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1.2. Reações assimétricas alvo

1.2.2. Adição de Michael

A adição de Michael, uma das reações mais importantes para a formação de ligações carbono- carbono, é comummente caracterizada pela adição conjugada de nucleófilos (denominados doadores de Michael) a carbonos de olefinas ativadas (eletrófilos conhecidos como aceitadores de Michael eletrodeficientes)189 (Esquema 1.36).

Esquema 1.36 - Esquema geral de uma reação de Michael, com a nova ligação covalente marcada a vermelho.

A reação de Michael foi introduzida na comunidade científica em 1887 por Arthur Michael190 através dos seus intensos estudos nas adições de malonatos a cetonas α,β-insaturadas (enonas) na presença de base (catalisador da reação) em solventes próticos. Desde então esta reação ganhou notoriedade devido às imensas aplicações associadas, sendo que atualmente também é conhecida como reação de adição-1,4 ou reação de adição conjugada.189

Devido à grande variedade de aceitadores e doadores utilizados, como também à enorme versatilidade dos métodos empregues, a adição de Michael é largamente utilizada quer na síntese orgânica como também na obtenção de produtos naturais. Além disso é usada para o desenvolvimento de protocolos catalíticos enantiosselectivos191 que são de extrema importância na preparação de compostos naturais enantiopuros e na obtenção de fármacos.

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Como atrás mencionado, esta reação trata-se de uma adição-1,4, no entanto existe uma reação concorrente com esta e trata-se na reação de adição-1,2 (Esquema 1.37).190

Esquema 1.37 - Representação das duas reações possíveis na presença de um aceitador de Michael.

Esta competição deve-se à natureza dos reagentes empregues, nomeadamente do nucleófilo, uma vez que é o carácter nucleófilo deste que determina o mecanismo reacional. Este facto é explicado pelo princípio de Ralph Pearson192 (1963) de ácidos e bases fortes e suaves – HSAB (acrónimo de “Hard and Soft Acids and Bases”) conjuntamente com a teoria proposta por Klopman193

em 1967 que acrescenta informação sobre as orbitais de fronteira na reatividade das reações. Sabe-se que a atração entre eletrófilos e nucleófilos é baseada fundamentalmente em dois tipos de interação – atração eletrostática entre cargas opostas e sobreposição de orbitais entre a orbital de fronteira HOMO do nucleófilo e LUMO do eletrófilo. De uma forma geral, reações bem-sucedidas resultam da combinação destes dois fatores, no entanto, a reatividade pode ser determinada por um ou por outro, que por seu turno depende da natureza do nucleófilo e eletrófilo envolvidos. De uma forma simplista, nucleófilos que contêm átomos electronegativos de pequena dimensão (como oxigénio ou o flúor) tendem a reagir predominantemente através de controlo eletrostático, ao passo que nucleófilos que contêm átomos de maiores dimensões (como o enxofre dos tióis, mas também fósforo e iodo) são maioritariamente sujeitos ao controlo por sobreposição das orbitais de fronteira. Os nucleófilos fortes possuem uma maior densidade de carga, ao passo que os nucleófilos suaves ou não são carregados ou possuem átomos de maiores dimensões com orbitais mais difusas (Figura 1.18).194

Figura 1.18 - Ilustração de alguns nucleófilos e a respetiva classificação de acordo com o seu carater nucleófilo.

No que respeita aos eletrófilos o conceito é semelhante. Por exemplo o H+ é um eletrófilo (muito) forte devido à sua pequena dimensão e por ser carregado positivamente. Já o Br2 é um eletrófilo suave: as

53 “nucleófilos fortes tendem a reagir com eletrófilos fortes e nucleófilos suaves tendem a reagir com eletrófilos suaves”.194

Se nos focarmos nesta reação, verificamos que estamos perante um composto carbonílico α,β- insaturado. Este tipo de molécula é especial uma vez que possui dois locais eletrófilos: um local suave (carbono-β) e outro forte (carbono do carbonilo). Como o carbono do carbonilo possui uma elevada carga parcial irá reagir preferencialmente com nucleófilos fortes, como por exemplo reagentes de Grignard que possuem uma elevada carga negativa parcial no átomo de carbono. Por seu turno o carbono-β, que não possui elevada carga parcial, vai reagir com nucleófilos suaves como tióis e malonatos.194 Assim, de modo a evitar reações concorrentes, nomeadamente a adição-1,2, devem ser usados nucleófilos suaves de modo a minimizar a formação de produtos secundários, de acordo com o princípio HSAB de Pearson192 e da teoria de Klopman.193

Relativamente ao mecanismo reacional, este baseia-se essencialmente em três passos. A desprotonação do doador por parte de uma base leva à formação de um enolato que de seguida reage com o aceitador de Michael através de um ataque nucleófilo no carbono-β, sendo este ataque o passo lento da reação. O intermediário aniónico recentemente formado é depois protonado, regenerando deste modo a base (Esquema 1.38). Este mecanismo é bem conhecido e foi demonstrado experimentalmente através de estudos cinéticos, como por exemplo os estudos de Markisz e Gettler.195

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Relativamente à utilização da adição de Michael na síntese assimétrica, vastos são os exemplos encontrados na literatura nos quais utilizam organocatalisadores com bastante sucesso. A título de exemplo podemos citar o trabalho elaborado por Xu e a sua equipa196 em 2012. O seu estudo baseou-se na funcionalização de alcalóides de Cinchona com esquaramidas (45) e posterior aplicação em adições de Michael assimétricas, nomeadamente na adição conjugada de compostos 1,3-dicarbonílicos e de β-cetoésteres a nitro-olefinas, reações nas quais obtiveram bons rendimentos (63-95%) e excelentes enantiosseletividades (91-99% de excesso enantiomérico) (Esquema 1.39).196

Esquema 1.39 - Adições de Michael assimétricas realizadas por Xu e o seu grupo196 em 2012.

Outra utilização organocatalítica da adição de Michael de extrema importância é o exemplo do trabalho publicado por Jørgensen197 na síntese organocatalítica assimétrica da já mencionada varfarina. Através de uma adição de Michael entre derivados da benzilidenoacetona com a 4- hidroxicumarina na presença do organocatalisador apropriado, consegue-se obter a varfarina e os seus análogos com rendimentos até 99% e excessos enantioméricos de 88%, cujo resultado se otimiza a uns impressionantes 99% de excesso enantiomérico com uma simples recristalização em acetona/água (Esquema 1.40).197

Esquema 1.40 - Reação de Michael assimétroca organocatalítica estudada pelo grupo de Jørgensen197 para a síntese enantiosselectiva do anticoagulante varfarina.

Já em 2012, Dong e Du198 desenvolveram o organocatalisador 47 que demonstrou ser extremamente eficiente na síntese assimétrica da varfarina (Figura 1.19). Trata-se de um catalisador bifuncional contendo uma amina primária e uma fosfinamida vicinal na sua constituição que, quando aplicado na

55 mesma reação assimétrica anteriormente ilustrada, permite obter o produto desejado com rendimentos de 99% e excessos enantioméricos também de 99%.198

Figura 1.19 - Estrutura química do catalisador desenvolvido por Dong e Du198 para a síntese assimétrica da varfarina.

Muitos outros exemplos de adições de Michael assimétricas com excelentes resultados se encontram disponíveis na literatura sob a forma de comunicações ou de artigos de revisão, seja com organocatalisadores derivados da prolina,199,200 do BINOL,191 de alcalóides de Cinchona,201 entre outras estruturas.202

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