partir de leis e códigos próprios de funcionamento” (IV DIAGNÓSTICO, 2015, p. 38).

Na sequência, sobreveio a segunda Emenda Constitucional, de n.º 69/2012, que readequou a competência legislativa para legislar sobre a Defensoria Pública, de modo que a União passou a ter competência exclusiva para legislar sobre a Defensoria Pública da União (artigo 48, IX da CF); os Estados e o Distrito Federal passaram e ter competência suplementar para legislar sobre a Defensoria Pública Estadual e Defensoria Pública do Distrito Federal, respectivamente (artigo 24, XIII da CF).

A terceira alteração, por meio da Emenda Constitucional n.º 74/2013, estendeu as garantias do artigo 134, §2º, CF (autonomia funcional e administrativa, orçamentária e financeira) às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal, visto que antes eram conferidas apenas às Defensorias Públicas dos Estados (EC n.º 45/2004).

Neste ponto, vale uma reflexão, percebemos que a luta pelo reconhecimento das autonomias necessárias ao mister da Defensoria Pública ganhou força a partir das arenas estaduais. Em outras palavras, significa dizer que, em nível federal, as Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal sofreram maior resistência por parte dos atores políticos que se opunham à sua independência funcional. Dentre os fatores reais de poder que exerceram maior oposição à implementação da Defensoria Pública, podemos citar a pressão interna (Procuradoria Federal, OAB, dentre outros) e a internacional (organismos internacionais, FMI, Banco Mundial, dentre outros), como agentes cujos interesses eram contrários à implementação total e integral da Defensoria Pública. Sobre este tema, tecemos maiores comentários em capítulo específico.

Por fim, a quarta Emenda Constitucional (n.º 80/2014) conferiu à Defensoria Pública o status de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, aplicando-se o disposto no art. 93 (requisitos para progressão na carreira) e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal (criação de um Código de Organização com normais internas).

A partir da EC n.º 80/14, a Defensoria Pública também passou a ter iniciativa legislativa. Assim, no que pertine à organização específica e própria da Defensoria Pública da União, o Defensor Público Geral Federal passou a ter iniciativa privativa que se estende a criação e a extinção de cargos, remuneração de serviços auxiliares e fixação do subsídio dos defensores públicos federais (LIMA, 2015). A iniciativa para normas gerais permanece com a União, em nível federal (artigo 134, §4º em conjunto com os artigos 93 e 96, II da CF). Pelo

princípio da simetria, aplica-se a iniciativa privativa também aos defensores públicos gerais nos estados e no Distrito Federal.

Com a Emenda Constitucional n.º 80/2014, reafirmou-se a competência da Defensoria Pública para a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos.

Estabeleceu também que, no prazo de 08 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, de acordo com a demanda de serviços da Defensoria. Até que todas as unidades estejam providas, a lotação ocorrerá, prioritariamente, nas regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional.

O avanço da Defensoria Pública com as principais mudanças conferidas pelas Emendas Constitucionais n.º 045/04 e nº 080/14 foi resumido pela Defensoria Pública do estado de Santa Catarina, no seguinte quadro:

FONTE: site institucional da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina.

Sobre a autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública, instituída pela Emenda Constitucional n.º 45/04, vale tecer mais algumas considerações.

Tais garantias constitucionais decorrem no plano internacional, com a edição das resoluções AG/RES. 2714 (XLII-O/12) e AG/RES 2656 (XLI-O/11), aprovadas por unanimidade pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 2011 e 2012, respectivamente, pelas quais foi recomendado a todos os países-membros a

adoção do modelo público de Defensoria Pública, com autonomia e independência funcional (Mapa da Defensoria Pública, 2013).

Segundo Lima (2015), a primeira tentativa de incluir a autonomia funcional e administrativa na legislação ocorreu na Lei Complementar Federal n.º 80/94 (artigo 3º, parágrafo único). Este dispositivo recebeu o veto do Presidente da República, à época, Itamar

No documento Download/Open (páginas 72-83)