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A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL) em 2012, tem por objeto a declaração da inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 do Código Civil. Alega a demandante que os dispositivos citados são utilizados para embasar as ações de proibição das biografias não autorizadas pelas pessoas retratadas nas obras. Ademais, pede que essas normas sejam interpretadas conforme a Constituição Federal, para que seja afastada a necessidade de autorização do biografado (ou de seus familiares, quando este já estiver morto) na publicação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais.

54 Raymundi, Ângela Ceni Ferri. Biografias: É permitido proibir? Disponível em: <http://ngrevista.com.br/biografias-e-permitido-proibir-edicao-de-dezembro-de-2013/>. Acesso em 14 ago 2014. 55 VIEIRA, Victor. CCJ aprova PL que permite biografias não autorizadas. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2013-abr-04/ccj-camara-aprova-projeto-lei-permite-biografias-nao-autorizadas>. Acesso em: 14 ago 2014.

Sustenta a Anel que à amplitude semântica conferida aos dispositivos do Código Civil não estão em consonância com o texto constitucional por estarem violando a liberdade de expressão e o direito à informação, direito fundamentais previstos expressamente na Carta Magna. Essa amplitude acaba gerando a proliferação de uma censura privada, a qual consiste na proibição das biografias não autorizadas por via judicial.

As pessoas que possuem uma trajetória pessoal, profissional, artística, esportiva ou política conhecidas pelo público possuem seus direitos à imagem e à vida privada restringidos pela sua maior exposição midiática. A biografia dessas pessoas muitas vezes confunde-se com a própria história coletiva, caracterizando-se assim o interesse coletivo pela sua história de vida. A imposição de autorização prévia as biografias dessas pessoas restringe o direito à informação dos cidadãos, assim como violam a liberdade de manifestação de pensamento56, da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação57.

No Brasil, por conta do art. 20 e 21 do Código Civil e sua respectiva interpretação extensiva pelo Judiciário, só pode haver a publicação de biografias autorizadas pelo biografado (ou familiares, quando for falecido), são as chamadas “biografias chapa-branca”. A ideia da prévia autorização é resguardar a vida privada da pessoa pública.

Aqui encontra-se uma disputa mercantil para conseguir autorização para publicar uma biografia de certa figura pública, a informação vira uma mercadoria, a editora ou produtora que pagar mais consegue a história. Tal fato acaba desestimulando os escritores ou historiadores, pois ficam vinculados as exigências do biografado ou de seu familiares, restringindo sua liberdade ao retratar a história.

Com a necessidade de prévia autorização para escrever uma biografia, acaba que sobre aquele biografado só pode haver uma obra, aquela que ele consentiu, contendo as informações que ele previamente permitiu que fossem divulgadas ao público. Esse fato gera certos problemas relacionados ao acesso à informação. Primeiro, a história é contada pela própria pessoa, podendo esta distorcer os fatos ou até mesmo escondê-los, assim a informação real não chega ao público, a informação será aquela imposta pelo protagonista da história, o que por óbvio já afasta a imparcialidade. Segundo, com uma só biografia afasta-se o pluralismo das informações, em certos países é comum haver várias biografias não autorizadas sobre uma mesma pessoa pública, a ideia é que com a pluralidade de informações o público possa ter acesso a elas com intuito de formar sua própria opinião sobre o tema.

56Constituição Federal, art. 5º, IV: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”

57Constituição Federal, art. 5º, XIV: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”

O ideal é que as biografias autorizadas continuem existindo ao lado das biografias não autorizadas. Não se quer que a pessoa de notoriedade pública não trate sobre a sua própria história. A questão é que deve ser ampliado o leque de informações transmitidas ao público, pois é natural que o biografado se atenha aos seus momentos de glória, só divulgando o que for positivo a sua imagem. A biografia não autorizada pode tratar da vida do biografado de forma mais imparcial, em uma busca mais próxima da verdade, do que aconteceu na realidade, ou seja, aproxima-se da ideia contida no direito à informação, que consiste no direito de informar e ser informado da verdade.

O fato de não precisar de autorização prévia para publicação de biografias não afasta a responsabilidade do autor por dolo no abuso à liberdade de expressão, como no caso de informação falsa ou que cause danos à honra do biografado. Quando o abuso ocorre o autor é responsabilizado civilmente, assim como pode ser responsabilizado penalmente por calúnia, difamação ou injúria.

Afirma a ANEL que não resta caracterizado o dever de indenizar quando as informações divulgadas forem verdadeiras, mesmo que mostrem uma imagem negativa do biografado ou que tenham um tom jocoso. Também não enseja indenização quando o autor narrar fatos controvertidos de forma diferente da posição defendida pela biografado, até porque o direito à informação abarca a busca pela verdade, não é porque o biografado diz que algo aconteceu de certa forma que o autor deve se limitar a essa informação, é necessária a busca de diversas fontes para se aproximar ao máximo da verdade. Assim, nesses casos pode haver dano à imagem e à honra do biografado sem a responsabilidade de indenizar do autor, porque não resta caracterizado o ato ilícito, já que ele está atuando dentro dos limites do direito à informação e da liberdade de expressão.

Outra questão suscitada na ADI é sobre as pessoas que são coadjuvantes na biografia de pessoas conhecidas do público, precisando ser citadas (mesmo que rapidamente) para retratar os acontecimentos. Entende-se que não seria razoável precisar de autorização prévia para incluir essas pessoas na história, porque elas também estão envolvidas nos acontecimentos relevantes para o interesse público, até porque não faria sentido retratar a vida de uma pessoa sem falar das pessoas que a cercam.

No fim de 2013, a Ministra Cármen Lúcia realizou audiência pública para ouvir entidades envolvidas nas discussões sobre o tema, enfatizando que estavam “lutando pela

liberdade e a liberdade é sempre plural” e informou que as opiniões expostas seriam levadas em consideração para o julgamento da ADI 481558.

Em fevereiro de 2014, foi aceito o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para ingressar na Ação Direta de Inconstitucionalidade como amicus curiae, a entidade defende a publicação das biografias não autorizadas. A OAB alegou na petição que "não se pode proteger preventivamente a coletividade do livre acesso a determinados conteúdos e informações, por se acreditar que estas podem, em tese, ser potencialmente danosas ou ofensivas".59

Além da OAB, há mais quatro entidades interessadas na ADI 4815, a favor da publicação de biografias não autorizadas está o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a ONG Artigo 19 e a Academia Brasileira de Letra. Já a Associação Eduardo Banks está como interessada em favor da manutenção da norma atual.

Por envolver pessoas públicas, as discussões sobre o tema acabam sendo amplamente divulgadas pela mídia, muitas personalidade conhecidas lutam contra a liberação de biografias sem autorização prévia, afirmando que estaria sendo violada à vida privada dos biografados. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre as biografias não autorizadas deve ser realizado em breve.

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