• Nenhum resultado encontrado

Adendo: Críticas e Alterações ao PNDH-3

3 DO DIREITO À EDUCAÇÃO À EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

4.1 PNDH-3: Estrutura e Caracterização

4.1.1 Adendo: Críticas e Alterações ao PNDH-3

A última versão do Programa, PNDH-3, foi promulgada pelo Governo Lula, por intermédio do Decreto nº 7.037, de 21/ 12/ 2009, do qual o Plano é Anexo, tendo sido recentemente modificado, em 12/ 05/ 2010, pelo Decreto nº 7.177.

Esta terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos fez reaparecer fantasmas que há décadas atormentam a história política brasileira (COMPARATO29, 2010). Abordando temas atuais e bastante polêmicos, tão logo foi lançado o Programa virou alvo de inúmeras críticas e protestos. Frente à pressão de setores conservadores da Igreja Católica, dos latifundiários, das poucas empresas que controlam a mídia e de setores anti-democráticos das forças armadas, o programa já sofreu alterações e supressões em seu texto original.

29 Entrevista concedida pelo jurista Fábio Konder Comparato ao repórter Gilberto Costa da Agência Brasil em 15

de janeiro de 2010. Disponível em: <http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-gerais/2010/janeiro/entrevista- com-jurista-fabio-konder-comparato-sobre-o-pndh-iii/>. Acesso em 10/06/2010.

Segundo Comparato (2010), a principal crítica ao programa, escrito após discussão pública de dois anos, é que ele ameaça a Lei da Anistia (Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979) e permite que pessoas que atuaram na repressão política da ditadura militar (1964- 1985) sejam processadas, julgadas e condenadas por seus crimes. Esclarece Piovesan (2010) que “a jurisprudência internacional reconhece que leis de anistia violam obrigações no campo dos direitos humanos” e complementa a autora, “a Corte Interamericana considerou que essas leis perpetuam a impunidade, impedem o acesso à Justiça de vítimas e familiares e o direito de conhecer a verdade e de receber a reparação correspondente, consistindo numa direta afronta à Convenção Americana”. Setores militares criticaram o programa afirmando que o documento poderia levar o país a um clima de revanchismo. O principal foco das discussões recaía sobre a criação da Comissão da Verdade cujo intuito é apurar crimes que teriam ocorrido durante o período militar. Para pôr fim à polêmica, o governo decidiu não usar a expressão “repressão política” na parte que trata da apuração de casos de violação de direitos no contexto do regime militar. Assim, o texto do decreto abre a possibilidade de que sejam investigadas violações de direitos humanos praticadas tanto por militares quanto por outros agentes do período.

Quanto ao aborto, o PNDH-3 endossa a aprovação de projeto de lei que descriminaliza o aborto, em respeito à autonomia das mulheres. A ordem internacional recomenda aos Estados que assumam o aborto ilegal como uma questão prioritária e sejam revisadas as legislações punitivas em relação ao aborto, considerado um grave problema de saúde pública (PIOVESAN, 2001). A respeito das uniões homoafetivas, o PNDH-3 apoia a união civil entre pessoas do mesmo sexo, assegurando os direitos dela decorrentes, como a adoção. Sobre a liberdade religiosa, o PNDH-3 propõe a construção de mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos. No Estado laico, todas as religiões merecem igual consideração e respeito, não podendo se converter na voz exclusiva da moral de qualquer religião.

As reações ao PNDH-3 começaram nos setores militares. A elas se seguiram as dos ruralistas, dos donos da imprensa, de grupos católicos. “O que há de comum a todas estas reações” diz Paulo Carbonari, em artigo publicado em 2010 (“PNDH-3: Por que mudar?30”) é que vêm “orientadas por inspiração conservadora e reativa. Não são estranhas. Estas inspirações historicamente tem sido refratárias aos avanços exigidos pelos direitos humanos”. Estas reações contrárias ao Programa estão longe de qualquer tipo de unanimidade, pois, em

contrapartida, vários setores democráticos têm dito que o PNDH-3 representa um avanço ao ter uma compreensão ampla e contemporânea de direitos humanos e por trazer para o campo programático das políticas públicas um tema que ainda está mais no campo normativo e jurídico.

O texto do programa recebeu, pois, críticas, não apenas da Igreja Católica, por causa dos trechos relativos ao aborto; mas também dos meios de comunicação, que afirmam que o documento favorece a censura; e do setor agrícola, que acredita em aumento da violência no campo com a criação de uma câmara de conciliação para mediar conflitos durante ocupações de terra. Em contrapartida, A Plataforma Dhesca31, em conjunto com outras organizações e redes de direitos humanos no Brasil, defendem a integralidade do Programa, reconhecendo neste um importante instrumento de democratização do poder e garantia de direitos no país.

O conselheiro nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Paulo Carbonari, classifica a sociedade em dois grupos dependo da maneira como lêem o PNDH-3:

Em linhas gerais, o debate sobre o PNDH revela ao menos duas vertentes fortes na compreensão de direitos humanos: de um lado, os

que aceitam os direitos humanos, quando os aceitam, mas apenas

para si próprios ou para proteger seus privilegiados interesses privados e privatistas; de outro, os que compreendem direitos humanos

como conteúdo substantivo da luta cotidiana para que cada pessoa possa ser o que quer ser e não como uns ou outros gostariam que fosse (CARBONARI, 2010, grifo nosso).

Na versão atual, o plano sofre modificações em seu texto originário relativas aos seguintes assuntos:

1) na defesa do aborto,

2) na retirada de símbolos religiosos de órgãos públicos; 3) na investigação de tortura na ditadura militar

4) no veto ao uso de nomes de presidentes-generais em ruas e praças públicas;

5) na identificação de prédios (como quartéis e outras instalações militares) onde houve tortura;

6) na criação de um 'ranking' para definir as TVs e rádios que são boas ou não, com previsão de penalidades, desde multas até cassação de concessão;

7) nas mudanças em duas áreas de disputa entre os sem-terra e o agronegócio: mediação de conflitos e reintegração de posse na área rural.

Tomando por base o Decreto nº 7.177, de 12 de maio de 2010, que altera e até mesmo revoga importantes ações previstas no Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, elaborou-se o seguinte quadro comparativo 5:

ALTERAÇÕES SOFRIDAS PELO PNDH-3 (DECRETO Nº 7.037, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2009) D IR E T R IZ O B J. E SR A T É G IC O A Ç Ã O

REDAÇÃO ANTERIOR (DECRETO Nº 7.177, DE 12 DE MAIO REDAÇÃO ATUAL DE 2010)

9 III g

Apoiar a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos.

Considerar o aborto como tema de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços de saúde.

10 VI c Desenvolver mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em

estabelecimentos públicos da União. REVOGADO

17 VI d

Propor projeto de lei para institucionalizar a utilização da mediação como ato inicial das demandas de conflitos agrários e urbanos, priorizando a realização de audiência coletiva com os envolvidos, com a presença do Ministério Público, do poder público local, órgãos públicos especializados e Polícia Militar, como medida preliminar à avaliação da concessão de medidas liminares, sem prejuízo de outros meios institucionais para solução de conflitos.

Propor projeto de lei para institucionalizar a utilização da mediação nas demandas de conflitos coletivos agrários e urbanos, priorizando a oitiva do INCRA, institutos de terras estaduais, Ministério Público e outros órgãos públicos especializados, sem prejuízo de outros meios institucionais para solução de conflitos.

22 I a

Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas.

Propor a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados.

22 I d

Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações.

REVOGADO

locais onde foram ocultados corpos e

restos mortais de perseguidos políticos. relacionados à prática de violações de direitos humanos, suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade, bem como promover, com base no acesso às informações, os meios e recursos necessários para a localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos.

24 I f

Desenvolver programas e ações educativas, inclusive a produção de material didático-pedagógico para ser utilizado pelos sistemas de educação básica e superior sobre o regime de 1964- 1985 e sobre a resistência popular à repressão.

Desenvolver programas e ações educativas, inclusive a produção de material didático- pedagógico para ser utilizado pelos sistemas de educação básica e superior sobre graves violações de direitos humanos ocorridas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988

25 I c

Propor legislação de abrangência nacional proibindo que logradouros, atos e próprios nacionais e prédios públicos recebam nomes de pessoas que praticaram crimes de lesa-humanidade, bem como determinar a alteração de nomes que já tenham sido atribuídos.

Fomentar debates e divulgar informações no sentido de que logradouros, atos e próprios nacionais ou prédios públicos não recebam nomes de pessoas identificadas reconhecidamente como torturadores.

25 I d

Acompanhar e monitorar a tramitação judicial dos processos de responsabilização civil ou criminal sobre casos que envolvam atos relativos ao regime de 1964-1985.

Acompanhar e monitorar a tramitação judicial dos processos de responsabilização civil sobre casos que envolvam graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988.

Quadro 6: Alterações sofridas pelo PNDH-3

FONTES: Decreto no 7.037, de 21 de dezembro de 2009 e Decreto nº 7.177, de 12 de maio de 2010.

O novo decreto mantém intactos a apresentação assinada pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva, o prefácio assinado pelo ministro Paulo Vannuchi e as diversas introduções a cada bloco de temas.

As modificações feitas pelo governo federal na terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos não agradaram os que defendiam o texto apresentado em dezembro de 2009 e ainda são vistas com ressalvas pelos que faziam críticas ao documento. Ou seja, o Programa deve provocar ainda mais controvérsias, gerando, pois, novas disputas no Congresso Nacional. Todavia, vale aqui realçar a sensatez contidas nas palavras de Paulo César Carbonari:

O que está posto como desafio não é mudar o PNDH. O que está posto como desafio é tomar o PNDH como instrumento para mudar a sociedade, para aguçar ainda mais os compromissos

democráticos com a participação, com a justiça, com a liberdade – com a realização dos direitos humanos. Por isso, o que está previsto

no PNDH-3 precisa, com urgência, se tornar efetividade, a fim de que os direitos humanos sejam conteúdo substantivo na vida cotidiana de cada pessoa. (CARBONARI, 2010, grifo nosso)