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Administração Escolar ou Gestão Escolar: uma mudança de concepção de escola

No documento Gestão escolar : desafios dos novos tempos (páginas 30-33)

Os princípios democráticos que o artigo 206 da Constituição assegura ao ensino público, estão consubstanciados na LDB que propõe a descentralização do processo de decisão e execução das unidades escolares, que deverão organizar-se administrativamente considerando a constituição de conselhos escolares, a obrigatoriedade de prestação e divulgação de contas e a elaboração de um planejamento anual da escola de forma participativa, em um enfoque que contrapõe-se a toda uma visão conservadora de educação, baseada no centralismo das decisões.

É a instauração de uma época de mudanças significativas e, por isso, mesmo, um período de novos posicionamentos e posturas diante do desenvolvimento de práticas mais democráticas, da descentralização, do fim do conservadorismo e do imobilismo que assolou o país na década

anterior. Urge, nesse momento, em toda a sociedade a adoção de concepções e práticas interativas e democráticas.

No entanto, a legislação se revelou muito genérica quanto às formas de implementar a democratização da educação e à condução de práticas que consolidassem a construção do conhecimento, a aprendizagem e a formação dos educandos conforme o preceituado, deixando aberto um caminho sujeito a múltiplos significados e interpretações.

Lück44 é uma das autoras que busca clarear a importância de se analisar as questões fundamentais e os novos desafios que se impõem à gestão escolar e dirige, nesse momento, sua atenção, especialmente para a superação da administração escolar e o reconhecimento da gestão escolar, refletindo como a dinâmica desse movimento altera profundamente o sentido e a concepção de escola, educação e relação escola/sociedade, quebrando as limitações do modelo estático de escola e da maneira de organizar o trabalho dentro da mesma.

Para a autora,

(...) o conceito de gestão escolar, que ultrapassa o de administração escolar, por abranger uma série de concepções não abarcadas por este outro, podendo citar a democratização do processo de construção social da escola e realização de seu trabalho, mediante a organização de seu projeto político-pedagógico, o compartilhamento do poder realizado pela tomada de decisões de forma coletiva, a compreensão da questão dinâmica e conflitiva e contraditória das relações interpessoais da organização, o entendimento dessa organização como uma entidade viva e dinâmica, demandando uma atuação especial de liderança e articulação, a compreensão de que a mudança de processos educacionais envolve mudanças nas relações sociais praticadas na escola e nos sistemas de ensino45.

A escola ao se movimentar da administração escolar para a gestão escolar, de acordo com a autora, deixa de somente garantir a formação competente para que os alunos se tornem cidadãos participativos da sociedade para oferecer a esses educandos oportunidade para que possam aprender para compreender a vida, a sociedade e a si mesmos e passa a ser vista não como uma entidade autoritária e paternalista de responsabilidade do governo, mas como uma organização viva caracterizada por uma rede de relações de todos que nela atuam ou interferem.

As relações deixam de ser hierarquizadas, com uma comunidade escolar subordinada a um diretor cumpridor das emanações estabelecidas pelos órgãos centrais, cujo papel centrado na autoridade é controlar, supervisionar e gerenciar o fazer escolar normatizado pelo sistema de

44 LÜCK, H. Perspectivas da gestão escolar e implicações quanto à formação de seus gestores, 2000. 45 Id., Ibid., p. 16.

ensino. Na gestão escolar equipe pedagógica, pais, alunos, funcionários e comunidade em geral buscam integrar-se em um projeto e ambiente construídos na interação do fazer e agir de cada membro da escola e da identidade da própria escola na comunidade. Para isso, o diretor mobiliza e articula transformações das práticas e organização escolar e nas relações de poder, sendo este último compartilhado de modo que todo o processo decisório no âmbito da escola possa acontecer de forma coletiva.

As tensões, os conflitos e as contradições não se dissipam nessa mudança, apenas têm outro tratamento. Se na administração escolar a tendência era eliminá-los ou mascará-los, no processo de gestão são vistos como condições e oportunidades para a transformação e para o exercício de escutar, discutir, estimular um ambiente participativo e se chegar ao consenso.

Assim, para superar a própria burocratização da administração escolar, a partir das políticas educacionais dos anos 90, o termo administração, mais tradicional, cai em desuso, dando lugar ao termo gestão, mais abrangente. Essa substituição seria resultante de uma maior exigência de participação dos educadores e dos usuários da escola na “gestão democrática”, levando à interpenetração das dimensões pedagógica e política na questão administrativa.

De acordo com Lück46, não se trata da simples troca de um termo pelo outro, porém da proposição de um novo conceito de organização educacional que abrange a dinâmica do trabalho da escola como prática social. Não que a gestão deprecie a administração, mas ela a supera, pois abrange uma série de concepções que esta última não abarca, tais como a democratização da tomada de decisões, a elaboração coletiva do projeto pedagógico, a compreensão do aspecto dinâmico e conflitivo das relações interpessoais, o entendimento de que a escola é uma unidade social que exige a atuação da liderança no sentido de coordenar o esforço simultâneo dos sujeitos envolvidos na busca dos objetivos traçados conjuntamente.

No exercício da gestão as decisões são coletivas, fato que exige a participatividade de todos os envolvidos com escola e que permite à sociedade sentir que a escola não é de responsabilidade somente dos governos e autoridades, o que impele a sociedade a deixar de ser indiferente ao que lhe acontece e dispor-se a contribuir para que os princípios da competência e qualidade efetivem-se na escola pública.

Segundo a autora, a dinâmica desse movimento promove um diferencial enorme na efetivação de conceitos como descentralização, democratização e autonomia da escola não

46 LÜCK, H. H. A Evolução da Gestão Educacional, a partir de Mudança Paradigmática, 2001.

apenas importantes, mas imprescindíveis para se concretizar a reconstrução da escola para os novos tempos. Na gestão, o administrativo e pedagógico se conectam e estabelecem uma prática educativa capaz de intervir criativa e criticamente na formação dos sujeitos, que só pode acontecer no exercício de práticas democráticas e emancipatórias, geradoras da ação gestora menos arbitrária e fundamentada em uma racionalidade capaz de romper com a unilateralidade da tecnocracia.

No documento Gestão escolar : desafios dos novos tempos (páginas 30-33)