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“Inconstitucionalidade” é vocábulo polissêmico, cuja definição deve ser buscada em trabalho com viés científico, sob pena de se provocar no interlocutor indevida ou inimaginada compreensão. Portanto, de início, deve-se, a par de um acordo de premissas, estabelecer um acordo semântico que viabilize o diálogo, a ponto de contribuir para o desenvolvimento científico da matéria.

Destacam-se, nessa senda, duas acepções para “inconstitucionalidade”418

, quais sejam, (i) o vício decorrente da falta de compatibilidade entre leis ou atos normativos419 infraconstitucionais e a Constituição e (ii) a sanção, isto é, a consequência da verificação do descompasso entre esses atos normativos infraconstitucionais e a Constituição, invalidade, de forma geral. Tal distinção importa para que não se incorra na afirmação redundante de que “a inconstitucionalidade provoca a inconstitucionalidade”.420

418

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. pp. 216; 228-229.

419 Tenha-se, por ora, “lei” ou “ato normativo” tal qual existente no art. 102, I, da Constituição Federal.

Na sequência, por apego ao rigorismo técnico, referidos termos serão esmiuçados.

420

Canotilho, ao tratar da teoria clássica da inconstitucionalidade, aduz quanto às distinções observadas entre a “inconstitucionalidade” enquanto violação de preceitos constitucionais e “inconstitucionalidade” enquanto efeitos do controle. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Editora Almedina, 2003. p. 947) Referindo-se à ambiguidade do termo “inconstitucionalidade, Renato Herani distingue entre inconstitucionalidade enquanto vício nomogenético e inconstitucionalidade como consequência, estabelecendo entre eles uma relação de causa e efeito (HERANI, Renato Gugliano. A prova da inconstitucionalidade. Curitiba: Editora Prismas, 2016. pp. 155-158). Luís Roberto Barroso, em

A “inconstitucionalidade-vício” é, desse modo, conceito relacional, que se estabelece entre a Constituição e um ato ou comportamento que lhe está ou não conforme, que com ele é ou não compatível, que cabe ou não no seu sentido.421

Refira-se, de passagem, à concepção kelseniana de “lei inconstitucional”. Para Hans Kelsen, a expressão seria uma contradictio inadjecto, pois uma lei somente pode ser válida com fundamento na Constituição. Ao equiparar validade à existência, Kelsen conclui que uma lei inconstitucional nem sequer seria existente. Todavia, ao admitir a expressão correntemente utilizada, não podendo ser tomada “ao pé da letra”, aduz que seu significado somente poder o de que poder ser revogada também por um processo admitido na Constituição. Até que isso ocorra deverá ser considerada válida e, portanto, não pode ser inconstitucional.422

Em busca de um conceito lógico-jurídico423 para “inconstitucionalidade-vício”, pode- se estabelecer esta como quebra da relação causal de inferência entre uma norma e

a norma constitucional, que serve de parâmetro para a produção normativa daquela.

que pese ter em sua obra um capítulo dedicado ao exame do “fenômeno da inconstitucionalidade” não faz qualquer observação à ambiguidade do termo. (BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.) Embora não seja explícito, Geovany Jeveaux reconhece a distinção entre o que ora se refere como vício e como sanção ao estabelecer acordos semânticos. (JEVEAUX, Geovany Cardoso. Teorias do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2015. pp. 226-227). Também implicitamente, GERA, Renata Coelho Padilha. A natureza e os efeitos da inconstitucionalidade. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007. Não se verifica a distinção aqui enunciada em SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. pp. 975-983. A referência ao vício e à sanção aparece em BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. pp. 133-135. Em exame da sanção como elemento integrativo do conceito de inconstitucionalidade, percebe-se a distinção traçado em MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. pp. 1111-1114. Traçando explicitamente a distinção TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 216.

421

MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São

Paulo: Saraiva, 2017. p. 1111. Para Marcelo Neves, “[a] inconstitucionalidade, porém, é um

problema de relação intra-sistemática de normas jurídicas, abordado do ponto de vista interno, conforme os critérios de validade contidos nas normas constitucionais. Não se confunde com o problema da injustiça ou ilegitimidade social. [...] [A] inconstitucionalidade é um problema de relação intra-sistemática de normas pertencentes a um determinado ordenamento jurídico estatal”. (NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988. pp. 69- 71)

422

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 300.

423 Em linhas gerais, “[o] conceito jurídico fundamental (lógico-jurídico, jurídico próprio ou categorial) é

aquele construído pela Filosofia do Direito (é uma das tarefas da Epistemologia Jurídica), com a pretensão de auxiliar a compreensão do fenômeno jurídico onde e quando ele ocorra. Tem pretensão de validez universal. Serve aos operadores do Direito para a compreensão de qualquer ordenamento jurídico determinado. É, verdadeiramente, um pressuposto indispensável de qualquer

Assente-se que não se pode, a rigor, falar em uma inconstitucionalidade-vício a

priori, porquanto dependente de que um órgão judicial pronuncie o vício suscitado

por outros sujeitos que podem, inclusive, não integrar o direito positivo. Esses sujeitos não modificam o sistema de direito positivo, trabalham na Ciência do Direito, em jogos linguísticos distintos.

Até que isso suceda, ou seja, até que sobrevenha a pronúncia da inconstitucionalidade-vício, os documentos normativos – bem como as normas construídas a partir dos enunciados – inseridos no ordenamento jurídico pelo Órgão Legislativo gozam de presunção de constitucionalidade, pelo que somente por sua conta e risco o particular pode descumprir as prescrições estabelecidas afirmando sua inconstitucionalidade. Até que um órgão cuja competência é estabelecida pela Constituição venha constituir a inconstitucionalidade, o produto legislado será presumido constitucional. Esses argumentos serão retomados adiante.424

Nada obstante, na esteira do que preleciona Renato Gugliano Herani425, não há maiores empecilhos em tratar de uma tal “inconstitucionalidade-vício a priori”, sem perder de vistas as explicações aqui deduzidas. A uma porque é densa a premissa da qual se parte neste estudo e se pode, confortavelmente, afirmar a impossibilidade de confusão entre os planos linguísticos (do direito positivo e da dogmática; da linguagem-objeto e da metalinguagem; do objeto e da ciência). A duas porquanto, no contexto intersubjetivo no qual se insere a jurisdição constitucional, não se desvencilha o importante papel de outros sujeitos interpretantes (pré-intérpretes) da Constituição, que podem, é assente, influir nas decisões em sede de controle de constitucionalidade.

Ademais disso, a inconstitucionalidade-vício apenas pode ser pronunciada na sua função prescritiva quando havida no direito positivo, por órgãos nele inseridos; daí que embaraço algum causaria, se firmadas as premissas, como de fato se tem feito até aqui.426

contato científico com o direito.” (DIDIER JR., Fredie. Sobre a teoria geral do processo, essa desconhecida. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 54.)

424

KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. pp. 140-145.

425

HERANI, Renato Gugliano. A prova da inconstitucionalidade. Curitiba: Editora Prismas, 2016. pp. 167-170.

426 “[…] sendo Ciência do direito metalinguagem que fala da linguagem o direito positivo, o

O que há antes é um sujeito interpretante, que pode ser legitimado para apresentar a inconstitucionalidade-vício a priori perante a jurisdição constitucional, o qual

descreve uma “situação real de invalidade normativa”427, sem o condão, porém, de alterar o próprio direito positivo. A jurisdição, a seu turno, recebe essa possibilidade de construção normativa e constitui a inconstitucionalidade-vício a posteriori.428

De toda sorte, para que se possa falar em “inconstitucionalidade-vício”, deve-se construí-la. Superados os paradigmas da metafísica clássica e da filosofia da consciência, está igualmente superado o “mito do dado” (uma coisa-em-si). A inconstitucionalidade-vício não será, por assim dizer, descoberta, conhecida, mas construída, constituída dentro de um contexto histórico social forjado pela linguagem.429

Para tanto, devem ser considerados dois pressupostos fundamentais: (a) supremacia constitucional e (b) existência de uma lei ou de um ato normativo infraconstitucional. Quanto a este último, sem objeto, impossível a realização de controle de constitucionalidade, vez que o conceito, como dito, é relacional, e, de conseguinte, inviável a aferição de eventual “inconstitucionalidade-vício” e ulterior aplicação da inconstitucionalidade-sanção.

Quanto à supremacia constitucional, esta decorre, sobretudo, da rigidez constitucional430, porquanto a alteração da Constituição exige um processo qualificado (relativo à cadeia de atos – procedimento –, ao quórum e ao conteúdo),

por decisão competente [...].” (HERANI, Renato Gugliano. A prova da inconstitucionalidade. Curitiba: Editora Prismas, 2016. p. 168.)

427

HERANI, Renato Gugliano. A prova da inconstitucionalidade. Curitiba: Editora Prismas, 2016. p. 169.

428 “Portanto, o vício de inconstitucionalidade alegado ou opinado é uma sugestão hipotética que não

tem o condão de modificar o sistema positivo, isso só ocorre quando se verter em mensagem prescritiva, em decisão oficial definitiva; logo, é a posteriori.” (HERANI, Renato Gugliano. A prova da inconstitucionalidade. Curitiba: Editora Prismas, 2016. p. 170.)

429

HERANI, Renato Gugliano. A prova da inconstitucionalidade. Curitiba: Editora Prismas, 2016. p. 170.

430

O sentido contrário do argumento, isto é, “a rigidez constitucional decorre da supremacia constitucional” ou “a constituição é suprema porque é”, faria supor uma ordem transcendental que justificasse essa supremacia da Constituição sobre as demais normas, quer seja pelo conteúdo nela veiculado, quer seja pela atuação de um órgão autoafirmado supremo. A supremacia constitucional decorreria, então, da afirmação político-ideológica de supremacia do monarca ou do Poder Constituinte e que, como tal, deveria ser aceita, porque assim declarada. (HERANI, Renato Gugliano. A prova da inconstitucionalidade. Curitiba: Editora Prismas, 2016. p. 159). Claro está que se refere às Constituições rígidas, de que é exemplo a Constituição brasileira. Tratar das constituições flexíveis implicaria outras incursões que não têm espaço neste estudo. Cf., quanto ao tema, NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988. pp. 85-91.

diferente daquele necessário para alteração de texto infraconstitucional, de processo simplificado, e a inobservância do processo qualificado levaria a uma alteração da Constituição, para a qual está já estabelecida a exigência de processo qualificado.431 O caráter rígido e inelástico da Constituição confere às normas constitucionais uma impossibilidade de alteração ao mero alvedrio legislativo, como, de regra, é possível, dada a mínima exigência procedimental, para as normas ordinárias.432

Para J. J. Gomes Canotilho, mais que tratar o processo qualificado como o fundamento da rigidez constitucional, revela-se o “processo agravado” como garantia da Constituição, para lhe conferir certa estabilidade, impedindo o legislador ordinário de a alterar livremente.433 O mestre português enuncia, ainda, que essa posição hierárquico-normativa advém da sua autoprimazia normativa (pois recolhe o fundamento de validade em si mesma); do fato de ser fonte primária de produção jurídica (normae normarum – fonte de produção jurídica de outras normas); da sua força heterodeterminante (determinantes negativas – função de limite – e determinantes positivas – regula o conteúdo – das normas inferiores434

); da natureza supra-ordenamental em relação aos ordenamentos estaduais e locais; da sua força normativa (a Constituição é dotada de efetividade e de aplicabilidade435).436

“Constituição”, com toda plurivocidade que o termo carrega437

, deve ser aqui compreendida como norma jurídica onde todas as demais normas recolhem

431

Esse argumento exposto da rigidez constitucional conduz à necessidade de um controle de constitucionalidade, porquanto, do contrário, leis infraconstitucionais, inseridas, por quórum simples, no ordenamento jurídico, estariam alterando impunemente a Constituição. O argumento da rigidez, porque imbrincado com o controle de constitucionalidade, será trabalho no capítulo seguinte. Cf. MATTEUCCI, Nicola. Breve storia del costituzionalismo. Brescia: Morcelliana, 2010. pp. 52-53.

432

MATTEUCCI, Nicola. Breve storia del costituzionalismo. Brescia: Morcelliana, 2010. p. 52.

433

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Editora Almedina, 2003. p. 1059.

434

Por isso todo “ramo jurídico” é constitucional e não é possível crer em “autonomia” de nenhum deles, mas somente à Constituição se atribui a regulação de todos eles. Como consequência, todo processos é constitucional e toda jurisdição é constitucional.

435

O que reforça que não se trata de conteúdo meramente declaratório ou de mero direcionamento político. A Constituição enquanto norma vale enquanto norma, pelo que não pode se limitar a uma mera programaticidade, mas, pelo contrário, deve ser aplicada e concretizada por todos os intérpretes que a vivenciam.

436

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Editora Almedina, 2003. pp. 1147-1150.

437

Cf. NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988. pp. 53-58.

fundamento de validade e a qual determina a produção jurídica (quanto à forma e quanto ao conteúdo) de todas as demais.438

Por isso, a ideia de supremacia da Constituição implica diretamente a visualização de um ordenamento jurídico escalonado em que normas inferiores haurem seu fundamento de validade em normas superiores e, ao cabo, na própria Constituição.439

Pode-se, com Marcelo Neves, afirmar que essa supremacia implica o funcionamento da Constituição como “metalinguagem prescritiva em relação às normas infraconstitucionais (linguagem-objeto), enquanto funciona, direta ou indiretamente, como critério de validade”440

.

Isto posto, e esclarecidos os pressupostos para inteligir a “inconstitucionalidade- vício”, parte-se para suas possíveis classificações. Comumente, refere a doutrina sobre “inconstitucionalidade formal” e “inconstitucionalidade material”441

, dizendo

438 “A Constituição em sentido normativo-jurídico é um sistema nomoempírico prescritivo [...] Assim

sendo, é fortemente condicionada pelo contexto fático-social e o ideológico, não só nos atos de elaboração constituinte, mas também em suas reformas e demais atos de interpretação-aplicação normativo-constitucional (caráter nomoempírico). Por outro lado, dialeticamente, tem a função de controlar e disciplinar as relações básicas de poder social e de exercer influência sobre o contexto ideológico (função prescritiva ou diretiva).” (NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 63.)

439

Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2007. Atente-se que o autor austríaco toma por fundamento de sua teoria a norma fundamental pressuposta ao ordenamento jurídico, que não coincide com as premissas ora trabalhadas, porquanto se entende que o ápice do ordenamento jurídico redunda mesmo na Constituição Federal enquanto norma superior do ordenamento jurídico. Nesse sentido, cf. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 11. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. ______. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. ______. Verdade e consenso: constituição hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

440 NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 63. “As

normas que estatuem como criar outras normas, isto é, as normas-de-normas, ou proposições-de- proposições, não são regras sintáticas fora do sistema. Estão no interior dele. Não são metassistemáticas. Apesar de constituírem um nível de metalinguagem (uma linguagem que diz como fazer para criar novas estruturas de linguagem) inserem-se dentro do sistema. Em rigor, uma norma N é metaproposição face à norma N’; esta norma N’, face à N’’ é, por sua vez, metaproposição.” (VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses, 2005. p. 154.)

441

Sobre o tema conferir JEVEAUX, Geovany Cardoso. Teorias do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2015. pp. 227-229; JEVEAUX, Geovany Cardoso. Direito Constitucional – Teoria da constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2008. pp. 134-135; TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. pp. 229-235; MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. pp. 1124-1128; SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. pp. 975-983; BULOS, Uadi Lamego. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. pp. 138-145; BARROSO, Luís Roberto. Conceitos Fundamentais sobre

aquela respeito à não observância do procedimento constitucionalmente previsto para edição de ato normativo (processo legislativo, iniciativa, quórum de deliberação etc) e, esta, quanto à violação do conteúdo constitucional (como as normas que tratam de direitos e garantias fundamentais).442

Essa classificação, porém, é consequência da adoção de um dos critérios possíveis para a definição de “inconstitucionalidade-vício formal” e “inconstitucionalidade-vício material”, a partir do conteúdo da norma constitucional. Muito embora não seja frequentemente verificado na doutrina e na jurisprudência, outro critério possível – a natureza da norma constitucional – diz respeito a ser material ou formalmente constitucional a norma-parâmetro. Neste caso, falar-se-á em “inconstitucionalidade- vício material” quando “a ofensa infraconstitucional ocorre em relação a um preceito materialmente constitucional” e “inconstitucionalidade-vício formal”, “quando se trata de preceito formalmente constitucional”443

. Dentro do conceito empregado, haverá inconstitucionalidade-vício material quando houver a quebra da relação causal de inferência entre uma norma e a norma materialmente constitucional que condiciona sua produção normativa e inconstitucionalidade-vício formal quando houver a quebra da relação causal de inferência entre uma norma e a norma formalmente constitucional que condiciona sua produção normativa.

Note-se, com isso, que esta classificação leva em consideração a natureza do preceito constitucional, enquanto aqueloutra, o seu conteúdo.444 Para fins deste estudo, na linha do que preconizado pelo Prof. Geovany Jeveaux, adotar-se-á a classificação que preserva a natureza da norma constitucional, independentemente do conteúdo que possa ter, se procedimental ou matéria constitucional violada, haja

o Controle de Constitucionalidade e a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: SARMENTO, Daniel (org). O controle de constitucionalidade e a lei 9.868/99. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 235-236; BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. pp. 48-53.

442

Note-se bem que a adoção da classificação pode implicar sérias confusões ou tornar-se inútil. Se a norma constitucional, ao determinar a produção da norma jurídica que lhe é inferior, confere-lhe determinantes positivas e negativas, isto é, vincula o conteúdo, não seria também a violação a essas determinantes (conteúdo) uma “inconstitucionalidade formal”?

443

JEVEAUX, Geovany Cardoso. Direito Constitucional – Teoria da constituição. Rio de Janeiro:

Forense, 2008. p. 134.

444 “A primeira classificação [quanto à natureza] parece ser a mais correta, porque uma

inconstitucionalidade é uma ofensa a um preceito que possui uma natureza determinada, podendo ter qualquer conteúdo” (acrescentou-se) (JEVEAUX, Geovany Cardoso. Teorias do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2015. pp. 228).

vista as demais implicações decorrentes da consideração da natureza material ou formalmente constitucional.445

Assim sendo, tratando-se de normas, cuja violação se acusa, redundantes na estruturação do Estado, na separação das funções do Poder ou em direitos e garantias fundamentais, dir-se-á “inconstitucionalidade-vício material”. Todo o mais será “inconstitucionalidade-vício formal”.

A classificação proposta, outrossim, coincide com a pressuposto da rigidez constitucional, adotado para fins de construção da “inconstitucionalidade-vício”. É dizer: as normas constitucionais distinguem-se das infraconstitucionais porque o procedimento para alteração daquelas é qualificado em relação àquele exigido para estas. A distinção entre “formal” e “material”, porém, no sentido aqui refletido, preserva a construção histórico-social do texto constitucional, enquanto explicitação do pacto social e de construção democrática e busca eliminar as dificuldades surgidas ao se operar com aqueloutra classificação.

Importa, porém, neste estudo, se a inconstitucionalidade-vício decorrente da quebra da relação causal de inferência entre objeto e parâmetro em razão de uma verificação inexistente ou deficiente dos fatos e dos prognósticos pelo legislador é material ou formal.

Tenha-se, por ora, para proveito do momento, como objeto da relação, norma cuja produção é acusada de violar a Constituição – melhor dizendo, a norma jurídica constitucional que estatui a produção normativa –, porque, na sua criação, não atendeu o legislador ao dever que lhe incumbia, qual seja, de analisar a realidade fática ou de estabelecer prognósticos críveis.

Com esse expediente deficitário, o legislador acabou por violar direitos e garantias fundamentais, de cariz constitucional, daí porque deve o Órgão Judiciário realizar o controle tendente a expurgar do ordenamento o objeto, infraconstitucional, que não se adéqua ao parâmetro eleito.

445 Interessante que abordar o “conteúdo” da norma constitucional implica, outrossim, ambiguidade.

Isso porque uma norma materialmente constitucional tem conteúdo “próprio do texto constitucional”, por exemplo por tratar de direitos e garantias fundamentais ou estrutura do Estado. De outro lado, a comum classificação “inconstitucionalidade(-vício) material” leva em consideração justamente o conteúdo, que, em certa medida, coincide com a classificação aqui adotada.

Nesse sentido, haverá inconstitucionalidade-vício material, pois o processo de formação do ato acoimado de inconstitucional infringiu disposições de direitos e garantias fundamentais, propriamente conteúdo constitucional.

Outra classificação de “inconstitucionalidade-vício” é aquela que distingue entre a denominada “inconstitucionalidade direta” (ou expressa ou imediata) e “inconstitucionalidade indireta” (ou implícita ou mediata).446

Segundo os autores que defendem referida classificação a “inconstitucionalidade(-vício) expressa” é aquela que atinge dispositivo explícito da Constituição, ao passo que a “inconstitucionalidade(-vício) indireta” é aquela em que o ato normativo contrapõe a Constituição de modo oblíquo.

Ora, tal distinção não serve ao presente estudo e carece de maior rigor teórico. Isso porque ao se afirmar que a violação à norma constitucional ocorre de forma indireta, está-se tomando por parâmetro norma infraconstitucional, e não norma constitucional, e, por vezes, tal empresa visa, em verdade, denegar a jurisdição quando, por exemplo, escusa-se a Corte Constitucional do controle difuso em