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CAPÍTULO III | COPING E ADAPTAÇÂO

1. Coping e Adaptação

1.3. Adaptação ao Cancro da Mama: “Devagar se vai ao longe…”

As maiores preocupações das pacientes com cancro de mama primário parecem ter que ver, por um lado, com o medo de recorrência e os problemas associados à cirurgia e/ou tratamento de quimioterapia, que podem afectar aspectos da feminilidade como a auto-imagem corporal, a sexualidade e a fertilidade, no caso de mulheres jovens (Pompe, Antoni & Garssen, 1996), e por outro, com o receio de morte prematura e de não verem os filhos crescer (Stanton, 2006; Spencer et al., 1999, citados por Antoni, 2012). O distress emocional e os estados afectivos negativos são comuns após o diagnóstico e aquando do tratamento e contribuem para um pior

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estado psicológico, sobretudo se persistirem no tempo (Cordova et al, 1995, citado por Antoni, 2012), determinando menor qualidade de vida vários anos mais tarde (Carver et al, 2005, citado por Antoni, 2012). É facilmente constatável, contudo, que as mulheres afectadas pela doença variam consideravelmente nas suas respostas psicológicas e recuperação, e a sua melhor adaptação parece estar dependente de factores cognitivos, comportamentais e sociais específicos (Antoni, 2003, citado por Antoni, 2012). Por estas razões, vem sendo defendida a intervenção psicossocial como uma componente da estratégia terapêutica standard para o cancro da mama ao longo de todas as fases da doença (Hewitt et al., 2004, citado por Antoni, 2012) e têm sido envidados esforços no sentido de se identificarem os factores psicossocias que favorecem um melhor ajustamento psicológico.

O diagnóstico, tratamento e recuperação de uma doença potencialmente grave como o cancro da mama desafia de tal forma as capacidades pré-existentes de coping que é para muitas pessoas difícil ultrapassar com sucesso todas estas etapas e cumprir eficazmente com os objectivos de restabelecimento de equilíbrio e bem-estar, resultando em níveis sintomáticos de distress, humor deprimido e ansiedade (Epping- Jordan et al., 1999). Para algumas pessoas, não obstante o impacto inicial e necessidade de adaptação, as alterações provocadas pela vivência da doença não são sempre negativas, chegando mesmo a percepcionar benefícios como melhorias nas relações conjugais (Carver & Antoni, 2004) e reportando um maior sentido para a vida (Taylor, 1983) e um reajustamento do foco e prioridades pessoais (Sprangers & Schwartz, 1999). Segundo Brennan (2001) um modelo de ajustamento do cancro deverá ser capaz de considerar resultados aparentemente tão divergentes quanto o elevado grau de stress e psicopatologia associada a esta doença, bem como as experiências de desenvolvimento pessoal saudável que muitos pacientes também relatam. Será assim importante perspectivar a adaptação psicológica como um processo que decorre ao longo do tempo à medida que os pacientes vão gerindo e aprendendo a lidar e acomodar as mudanças precipitadas pela alteração das circunstâncias de vida.

Sentido a necessidade de ampliar a capacidade explicativa dos modelos existentes e ultrapassar algumas das suas limitações, alguns autores têm proposto modelos de ajustamento que tentam justamente integrar aspectos dos modelos socio- cognitivos e do stress e coping com aspectos da regulação emocional (Leventhal & Nerenz, 1983 citado por Sharpe & Curran, 2006; Brennan, 2001). Numa revisão de estudos prospectivos e experimentais Ridder et al, (2008), identificaram quatro aspectos relevantes que parecem mediar os resultados do ajustamento psicológico, nomeadamente aspectos fisiológicos, emocionais, comportamentais e cognitivos.

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O cancro da mama, para além de provocar enormes desafios emocionais, comportamentais e cognitivos, é caracterizado por processos inflamatórios que podem induzir uma constelação de sintomas não específicos, conhecida por sickness

behavior, que incluem mal-estar, fraqueza, letargia, humor deprimido, anedonia,

anorexia e dificuldades de concentração (Dantzer, 2001). Os efeitos psicológicos destes processos patofisiológicos, mediados pelas citoquinas como o factor de necrose tumoral α (TNFα) e interferão alfa, constituem-se como obstáculos sérios ao ajustamento psicológico, especialmente por comprometerem o funcionamento nas actividades de vida diária e exercício físico moderado, que se sabe terem impacto positvo no estado emocional a capacidade funcional dos doentes (Lee, Dantzer & Langley, 2004, citados por Ridder et al., 2008).

As experiências emocionais negativas decorrentes do cancro são um dos aspectos mais debilitantes da vivência com a doença, muitas vezes dificultando a tomada de decisões e a adesão às terapêuticas, e a forma como os pacientes fazem a gestão da carga emocional pode afectar quão eficazmente se adaptam. Neste âmbito, as estratégias de regulação emocional prendem-se com estilos conscientes ou não de experenciar, processar e modular as emoções, classificando-se genericamente por duas categorias: evitamento e inibição das emoções e expressão e reconhecimento das emoções (Gross, 1998). Apesar das inconsistências encontradas nalguns estudos, a relação entre a utilização de estratégias de evitamento e repressão emocional e um pior ajustamento psicológico continua a ser defendida por muitos outros (Garssen, 2007). Para Wiebe e Korbel (2003, citado por Ridder, 2008), apesar da negação e não-expressão das emoções poder ser uma estratégia de coping útil numa fase inicial para lidar com o stress do diagnóstico, a não elaboração e expressão das emoções pode ter impacto na saúde através duma actividade aumentada mantida do sistema nervoso simpático (Mauss & Gross, 2004, citado por Ridder, 2008). Deste modo, o

distress psicológico pode influenciar negativamente o prognóstico da doença por

dificultar comportamentos protectores de saúde, como uma eficaz comunicação de necessidades e adesão aos tratamentos, e ainda por via da supressão imunitária causada pelo aumento do cortisol e catecolaminas (McGregor & Antoni, 2009).

A relação entre o estado de humor ou o desconforto psicológico e os comportamentos de saúde, nomeadamente os que respeitam à gestão da doença e tratamento (e.g. uso de medicação, alteração de hábitos de vida, comportamentos preventivos), é ainda outra face importante do processo de ajustamento, sugerindo que as pessoas se adaptam melhor se se cuidarem melhor e vice-versa (Ridder, 2008). Os comportamentos de auto-cuidado parecem estar dependentes do estado de

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humor e ao mesmo tempo concorrer para ele, por se relacionarem com a sensação de auto-controlo e auto-eficácia (Brennan, 2001).

Não obstante a importância de identificar os factores que obstaculizam a evolução positiva no processo de adaptação, algumas das revisões de literatura mais recentes sobre o tema do ajustamento à doença crónica (Ridder et al., 2008, Sharpe & Curran, 2006) apontam como fundamentais determinados aspectos cognitivos que podem permitir transformar o processo de ajustamento num processo de crescimento pessoal. Recolhendo experiências de vários doentes com percurso de ajustamento positivo, percebe-se a importância da revisão dos valores e objectivos pessoais face ao diagnóstico de uma doença grave. Através de um processo de recalibração (e.g. mudança das crenças básicas acerca da saúde e qualidade de vida) e priorização de objectivos e valores ou redefinição do que é importante, os pacientes conseguem manter qualidade de vida apesar do declínio da saúde física (Reddir, 2008, Sharpe & Curran, 2006). Para além da estratégia de mudança de resposta (response shift), Taylor (1983) aponta como estratégias cognitivas centrais no processo de adaptação ao cancro da mama a construção de significado/sentido (search for meaning) e procura de benefícios (benefit finding). Uma visão realística acerca dos constrangimentos provocados pela doença bem como das possibilidades de prognóstico deve ser equilibrada com uma visão positiva, como por exemplo perceber que a doença catalizou um processo de crescimento pessoal e reconhecimento de forças e ainda (Taylor, 1983), particularmente relevante entre mulheres com pior prognóstico de forma a reduzir os níveis de distress e encontrar esperança (Sharpe & Curran, 2006).

A revisão de literatura realizada pretendeu ilustrar a possibilidade de algumas fragilidades dos paradigmas sobre o ajustamento psicológico poderem ser colmatadas com a reflexão acerca dos factores que parecem estar associados a uma melhor qualidade de vida e funcionamento psicossocial nos anos que se seguem ao diagnóstico da doença, encetando assim a possibilidade de intervenção psicológica destinada a pacientes com maiores dificuldades de adaptação. Sendo as dificuldades de adaptação mutideterminadas, a exploração das respectivas idiossincrasias, que se provam ser mais relevantes para o processo de ajustamento psicológico, como as características de personalidade e a história de relações interpessoais, constituem-se como um foco essencial de qualquer abordagem terapêutica que vise aumentar competências dos pacientes para fazer face à doença. As relações interpessoais são reconhecidamente uma influência fundamental na forma como as pessoas lidam com o distress e se ajustam aos momentos de crise durante o ciclo de vida (Bloom et al., 2001; Holland & Holahan, 2003, citado por Cicero ey al., 2009). Desta forma conclui-se

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que uma abordagem holística do ajustamento é tanto mais relevante quanto o aumento do número de evidências que vêm apontado o impacto da adaptação psicológica na progressão da doença.

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