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Aplicação da organocatálise em Química Medicinal e na indústria

Todo este crescendo de conhecimento e fenomenal leque de organocatalisadores desenvolvidos até ao momento, faz deste ramo da catálise assimétrica uma tecnologia de ponta que tem ganho muita importância na indústria farmacêutica. Contudo, o desenvolvimento de processos catalíticos viáveis à escala industrial não é de todo uma tarefa simples, pelo contrário, é uma tarefa árdua e que requer uma estreita colaboração entre diversas áreas, tratando-se assim de um grande desafio multidisciplinar.

Nos últimos anos, a aplicação industrial da organocatálise tem sido uma aposta real, em muito devido às várias vantagens já aqui referidas face à catálise organometálica e à dispendiosa biocatálise, pelo que imensos têm sido os esforços quer da indústria química e farmacêutica como também dos académicos no sentido de ultrapassar algumas barreiras associadas ao scale-up da organocatálise. Para tal têm sido abordadas diversas questões como seja a quantidade de catalisador aplicado no processo, a inibição do produto, a gama de substratos a utilizar ou ainda a disponibilidade de especialistas no projeto dos catalisadores.46 Atualmente estão a ser dados importantes passos do que podemos denominar a afirmação definitiva da organocatálise na indústria química e farmacêutica, no sentido a que o seu uso seja cada vez mais generalizado. A busca pelo “catalisador ideal” que forneça enantiosseletividades com 100% de excesso enantiomérico e com o qual se utilizem

45 reagentes e meios reacionais mais suaves (no que chamamos “química verde”), parece passar quase que “obrigatoriamente” pelo uso de organocatalisadores. E se há uns 20 anos se colocava a pergunta “Qual é a indústria química ou farmacêutica que utiliza organocatalisadores nos seus processos?”, hoje talvez se deva antes perguntar: “Qual é a indústria química ou farmacêutica que atualmente não utiliza organocatalisadores em pelo menos um dos seus processos?”

Seguidamente são apresentados alguns exemplos selecionados da literatura da aplicação industrial dos organocatalisadores em passos-chave de obtenção de moléculas com propriedades terapêuticas. Um dos exemplos em química medicinal está no uso de organocatalisadores na síntese de agentes antimaláricos. Por ser uma das mais importantes doenças dos países subdesenvolvidos, com 665.000 mortes e 216 milhões de pessoas infetadas anualmente, a malária é uma doença cujo foco científico é bastante acentuado no sentido da descoberta de novos, mais potentes e mais baratos fármacos. Atualmente, existe uma grande quantidade de fármacos conhecidos para o tratamento desta doença, no entanto, apenas um pequeno número são fármacos seguros. Os derivados de tetra- hidropiridinas (THP) são uma dessas famílias de compostos conhecidos por o seu potencial antimalárico. Recentemente, uma biblioteca de vinte e duas tetra-hidropiridinas foram sintetizadas numa reação sequencial one-pot (reação sequencial em apenas um vaso reacional), utilizando uma reação organocatalítica (L-prolina/TFA) e reagentes de partida pouco dispendiosos (Esquema 1.29): β-cetoésteres, aldeídos aromáticos e anilinas.168

Esquema 1.29 - Tetra-hidropiridinas sintetizadas e testadas pelo grupo de Tripathi168 como candidatos a agentes antimaláricos em 2009.

Esta biblioteca de compostos foi testada in vitro contra o parasita Plasmodium falciparum, cujos bons resultados permitiram estabelecer uma relação entre a estrutura e a sua atividade antimalárica. Os autores verificaram que de entre as várias modificações nos produtos, a inserção de um grupo metoxilo na posição para do arilo Ar1 levava a uma potenciação da atividade antimalárica destas moléculas, apresentando até 91% de inibição contra a estirpe P. falciparum 3D7.168 Um outro exemplo na síntese de moléculas com atividade antimalárica vem descrito na publicação de Brown e a respetiva equipa169 em 2011. Estes autores publicaram a síntese de uma biblioteca de noventa e seis guanidinas derivadas de dihidropirimidinonas, utilizando um passo organocatalítico chave para a síntese assimétrica destes compostos, reações onde usaram cinchonina ou cinchonidina (consoante a configuração absoluta final pretendida) e onde três dos compostos sintetizados apresentaram elevada atividade antimalárica.

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Um outro exemplo sobre a aplicação de organocatalisadores em química medicinal é o trabalho publicado por Wang e os respectivos colaboradores170 em 2011. Neste estudo, Wang170 demonstrou que organocatalisadores derivados de alcalóides de Cinchona, nomeadamente derivados da quinina, quando aplicados em reações assimétricas de adição aza-Mannich de 2-(etiltio)-tiazolonas a N-tosil iminas se comportam como catalisadores extremamente eficientes, fornecendo bons rendimentos, diastereosseletividades até 98:2 e enantiosseletividades até 99% de e.e. (Esquema 1.30).

Esquema 1.30 - Trabalho desenvolvido pelo grupo de Wang170 em 2011 para aplicação anticancerígena.

A importância desta aplicação reside no facto dos produtos provenientes destas adições mostrarem atividades anticancerígenas contra cinco linhas celulares cancerígenas distintas.

Em 2009, Koskinen e a sua equipa171 descreveram uma nova síntese enantiosseletiva do importante fármaco anticonvulsivo e antiepilético usado no tratamento da epilepsia e da dor neuropática, a Pregabalina, comercializada pela Pfizer com o nome comercial de Lyrica®. Nesta síntese, estes autores usaram uma tioureia derivada da quinidina 30 numa adição de Michael assimétrica do ácido de Meldrum 31 a uma nitro-olefina 32, naquele que é o passo-chave desta síntese, com bons rendimentos e com excesso enantiomérico de 75% (Esquema 1.31).171

Esquema 1.31 - Síntese enantiosselectiva da Pregabalina desenvolvida por Koskinen e o restante grupo.171

Também existem estudos com organocatalisadores para a síntese de compostos com atividade anti- VIH, estudos de entre os quais podemos destacar o recente artigo de Ma e sua equipa172 publicado este ano. Este grupo desenvolveu uma reação de Mannich descarboxilativa assimétrica entre β-

47 cetoácidos e cetiminas, na qual aplicaram uma aminotioureia derivada de monossacáridos como organocatalisador, o que permitiu alcançar rendimentos e enantiosseletividades verdadeiramente elevados, ambos de 99% (Esquema 1.32).172

Esquema 1.32 - Trabalho desenvolvido por Ma e o seu grupo172 em 2013 na síntese de intermediários para a obtenção de compostos com atividade anti-VIH.

Esta importante reação demonstrou tratar-se de um passo-chave essencial numa nova e eficiente síntese assimétrica do fármaco anti-VIH, o DPC 083172 (Figura 1.16).

Figura 1.16 - Estrutura química dos isómeros Z e E do DPC 083 e os respetivos resultados de síntese.

Muitas outras aplicações tanto na química medicinal como na indústria em geral, utilizando organocatalisadores em pelo menos uma fase do processo, estão disponíveis e descritas na literatura.68,134,173,174 Os organocatalisadores atualmente já se estendem à obtenção enantiosseletiva de, por exemplo, neuroprotetores, agentes antitumorais ou ainda antipiréticos. É conhecida a utilização destes catalisadores orgânicos na síntese total de fármacos bem conhecidos na comunidade química tais como o Oseltamivir175 (de nome comercial Tamiflu® e comercializado pela Roche), a Varfarina176 (anticoagulante), a Paroxetina177 (um antidepressivo), o Blacofeno178 (um relaxante muscular) e o Maraviroc179 (anti-viral).

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