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A origem do modelo institucional de Defensoria Pública (salaried staff)

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CAPÍTULO 2 – A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE ACESSO

2.1. A origem do modelo institucional de Defensoria Pública (salaried staff)

A assistência judiciária destinada a atender os mais pobres, de início, não prosperou, em virtude de serem prestados de forma caritativa, sem remuneração, tornando-se ineficiente, visto que os advogados mais experientes destinavam seu tempo ao trabalho remunerado (CAPPELLETTI E GARTH, 1988).

A fim de corrigir esta distorção, vários países como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, criaram modelos de assistência jurídica: o juridicare, o salaried staff e o misto.

O sistema judicare caracteriza-se pelo pagamento do Estado aos advogados particulares com a finalidade de proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representação de um advogado constituído (CAPPELLETTI E GARTH, 1988).

Para Motta (2006), o modelo judicare de assistência judiciária é estabelecido como direito para todas as pessoas que se enquadrem nos termos da lei, por meio de advogados particulares que são pagos pelo Estado. Foi adotado em boa parte dos países da Europa Ocidental, como Áustria, Inglaterra, Holanda, França e Alemanha.

Os autores supracitados apontam críticas a este sistema, visto que o Estado não proporcionava a consciência da população de sua situação como classe, tratando o pobre em sua individualidade, sem proporcionar a compreensão de seus direitos. Além disso, outra

deficiência apontada é que aborda somente questões de natureza individual e negligência interesses de grupos sociais. Este modelo ignora as demandas de natureza coletiva e social, como questões de consumidores ou relativas ao meio ambiente, demandas objeto de ações coletivas destinadas à proteção dos direitos difusos (MOTTA, 2006).

O salaried staff diferencia-se do sistema judicare por possuir objetivo diverso, ou seja, os serviços jurídicos eram prestados por ‘escritórios de vizinhança’, atendidos por advogados pagos pelo Estado (assalariados) e encarregados de promover os interesses da população pobre, enquanto classe social. Eram orientados a ampliar os direitos desta classe através de casos-teste, de exercícios de atividades de lobby, tendentes a reformar a legislação, dentro e fora dos tribunais (CAPPELLETTI E GARTH, 1988).

A expressão “assalariado” é usada em sentido lato, a fim de expressar modalidade de remuneração fixa, por período de trabalho diário, independente da carga de serviço ou de tarefas efetivamente cumpridas (LIMA, 2015).

Neste sistema, o advogado também atua em função dos direitos difusos, tendo conhecimento sobre questões relacionadas a essa classe social que pode ser prejudicada tanto pelo próprio Estado, quanto por particulares. O Brasil, em regra, adota o modelo assalariado de assistência jurídica surgido nos Estados Unidos (CAPPELLETTI E GARTH, 1988).

Estes escritórios eram localizados nas comunidades pobres para facilitar o contato e minimizar as barreiras de classe, auxiliando na reivindicação de seus direitos. Também se diferenciava por criar uma categoria de advogados eficientes para atuar na causa de grupos sociais.

A Defensoria Pública, como política pública de assistência judiciária, se insere dentro da primeira onda renovatória, em especial, no modelo salaried staff, segundo a concepção de Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988), conforme Lima (2015) elucida:

[…] A Defensoria Pública é o reflexo da adoção, pelo Brasil, do salaried staff model de prestação de assistência judiciária gratuita, porquanto consubstancia instituição designada pela Constituição como fim específico de auxiliar juridicamente os carentes de recursos financeiros, sendo aparelhada com uma complexa estrutura organizacional e aprovisionada de agentes públicos cuja missão se traduz na proteção jurídica aos hipossuficientes. (LIMA, 2015, p. 61)

O terceiro modelo de assistência jurídica mistura conceitos do sistema juridicare e do salaried staff, sendo adotado pela Suécia e outros países, pelo qual o indivíduo que utiliza

do serviço pode escolher entre os serviços personalizados de um advogado particular ou o atendimento por equipe de advogados assalariados e em sintonia com os anseios da classe econômica mais vulnerável (CAPPELLETTI E GARTH).

Segundo Moreira (2017), até 1988 vigorava no Brasil formas variadas de assistência judiciária, segundo os modelos adotados por Mauro Cappelletti e Bryan Garth, ficando a escolha a cargo de cada Estado. Assim, a previsão constitucional de instituição da Defensoria Pública buscou unificar a política de acesso à justiça, no modelo salaried staff para todo o país.

No Brasil, a Defensoria Pública como órgão estatal responsável pela política pública de acesso à justiça, decorre dos pressupostos vinculados ao Estado Social, tema que foi tratado em capítulo específico. Em termos gerais, podemos afirmar que a criação de uma instituição pública é resultante de políticas públicas que objetivam viabilizar o acesso à justiça pela classe trabalhadora, dentro do contexto do capitalismo e da luta de classes, além da proteção jurídica de grupos marginalizados.

No Estado Social, o acesso à justiça passa a ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos (CAPPELLETTI E GARTH, 1988).

Vários são os empecilhos para o efetivo acesso à justiça pela classe trabalhadora, dentre eles, as custas judiciais e o ônus da sucumbência, além do longo tempo para a solução judicial que demanda recursos financeiros suficientes para suportar as despesas decorrentes. Além disto, outro aspecto importante que dificulta o acesso à justiça, segundo Cappelletti e Garth (1988), é a falta de aptidão do indivíduo para reconhecer um direito e propor uma ação ou sua defesa em juízo.

Esta capacidade jurídica do cidadão decorre do meio e status social e é de crucial importância na acessibilidade da justiça. Reconhecer a existência de um direito juridicamente exigível não afeta apenas os pobres, mas até consumidores bem informados que, na maioria, não possuem conhecimento jurídico básico para questionar os termos do contrato (CAPPELLETTI E GARTH, 1988).

Segundo os aludidos autores, as dificuldades de acesso à justiça vão além da capacidade econômica das partes, mas alcança a capacidade jurídica da pessoa em reconhecer

a existência de um direito e, por conseguinte, sua violação. A desigualdade econômica e social é um dos fatores que afeta a população de periferia acerca do conhecimento crítico sobre determinado direito e sua violação. Demais classes sociais também possuem dificuldade na compreensão de cláusulas contratuais, por exemplo, fato que coloca o consumidor sempre em posição de desvantagem, ainda que possua condições financeiras satisfatórias.

Vale registrar que alguns autores fazem distinção entre assistência jurídica e assistência judiciária.

Para Motta (2006), a assistência judiciária atinge, além de órgãos estatais, todo agente que tenha por objetivo a prestação deste serviço, seja por determinação judicial ou por convênio com o poder público. Assim, estão incluídos os escritórios de advocacia, os escritórios modelos das faculdades de direito, as fundações e as ONG’s. Já a assistência jurídica possui sentido mais amplo, pois engloba a assistência judiciária e também outros serviços jurídicos não relacionados com o processo, como orientação da comunidade em relação a outras demandas.

A assistência que ocorria apenas dentro do processo (judiciária) passou a se estender também para fora dele (jurídica). Esta mudança de nomenclatura ocorreu com a promulgação da Constituição de 1988 (LIMA, 2015).

Outra distinção existente é entre os termos “assistência judiciária” e “justiça gratuita”. Como visto, assistência judiciária deve ser entendida como o amparo judicial prestado por alguém (advogado ou Defensoria Pública) a uma das partes do processo, ou seja, é restrita ao processo judicial. Já a justiça gratuita ou gratuidade da justiça, por sua vez, é a dispensa do pagamento adiantado das despesas processuais, em favor de quem não dispõe de recursos para custeá-las sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. É instituto tipicamente processual, inerente e restrito ao processo judicial (LIMA, 2015).

Para desfrutar da justiça gratuita, a parte não precisa estar necessariamente assistida pela Defensoria Pública, de modo que pode outorgar poderes ao advogado particular e postular em juízo pela isenção das despesas processuais que incluem: as taxas judiciárias e selos; emolumentos e custas judiciais; despesas com publicações; indenizações devidas às testemunhas; honorários do advogado e do perito; despesas com realização de DNA; e depósitos previstos em lei (artigo 3º da Lei n.º 1.060/50).

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