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3 REVISÃO DA LITERATURA

3.5 Adaptação transcultural de instrumentos de medição

A utilização de instrumentos de medidas, tanto na prática clínica quanto de pesquisa, consiste em uma alternativa satisfatória à avaliação comportamental de construtos teóricos (ALEXANDRE et al., 2013).

O desenvolvimento dessas ferramentas, entretanto, costuma ser um processo demorado, exigindo ainda elevado empenho pessoal e financeiro (CICONELLI et al., 1999; VICTOR, 2007).

Como alternativa vantajosa à sua construção, a adaptação de instrumentos é recomendada, uma vez que permite confrontar resultados de investigações empreendidas em diferentes contextos culturais e linguagens, além de fornecer a possibilidade de replicação dos métodos de avaliação das medidas para comparação, agregando valor às evidências obtidas (HAMBLETON, 2005).

Para Hambleton (2005), é esperado que haja um aumento cada vez maior no número de instrumentos adaptados, frente aos promissores intercâmbios internacionais de investigação científica e ao interesse constante em pesquisas interculturais.

Reichenheim e Moraes (2007) referem que anteriormente à década de 90, a adaptação de instrumentos elaborados em outra cultura e/ou idioma, normalmente contava com a realização de simples tradução da versão original e, em alguns casos, com uma retradução.

Esse tipo de procedimento é pode ser encarado como notadamente inadequado, uma vez que se baseia na mera construção de traduções entre idiomas, cujos resultados são isentos de neutralidade e de autêntica literalidade, à medida que consistem em uma interpretação particular de seu autor (ARROJO, 1992).

Ademais, “[...] a simples tradução de um teste de uma língua para a outra, mesmo assegurando as regras lexicais, não mantém a originalidade de quem consumiu bastantes recursos ao criar a versão original” (CARDOSO, 2006, p.101).

Sobre isso, Gjersing, Clapehorn e Clausen (2010) destacam que inexiste um consenso universal sobre como adaptar um instrumento para uso em outro ambiente cultural,

mas parece consensual que é inapropriado simplesmente traduzir o instrumento e utilizá-lo em outro contexto.

Isto é reforçado por Alexandre e Guillardero (2002), ao enfatizarem que a adaptação de um instrumento para outro idioma consiste em processo complexo, que exige rigor metodológico para ser realizado, devido às diferenças culturais, que não permitem que se faça uma simples tradução.

Para Pym (2004), uma comunicação entre culturas deve abranger a percepção do ponto de interseção entre as mesmas. Logo, esta perspectiva deve ser contemplada no emprego de um instrumento em cultura diferente daquela onde foi concebido, de forma que se alcance, na nova situação, a equivalência do construto medido, em relação à cultura originária (HAMBLETON, 2005).

A cultura é ainda uma importante fonte de viés de respostas na utilização de testes psicométricos (PASQUALI, 2003). Sobre isto, Cardoso (2006, p.101) afirma, em relação à utilização de instrumentos em outras culturas, que:

[...] os vieses de resposta podem ocorrer independentemente da qualidade dos itens ser boa ou da tradução estar convenientemente bem elaborada, uma vez que as respostas dadas podem ser desvirtuadas por fatores culturais relacionados com os sujeitos que respondem, falseando os dados. O viés é, assim, causado pelas diferenças culturais, e não pela tradução dos itens propriamente dita.

Beaton et al. (2007) definem a expressão “adaptação transcultural” como o processo que contempla a linguagem (tradução) e os aspectos de adaptação cultural na elaboração de um instrumento para uso em contexto distinto do qual foi originalmente desenvolvido.

Guillemin, Bombardier e Beaton (1993), fundamentados em ampla revisão bibliográfica, elaboraram diretrizes padronizadas para a adaptação transcultural de instrumentos de medida de Qualidade de Vida. Posteriormente, essas diretrizes foram refinadas e reunidas em um guia de recomendações para a adaptação transcultural de instrumentos de medidas autoadministrados da área da saúde (BEATON et al., 1998; 2000). Em 2007, os autores publicaram, através de renomada instituição canadense de pesquisa em saúde (Institute for Work and Health), nova versão revisada/atualizada de tais recomendações para a adaptação transcultural do instrumento de medida Disabilities of the Arm, Shoulder and

Hand (DASH) e de sua versão abreviada (QuickDASH), desenvolvidos pelo Institute for Work and Health e pela American Academy of Orthopaedic Surgeons (BEATON et al., 2007).

As recomendações sugeridas pelos autores indicam um processo de adaptação transcultural que requer a execução de seis etapas: tradução inicial, síntese das traduções, retradução ao idioma de origem, avaliação por um comitê de juízes, pré-teste e submissão de documentação referente ao processo ao Institute for Work and Health (BEATON et al., 2007).

O processo em questão visa à obtenção de um instrumento de medida adequadamente adaptado a um novo contexto cultural, que seja completamente equivalente à versão que o originou (semanticamente, idiomaticamente, conceitualmente e culturalmente) (BEATON et al., 2007).

As diretrizes para adaptação transcultural propostas por Guillemin, Beaton e demais colaboradores (GUILLEMIN; BOMBARDIER; BEATON, 1993; BEATON et al., 1998; 2000; 2007) vêm sendo utilizadas para adaptar ferramentas com construtos diversos, originando instrumentos com notáveis características psicométricas de validade e confiabilidade (ORIÁ, 2008; VIANA, 2008; VICTOR, 2007). Isto permite pressupor que o emprego padronizado das diretrizes citadas pode garantir adaptações de instrumentos de mensuração de uma forma metodologicamente correta, contribuindo para assegurar sua qualidade na nova cultura (ALEXANDRE; COLUCI, 2011).

No Brasil, a proposta de Beaton e colaboradores parece ser a mais empregada em estudos de adaptação transcultural de instrumentos de medidas na área da saúde. Alguns exemplos de ferramentas adaptadas pelo método em questão são: Adherence Determinants Questionnaire (LESSA, 2012), Minnesota Leisure Time Activities Questionnaire (LUSTOSA et al., 2011), Venous Insufficiency Epidemiological and Economic Study - Quality of life/Symptom questionnaire (MOURA et al., 2011), Multiple Sclerosis Walking Scale - 12 (NOGUEIRA et al., 2012), Breastfeeding Self-efficacy Scale (ORIÁ, 2008), Female Sexual Function Index (PACAGNELLA et al., 2008), International Hip Outcome Tool (POLESELLO et al., 2012), Nursing Activities Score (QUEIJO, 2002), The Mother Generated Index (RIBEIRO, 2013), Asthma Control Scoring System (TAVARES et al., 2010), Aging Sexual Knowledges and Attitudes Scale (VIANA, 2008), Exercise Benefits/ Barriers Scale (VICTOR, 2007).

Cassep-Borges, Balbinotti e Teodoro (2010) enfatizam que o processo de adaptação transcultural de um instrumento de mensuração, quando bem conduzido, pressupõe a redução dos vieses da cultura de onde provém. Ao realizá-lo, pretende-se obter uma versão consistente e equivalente à original, permitindo presumir que outras propriedades do

instrumento na cultura-alvo, tais como validade e confiabilidade, sejam mantidas (BEATON et al., 2007).

Entretanto, isto pode não acontecer. Por esta razão, “é altamente recomendável que após o processo de adaptação, os pesquisadores assegurem que a nova versão demonstra as propriedades de medida necessárias à aplicação pretendida” (BEATON et al., 2007. p. 10, tradução nossa).

Por conseguinte, apenas a comprovação de propriedades psicométricas satisfatórias do instrumento adaptado pode garantir que sua aplicação no novo contexto cultural é, de fato, adequada.