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2. ASPECTOS CONCEPTUAIS

2.3. ACTIVIDADE E PROJECTO

Nas actividades realizadas nas e pelas bibliotecas é possível encontrar umas mais próximas da animação da biblioteca e outras mais de acordo com a promoção da leitura. Embora as fronteiras nem sempre sejam claras. É comum, de acordo com o termo mais utilizado em cada momento, encontrar actividades de animação designadas como de promoção, e vice-versa.

O mesmo se passa quanto aos termos actividade e projecto, sendo que, também aqui, importa fazer algumas distinções.

Um projecto remete para uma organização transitória, um planeamento de acções de modo a ser alcançado um resultado específico, num dado período de tempo e de acordo com meios (humanos e materiais) estabelecidos. Assim, enquanto actividade extraordinária, um projecto distingue-se da rotina administrativa, das actividades

normais das organizações (Cerezuela, 2006[2004]; Thiry-Cherques, 2006). Pode ter diferentes horizontes temporais e abrangências espaciais. São normalmente identificadas quatro grandes fases dos projectos: diagnóstico ou contextualização, desenho do projecto, implementação e avaliação.

A complexidade e a duração de cada medida em concreto levam, normalmente, à utilização de diversas expressões tais como (do mais complexo para o mais simples): plano, programa, projecto, acção. Assim, um plano corresponde a um conjunto de grandes linhas que orientam uma vontade de intervenção, deriva de directrizes políticas e abarca um conjunto amplo de temas ou aspectos a concretizar a médio ou longo prazo; um programa corresponde a uma primeira concretização do plano, aplicando as linhas directrizes a um aspecto concreto; o projecto é a linha mais operativa da intervenção e corresponde ao desenvolvimento dos programas através de acções concretas. De acordo com esta perspectiva, o projecto é a unidade mínima de actuação com sentido global em si mesma. O projecto concretiza-se em actividades ou acções que só têm razão de ser quando são parte do projecto e este, por sua vez, deriva de um programa definido anteriormente (Cerezuela, 2006[2004]: 27-28). O que quer dizer que dada biblioteca, e não apenas a tutela do sector, deve integrar os seus projectos de promoção da leitura num programa (Ventura, 2001: 161). Dito de outra forma, será conveniente que as bibliotecas disponham de um qualquer documento orientador da promoção da leitura, um documento que dê coerência aos projectos a realizar. Nos termos de um estudo internacional realizado no âmbito da IFLA, trata-se de formalizar uma written policy to promote reading as leisure activity (Train, 2002).

Os projectos são, por definição, limitados no tempo, pelo que haverá, talvez, que pugnar pela continuidade dos programas e dos planos, não dos projectos. Contudo, os resultados de um projecto constituem, frequentemente, o ponto de partida para o desenho de novo(s) projecto(s), o que aliás tem a vantagem acrescida de, regra geral, permitir diagnósticos mais nítidos e desenhos mais eficientes.

A formalização de um projecto é um instrumento de organização da intervenção numa dada realidade. É também disso que se trata na promoção da leitura: intervir no sentido de criar condições de aproximação à leitura, em particular para aqueles que lêem pouco ou não lêem de todo.

Também seria importante ter em conta o trabalho dos promotores ou mediadores da leitura e a metodologia de cada projecto. Deste ponto de vista, o trabalho do mediador ligado à biblioteca municipal consistirá em ir ao encontro daqueles que não a frequentam habitualmente: ele é o artesão da circulação entre o interior e o exterior das bibliotecas, o conteúdo do seu trabalho não está predeterminando, antes decorre de uma negociação permanente a partir de un ir y venir entre la oferta y la demanda, con el fin de que pueda emerger, después de la evaluación, una función realmente novedosa, adaptada a

las exigencias del terreno. Es por inducción y a partir de las experiencias, o sea, en función de la especificidad del terreno, que se considera que se puede formalizar la labor y la formación misma de los mediadores (Peroni, 2004: 5). É aqui que a noção de projecto ganha todo o seu sentido como proposta de intervenção a partir do diagnóstico do terreno em que actua.

A utilização da noção de projecto deriva do aparelho conceptual mobilizado, o qual se afigura adequado tendo em conta os objectivos visados pela promoção da leitura e os instrumentos utilizados: a resolução inovadora de determinado problema ou insuficiência, a experimentação, a inovação, a duração limitada, a avaliação dos resultados em função dos objectivos traçados. De facto, uma definição ou especificação clara dos objectivos, ou seja, o que se pretende obter com o projecto (e que se distingue da finalidade pelo maior nível de concretização) é condição para o êxito, se não mesmo para a exequibilidade, da avaliação do processo e dos resultados, para determinar a eficácia da intervenção.

Do mesmo modo se poderá colocar a questão quanto aos destinatários, grupos ou públicos-alvo, ou seja, o grupo de pessoas com características comuns a quem se dirige o projecto. Seja qual for a via utilizada para a determinação dos destinatários, haverá que fazer um planeamento profundo no sentido de conhecer bem as características que os definem. Daqui decorre que haverá que evitar a ideia de que um projecto deve dirigir-se a todos. Não existe praticamente nenhum projecto válido para toda a população, expressão frequentemente utilizada na administração pública, uma vez que está em causa o carácter universal dos seus serviços. Porém, uma coisa é o dever de actuar para todos os públicos, outra é que isso possa ser feito num único projecto (Cerezuela, 2006[2004]: 100).

SÍNTESE

No âmbito do presente estudo, falar de bibliotecas é, em boa medida, falar de bibliotecas públicas municipais. Não existe em Portugal um enquadramento geral para o domínio cultural das bibliotecas. O Programa Rede Nacional de Bibliotecas Públicas estabelece, de certo modo, um enquadramento para a instalação e funcionamento através dos contratos-programa celebrados entre a tutela da cultura e os municípios. Contudo, tal como nem todas as bibliotecas públicas são bibliotecas municipais, também nem todas as bibliotecas públicas municipais integram a Rede. Estas distinções são relevantes porque permitem entender os contextos de decisão em que se situam (as municipais) e as

regras de criação e funcionamento (as que integram a Rede). São também relevantes porque os enquadramentos institucionais tidos em conta se dirigem, ou dirigiram, a diferentes universos de bibliotecas: o PAPL/Itinerâncias culturais primeiro às bibliotecas públicas municipais da RNBP, desde 2007 também às que não integram a Rede; o Concurso da FCG às bibliotecas públicas, e o PNL às bibliotecas públicas municipais por via dos protocolos estabelecidos com as autarquias.

A promoção da leitura é entendida como uma parte das actividades realizadas nas bibliotecas e distingue-se da animação cultural. Não se perde de vista, contudo, que promoção da leitura e animação cultural são actividades cujo fulcro se situa nos equipamentos por excelência da difusão da leitura – as bibliotecas públicas.

Uma outra distinção conceptual adoptada neste estudo é entre actividades normais, rotinizadas (no sentido de prática constante, recorrente) e projectos (no sentido de prática extraordinária).

Pretende-se, desse modo, partindo dos termos em uso no domínio das bibliotecas, contribuir para uma melhor definição dos processos de construção das intervenções e das práticas que lhe estão associadas.