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Acolhimento e vínculo

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7 RESULTADOS E DISCUSSÃO

7.1 SABERES E PRÁTICAS PROFISSIONAIS (PRIMEIRO MOMENTO

7.1.2 A percepção da integralidade nas práticas profissionais

7.1.2.2 Acolhimento e vínculo

Alguns profissionais percebem a integralidade no cotidiano de suas atividades, quando em uma relação interpessoal, proporcionam um acolhimento, uma escuta qualificada, aos indivíduos e famílias:

A gente que é agente comunitário acaba sendo um amigo, psicólogo, psiquiatra, faz de tudo ali junto. Porque você vai falar sobre a saúde, mas a pessoa te conta um caso. Eu já cheguei em uma casa e encontrei a pessoa chorando. Aí fico ali, conversa, desabafa, e acabo saindo dali a pessoa já tá rindo, acaba te contando um caso [...]. A gente acaba sendo um companheiro, amigo, um “ombro amigo”, né? Acaba a pessoa se sentindo melhor na presença de nós agentes do que na própria família. (ACS1 - USF

Azul)

Nós agente de saúde, é ...não estamos ali só pra marcar uma consulta, no fim a gente acaba como se fosse um psicólogo também [...] (ACS1 - USF

Branca)

[...] Para aqueles que abrem as portas pra gente a gente acaba sendo um psicólogo, um amigo [...] (ACS3 - USF Branca)

O acolhimento e vínculo representam atitudes de recusa em reduzir as pessoas à condição de aparelho biológico (MATTOS, 2005), considerando que o aspecto psicológico é indissociável dos aspectos físicos, e sociais sob os quais recebe influências e sofre alterações.

Os profissionais destacam que diante dos problemas sociais existentes na comunidade (drogas, gravidez na adolescência), promovem uma escuta atenta, acolhedora, ao identificar a necessidade e tentar supri-la. Com tal procedimento,

percebem que o acolhimento é uma ação integral na medida em que vai além do olhar sobre o problema/queixa física do paciente, o que contribui para o estabelecimento do vínculo entre o profissional, usuário e o serviço de saúde, conforme depoimentos:

Na minha área onde eu trabalho tem assim, tem usuário (drogas). Eu lido muito com as mães, aí passam pra mim, sou praticamente como se diz uma psicóloga [...] Aí eles passam o problema tudo pra mim. Fico lá, oriento e tudo. E também as adolescentes novas que tem filho também. (ACS6 - USF

Azul)

É, muitas vezes quando a gente chega assim a pessoa tá sozinha, né? Aí desabafa, chama para entrar tomar um cafezinho, aí a gente vê que aquela pessoa tá com a necessidade de conversar, e eu fico ali 20, 30 minutos com a pessoa, e aí me mostra o medicamento que tá tomando, com quem consultou, o problema de saúde que tá enfrentando [...] (ACS2 - USF

Branca)

O ato de acolher se insere em um campo relacional que aproxima o profissional de saúde do usuário para considerá-lo como sujeito portador de desejos e projetos de vida, e atendê-lo em suas demandas de saúde, possibilitando estabelecer com ele uma relação de confiança, e intercessora. Assim, o ato de acolher é construído a cada encontro singular entre trabalhador e usuário, cuja ação é pautada por valores como respeito, diálogo adequado e vínculo. Ao orientar a prática por tais valores autores qualificam o acolhimento como uma tecnologia leve (FRANCO; MERHY, 2005). Já Mattos (2005) destaca que a tecnologia leve compõe uma dimensão da integralidade referente às práticas profissionais (traço da boa medicina).

Outra associação percebida para o atendimento integral é quando a escuta às necessidades do paciente é orientada pela busca em resolver a demanda, independente da especificidade do profissional na equipe de saúde.

Eu faço o que meu coração mandar. Às vezes a pessoa me pergunta se aqui tem possibilidade de fazer um exame, então eu vou ver, pergunto [...] Não é porque eu trabalho com o dentista que vou virar e falar “não posso”.

(ASB - USF Azul)

O profissional entende que é preciso dar uma resposta à necessidade do usuário, se deslocando de uma postura engessada para um campo mais relacional. Por parte do usuário, Franco e Merhy (2005) destacam que há uma expectativa de

que o acolhimento na unidade de saúde permita uma atuação sobre seu problema, de forma a resolvê-lo.

Ao acolher este usuário e estabelecer com ele uma relação interpessoal e dialógica, o profissional tem possibilidades de captar informações adequadas para ofertar um atendimento mais ajustado às suas necessidades e realidade de vida, conforme observado por um profissional da USF:

[...] é uma coisa meio clichê, mas a história do paciente é tudo, se você não tem a história da vida da pessoa, você não consegue ajudar ela no aspecto integral. (M1 - USF Vermelha)

Vale destacar que em uma relação interpessoal na perspectiva da integralidade, é preciso considerar o foco da atenção no usuário numa lógica de valorização deste como protagonista do seu cuidado e sua autonomia. Que essa abordagem não tenha como balizes a história do paciente e o sentido de ajuda apenas, mas se atente também para a inserção desse usuário, na gestão de seu cuidado, contribuindo para ampliar a autonomia deste usuário e corresponsabilidade no processo saúde doença (ONOCKO-CAMPOS; CAMPOS, G. W. S., 2009), e não apenas lhe impor um saber técnico dominante.

Nessa abordagem dialógica, é preciso tomar cuidado com o que Rosemberg (2009) chama de relação paternalista, onde usuários dos serviços estão acostumados a receber informações prontas pelos profissionais. Nas palavras do autor: “Tal expectativa paternalista se constitui um obstáculo à criatividade e à possibilidade de construção de novos conhecimentos, que levem em conta o saber e a experiência de todos” (ROSEMBERG, 2009, p. 762).

Assim, a implementação do acolhimento nos processos de trabalho das equipes implica na reorganização dos serviços de modo que possibilite a intervenção da equipe na escuta, elaboração do projeto terapêutico de forma coletiva, integração entre a equipe e com outros setores para mobilizar saberes em busca de respostas, capacidade profissional em responder à necessidade de saúde apresentada com resolutividade e responsabilização, relação mais humanizada com o usuário que possibilite seu protagonismo (CAVALCANTE FILHO et al., 2009; FRANCO; MERHY, 2005).

Ao analisar os relatos verifica-se que o entendimento de acolhimento pelos profissionais das USF está focado na escuta qualificada e na responsabilização. É

premente avançar para uma abordagem mais complexa, como destaca os autores, ao propor a implementação de projeto terapêutico coletivo e a integração com outros setores das políticas públicas.

Os profissionais também percebem que com a manutenção do vínculo estreita os laços de confiança do paciente, permitindo-lhe um diálogo mais aberto com os pacientes, atentando-os para as suas responsabilidades.

[...] E pelo tempo que trabalho, já alguns anos, acaba criando um vínculo com a família, né? Tem uns meninos, meninas que eram novinhos, agora tem 18 anos e eu conheci elas com 14, já tão com filho, e, acaba a gente dando uns puxões de orelha também, né? É chamar a atenção, orientando e acaba...é criando um vínculo. Aí a gente acaba se apegando, é o carinho e tudo [...] (ACS6 - USF Azul)

Estabelecer o vínculo é uma diretriz da Atenção Básica que consiste “na construção de relações de afetividade e confiança entre o usuário e o trabalhador da saúde, permitindo o aprofundamento do processo de corresponsabilização pela saúde” (BRASIL, 2011b, p. 48).

No documento marjoryepolinatidasilvavecchi (páginas 69-72)