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CAPÍTULO VI | DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

1. Discussão dos Resultados

1.1.4. Sobre Vulnerabilidade ao stress

Os aspectos da vulnerabilidade ao stress foram avaliados por um conjunto de instrumentos que visaram, por um lado, caracterizar a percepção de vulnerabilidade para o stress (QVS) e o nível de distress (TD e BSI) vivenciado no momento da recolha de dados. Por outro, a metodologia utilizada visou a caracterização da reactividade fisiológica, quer na sua componente neuroendócrina, através do cortisol salivar como correlato do eixo hipotálamo-hipófise-suprarenal, quer na componente autonómica através de medidas que aferem a activação do ramo simpático e parassimpático (Actividade Electrodérmica, Frequência Respiratória e Batimento Cardíaco.

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O Inventário de Sintomas Psicopatológicos revelou que nenhuma das amostras avaliadas apresentava sintomas clínicos sugestivos de algum tipo de psicopatologia, ficando abaixo dos valores encontrados na população portuguesa quanto ao Índice

Geral de Sintomas. A comparação entre grupos mostrou que os grupos são bastante

homogéneos e que apresentam baixos níveis de distress, sugerindo apenas uma menor reactividade do grupo experimental face a stressors, dado o valor mais baixo do IGS.

É no entanto, ao nível das dimensões Sensibilidade Interpessoal e Ideação

Paranóide que se encontram diferenças significativas, parecendo estar sobretudo

elevadas no GC, mas dado o valor baixo não parecem remeter para um funcionamento picológico particular. No grupo experimental são a Ansiedade, a

Obsessivo-Compulsiva e as Escalas Adicionais, as dimensões mais pregnantes sem

que atinjam níveis indicadores de psicopatologia. Estas constelações remetem para um quadro global de apreensão, nervosismo, manifestações somáticas de ansiedade e ruminações intrusivas, que podem perturbar o funcionamento habitual (e.g. sono, apetite, concentração), e que parecem estar contextualizadas, tendo em conta o diagnóstico recente de cancro da mama.

O Termómetro do Distress enquanto medida de rápida e fácil aplicação, especialmente desenvolvida para a população clínica aqui em estudo, permitiu corroborar os níveis de distress específicos, que se mostram significativamente superiores ao valor crítico no grupo de pacientes com cancro da mama, revelando assim que este grupo, apesar das características que vêm sendo avançadas, mostra sentir maior nível de distress que o grupo de controlo, reportando vivenciar mais problemas, em especial maior tristeza.

De forma genérica os resultados dos instrumentos psicológicos até aqui referidos apontam para uma vivência do diagnóstico marcada por uma adequada modulação do humor e baixos níveis de zanga e depressão, passíveis de encontrar em fases iniciais da doença (Epping-Jordan et al, 1999), reforçando as considerações feitas na secção anterior a respeito de uma eventual sobre-adaptação por parte deste grupo.

Relativamente à percepção de recursos para enfrentar as exigências de eventuais situações de stress, os grupos mostram-se mais uma vez homogéneos entre si, com níveis globais de vulnerabilidade ao stress inferiores aos que o autor Vaz Serra (2000) encontrou nos estudos de validação do QVS. Contudo, é o GC que apresenta uma maior vulnerabilidade ao stress, o que vai de encontro a um maior nível de distress segundo dão conta aos resultados do Índice Geral de Sintomas do BSI. As diferenças verdadeiramente significativas entre grupos respeitam à escala Inibição e

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Dependência Funcional, para a qual este grupo mostra resultados superiores, e que

traduz a percepção de incapacidade para enfrentar autonomamente os problemas do dia-a-dia. Pelo contrário, as participantes do grupo experimental parecem caracterizar- se por uma maior independência e baixo evitamento dos problemas.

Por fim, importa referir que, tanto o GE como o GC, parecem dever a sua relativa vulnerabilidade ao stress, por um lado, a uma elevada necessidade de controlo das circunstâncias e, por outro, à percepção da necessidade de se submeter aos outros para manter o seu apoio. Talvez esta percepção de vulnerabilidade e dependência dos outros favoreça a repressão das emoções como estratégia de regulação emocional da raiva, que tendencialmente se verifica am ambos os grupos.

As diferenças entre grupos têm, contudo, que ver com o facto do grupo de controlo perceber maior dificuldade em gerir as adversidades, sobretudo ao nível financeiro, o pode constituir-se como uma problemática que vulnerabiliza para um maior nível de stress e que parece fazer sentido à luz dos resultados do BSI, anteriormente abordados. O grupo experimental, por sua vez, evidencia uma experiência de emocionalidade excessiva e possivelmente menos autêntica das suas vulnerabilidades (Dramatização da Existência), e que, conjuntamente com as características anteriormente referidas, parecem alinhar-se aos traços de personalidade identificados por Temoshok para o Padrao de Comportamento de tipo C.

Por último, a reactividade fisiológica foi também avaliada com o objectivo de caracterizar e comparar os grupos quanto às componentes autonómica e neuroendócrina. Na componente autonómica constituída pelos indicadores de Actividade Electrodérmica (EDA), Frequência Respiratória e Batimento Cardíaco, apenas a primeira mostrou distinguir os grupos quanto à reactividade fisiológica avaliada no decurso da aplicação do questionário socio-demográfico e clínico.

Os parâmetros de resistência galvânica da pele (SCL e SRA) permitiram constatar diferenças significativas entre os grupos no decurso da entrevista. Por um lado, o Nível Médio de Resistência Galvânica da Pele (SCL) em todos os momentos da entrevista apresenta-se muito superior no grupo de controlo, tal como os resultados da Amplitude Média de Resposta Galvânica (SRA) para a Baseline e para o Momento

1, apontado assim para uma maior reactividade a stressors por parte deste grupo,

sobretudo em fases iniciais da entrevista. Da análise de resultados fica ainda patente que o nível médio de resistência galvânica (SCL) das participantes comporta-se de forma idêntica no GE e GC, com um particular aumento na tarefa de aritmética e uma diminuição progressiva até ao fim da entrevista. Possivelmente esta medida é menos sensível às diferentes valências emocionais dos conteúdos abordados no decurso da

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entrevista e, para além de evidenciar uma reactividade aumentada no GC, mostra ser sobretudo sensível ao factor novidade, uma vez que os níveis de SCL diminuem ao longo da entrevista. Dawson et al. (2007) na sua revisão sobre EDA descrevem-no como o índice mais utilizado para descrever o arousal (excitação, activação), salientando que o nível de condutância da pele é normalmente reduzido durante o sono e elevado aquando da vivência de estados tais como a raiva ou em tarefas de raciocínio mental, sendo igualmente sensível a estímulos novos e intensos.

Por outro lado, os resultados da Amplitude Média de Resposta Galvânica (SRA) e Frequência de Eventos de Resposta Galvânica (SRR) sugerem um aumento de reactividade fisiológica para os momentos relativos à História Clínica e

Acontecimentos Negativos no grupo experimental face ao grupo de controlo e uma

diminuição da flexibilidade fisiológica dado o aumento nos Tempos Médios de

Recuperação da Resposta Galvânica (Sr) para os mesmos momentos. Não sendo

significativos, não parecem de todo dispiciendos dadas as diferenças claramente observáveis entre os grupos e que não foram validadas estatisticamente pela óbvia dispersão de resultados na amostra experimental.

De uma forma sucinta parece ficar-se com a impressão de que, em fases iniciais da entrevista, as mulheres do grupo experimental demonstram um menor investimento emocional e/ou cognitivo e uma consequente menor activação fisiológica, que é facilmente contrariada aquando de questões que se prendem com a vivência do diagnóstico e com aspectos da sua história de vida, passando a manifestar uma reactividade fisiológica aumentada quando comparada com o grupo de controlo. Parece assim legítimo questionar se estas diferenças se prendem com o investimento emocional e cognitivo das participantes ou com a sensibilidade de alguns parâmetros electrodérmicos (SRA, SRR e Sr) para discriminar os grupos em função de variações na valência emocional dos conteúdos.

Do ponto de vista da componente neuroendócrina aferida através da recolha de cortisol salivar em 5 momentos ao longo do dia, os resultados não se mostraram suficientemente discriminativos das duas amostras, ficando evidente apenas que o grupo experimental mostra estar claramente mais reactivo ao acordar e 1 hora depois

do acordar e que os níveis de cortisol vão descrescendo ao longo do dia,

manifestando um ritmo circadiano semelhante ao descrito na literatura (Kudielka et al, 2012). Existem várias evidências da existência de um pico de cortisol que se inicia logo após o acordar até 60 minutos depois, e de que este seja o indicador mais robusto da actividade do eixo HPA dada a sua sensibilidade para o stress crónico (Wüst et al, 2000; Kudielka et al, 2012). A curva de resultados, que ilustra o ritmo circadiano para cada um dos grupos, permite constatar que o grupo de controlo

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mantém o padrão descrito na literatura, embora pouco pronunciado, enquanto que o grupo experimental observa valores mais elevado ao acordar. De notar que os níveis de cortisol ao acordar e ao longo do dia são regulados diferentemente e associam-se a diferentes características psicossociais (O’Donell et al, 2008), e talvez por esta razão se relacionam diferentemente a doenças físicas e mentais (Kudielka et al, 2012). Embora a amostra não permita confirmar em absoluto um nível de reactividade distinto, é visível uma maior reactividade de base nas mulheres com cancro da mama no período que corresponde ao Cortisol Awakening Response ou CAR, o que parece apoiar alguns dos estudos que revelam diferenças significativas nos índices de produção de cortisol quando comparam mulheres com cancro da mama e mulheres saudáveis (Vedhara et al, 2006),

Em jeito de síntese pode dizer-se que os dados da Actividade Electrodérmica e os resultados do cortisol salivar nas duas primeiras recolhas da manhã, atribuem maior reactividade fisiológica ao grupo experimental, corroborando os níveis de

distress avaliados pelo TD. Estes resultados parecem reflectir uma dissociação entre

os aspectos da narrativa (voluntária) e do comportamento psicobiológico (involuntário), que vem sendo discutida por vários investigadores para a população de mulheres com cancro da mama (McKenna et al., 1999). No entanto, a dimensão reduzida das amostras em estudo não permite generalizar com segurança um padrão de reactividade específico partir dos resultados observados já que os mesmos não atingem valor de significância estatística.

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