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administração e poder nas Minas Gerais do Antigo Regime Nos próximos capítulos passaremos a discutir a questão do exercício do poder

metropolitano na região das Minas Gerais da América portuguesa. Consideraremos, para isso, a sua inserção dentro do contexto acima discutido, ou seja, do estudo da dinâmica política de Antigo Regime e suas dimensões coloniais. Tal intento norteará todo o presente trabalho a partir de agora.

A primeira vista, o caráter político-administrativo da capitania nos salta aos olhos a partir de uma conjuntura de centralização e imposição do poder real. Todo esse esforço estaria pautado na tentativa de se impor um controle mais efetivo da extração aurífera e do movimento humano que desde cedo ali se observou. Para a coroa, grosso modo, o importante era manter o domínio sobre uma região quase perdida nos sertões da América portuguesa e tão importante para a conjuntura econômica do império.

Por outro lado, a ineficiência da coroa em implementar esse controle no início do povoamento e a dinâmica desse movimento humano favoreceria alguns potentados locais e conquistadores das minas de ouro. Esses homens, ligados a terra e há muito acostumados com a instabilidade das fronteiras sertanejas, exerceriam, a partir de então, importante papel dentro do contexto imperial português. A tentativa constante, desde os primeiros anos, de se estabelecer a ordem numa região tão remota se apresentou quase sempre como um desafio a ser superado pelos agentes régios que para ali se deslocaram ao longo do século XVIII. Restaria para a coroa a negociação.

No entanto, se a leitura desses capítulos da história da região mineradora for feita a partir de um contexto centralizador e absolutista, sua interpretação nos conduzirá a uma dualidade ordem-desordem. O caos que havia se instalado nas Minas contrastaria, nesse caso, com o rigor administrativo imposto pela monarquia aos seus domínios coloniais. Ali germinaria uma população rebelde e constantemente insatisfeita com o julgo metropolitano.

Destarte, as peculiaridades da administração do ouro das Gerais se tornam mais amenas se considerarmos seu estudo dentro da dinâmica das práticas políticas da época. Como ocorreu nas diversas partes do império, ali se estruturou uma governação que necessitava da cooptação do poder local e de diversas estratégias que facilitaram a manutenção do domínio. Por outro lado, a distância do centro referencial do poder, a monarquia, proporcionava àqueles homens legitimidade para agir em prol do bom

56 governo. Tais relações, legitimas dentro da dinâmica política da época, concediam vozes às múltiplas representações de poder e geravam um ambiente de conflito constante, sem necessariamente caracterizar deformações no universo politico- administrativo da época.

Propomos desde já um estudo dessa governança para as Minas (com foco na atuação da justiça na comarca do Sabará), a partir da documentação que o reino, os oficiais régios, bem como os representantes do poder local, produziram ao longo do exercício de seus cargos em nome do bem público. Os conflitos por jurisdição retratavam, na medida em que podemos identificá-los nos documentos, o quanto eram complexas e híbridas as fronteiras que demarcavam as relações de poder. Ao mesmo tempo, tal dinâmica era salutar para a boa administração do império e garantia a sua vitalidade.

Para começar, vejamos de que forma as relações de poder estiveram presentes na abordagem de alguns contemporâneos que já relatavam o quão o descobrimento do ouro e os aglomerados humanos que ali se formaram divergiam da visão de sociedade então concebida. Por isso mesmo, ao longo do século XVIII relatos e memórias tenderiam à abordagem do dualismo ordem-desordem. Essa tendência influenciaria várias gerações de memorialistas, viajantes e, mais recentemente, historiadores, que se debruçaram sobre o discurso dessas testemunhas oculares da complexa sociedade que emergira no entorno da extração aurífera. Essas seriam uma das vias de acesso de uma tradição historiográfica que, como apontamos na discussão que introduz esse trabalho, se apresentou, durante muito tempo, como uma solução interpretativa plausível para o estudo das minas setecentistas.

As minas setecentistas por seus contemporâneos

Em 1711 vinha à luz a obra de André João Antonil, Cultura e Opulência do

Brasil por suas Drogas e Minas. Por de trás do pseudônimo, o jesuíta João Antônio

Andreoni oferecia ao mundo moderno “um autêntico tratado de economia agrícola”.107

A conjuntura européia era deveras delicada. Portugal havia sido invadido em 1704 por tropas franco-espanholas por conta da Guerra de Sucessão da Espanha e algumas praças importantes ainda tinham sido totalmente recuperadas. Na América portuguesa a situação inspirava alerta. No sul, a presença ameaçadora dos espanhóis no

107

SILVA, Andrée Mansuy Diniz. Introdução. In: ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por sua Drogas e Minas. São Paulo: EdUSP, 2007. P. 33.

57 estuário do Rio da Prata e seu domínio sobre a Colônia do Sacramento constituíam-se em ameaça constante. No norte, as fronteiras indefinidas entre o Amazonas e a Guiana Francesa eram também causa para a instabilidade militar que pairava sobre a colônia.108 O Rio de Janeiro, então em ascensão estratégica no tabuleiro colonial, sofria com a insegurança e os perigos que poderiam vir do mar. O medo fazia parte do cotidiano dos vassalos fluminenses, medo este que se tornaria mais pungente quando, num período de um ano, entre 1710 e 1711, a cidade fora invadida duas vezes pelos franceses.109

Nesse sentido, a época da publicação da obra de Antonil fora marcada por uma instabilidade política que favorecia as preocupações das autoridades portuguesas com a segurança de seus portos e fronteiras.

A obra estava dividida em quatro partes desiguais, posto que a dedicada ao engenho de açúcar apresentasse, em sua confecção, muito mais esmero e dedicação do autor.110 Isso expressava a intimidade que o jesuíta possuía com os engenhos de açúcar do nordeste da colônia. Entre o final do século XVII e início do XVIII, Andreoni esteve desempenhando importantes cargos na região, sendo inclusive secretário do Padre Vieira. Também foi Visitador em Pernambuco, professor e reitor do Colégio da Bahia, aonde viera a falecer em 1716.111

Para Antonil, a verdadeira riqueza do Brasil era o açúcar. O apreço e satisfação com que escreve sobre o cultivo, bem como sobre a importância da figura do senhor de engenho para a sociedade colonial deixa transparecer sua simpatia pelo cultivo da cana. Mais ainda, traduz reflexos do período em que esteve na América portuguesa: o jesuíta começara a escrever sua obra “na altura em que teve a oportunidade de passar uma temporada no engenho de Sergipe do Conde”. Em sua opinião, este era “um dos mais afamados [engenhos] que há no Recôncavo à beira-mar da Bahia.”112

Segundo nosso autor, a sociedade açucareira era, em tudo, modelo de prosperidade para o reino e suas colônias. A autoridade atribuída em sua obra à figura

108 Idem. P. 56.

109 BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o império o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

110 São elas: primeira parte: Cultura e opulência do Brasil na lavra do açúcar. Engenho real moente e corrente, Livros I, II e III; segunda parte: Cultura e opulência do Brasil na lavra do tabaco; terceira parte Cultura e opulência do Brasil pelas minas do ouro e quarta parte: cultura e opulência do Brasil pela abundância do gado e courama e outros contratos reais que se arrematam nesta conquista. Ver ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por sua Drogas e Minas. São Paulo: EdUSP, 2007.Edição crítica de Andrée Mansuy Diniz.

111 SILVA, Andrée Mansuy Diniz. Introdução. In: ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por sua Drogas e Minas. Op. Cit.

58 do senhor de engenho retrata muito bem a visão que possuía sobre a sociedade colonial que pretendeu esboçar: “bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho quanto proporcionalmente se estimam os títulos entre fidalgos do Reino.” As peculiaridades da sociedade e Antigo Regime nos trópicos já estavam, portanto, visíveis para ele.113

Já sob a mineração André Antonil não lançaria um olhar tão otimista. Assunto que constitui a terceira parte de seu tratado, sua preocupação foi justamente apontar os prejuízos que a descoberta das minas teria causado para o Brasil. Segundo Andrée Mansuy, o jesuíta nunca estivera nos sertões mineiros. As informações que estão contidas em seus escritos foram baseadas em conversas com pessoas que passaram por lá e que estiveram envolvidas com a administração das minas. Para o capítulo XV, sobre as “notícias para se conhecerem as minas de prata”, a autora propõe “que foram traduzidos do castelhano, como o evidenciam o estilo e vocabulário, cheios de hispanismos.”114

Na verdade, a questão relativa à existência de minas de prata nos sertões da América portuguesa é objeto de controvérsia. Para Antonil, não existia dúvidas acerca disso:

“Que haja também Minas de prata não se duvida, porque na serra das Colunas, quarenta léguas além da vila de Outu, que é uma das de São Paulo ao leste direito, há certamente muita prata, e fina. Na serra de sabarabuçu, também a há. Da serra de Guarumê defronte do Ceará, tiraram os holandeses quantidade dela do tempo em que estavam de posse de Pernambuco. E na serra de Itabaiana, há tradição que achou prata o avô do capitão Belchior da Fonseca Dória. E em busca de outra foi além do rio de São Francisco Lopo de Albuquerque, que faleceu nesta sua malograda empresa.”115

Andrée Mansuy é um tanto prudente no assunto. Afirma que em 1682 o príncipe regente D. Pedro encarregara um espanhol, D. Rodrigo de Castel-Blanco, de localizar as minas de prata da Serra de Sabarabuçu, próxima à nascente do rio São Francisco. Porém, nada fora confirmado. Com relação à exploração de minas de prata pelos holandeses, afirma que foi por volta de 1654 que, conduzidos por Matias Beck, “descobriram minas de prata nas serras de Maranguape e de Taquara.116

No entanto, algumas pesquisas recentes afirmam que Matias Beck falhara em sua tentativa de localizar prata no Ceará. Isso poderia estar ligado ao fato de que ali não existia prata:

113 ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por sua Drogas e Minas. Op. Cit.. P. 79. 114114

SILVA, Andrée Mansuy Diniz. Introdução. In: ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por sua Drogas e Minas. Op. Cit. P. 40.

115 ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por sua Drogas e Minas. Op. Cit. P. 215. 116

SILVA, Andrée Mansuy Diniz. Introdução. In: ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por sua Drogas e Minas. Op. Cit. P. Notas a página 215.

59 “mesmo assim adaptou-se muito bem às circunstâncias à sua volta, criando uma infra- estrutura propícia à mineração e ao mesmo tempo, um posto colonial avançado.”117 De qualquer forma, o capítulo que Antonil dedica à prata parece ser contextualizado a partir do caso da América espanhola.

No mais, toda a dissertação de Antonil relativa às minas fora constituída tendo como referência a sociedade do açúcar e, por isso mesmo, a mineração transfigurava para o jesuíta a perversão daqueles preceitos.

Segundo nosso autor, “a terra que dá ouro” era estéril “de tudo o que se há mister para a vida humana, e não menos estéril a maior parte dos caminhos das Minas.” Assim, a abundância de ouro logo fez com que a carestia se tornasse comum naquela região:

“e logo começaram os mercadores a mandar às Minas o melhor que chega nos navios do Reino e de outras partes, assim de mantimentos como de regalo e de pomposo para se vestirem, além de mil bugiarias de França que lá também foram dar.”118

Ainda segundo Antonil, “a maior parte deste ouro se gasta em comer e beber” e isso dava “aos vendedores grande lucro.” Os caminhos para as Minas estavam repletos de “negras cozinheiras, mulatas doceiras e crioulos taverneiros ocupados nesta rendosíssima lavra”, colocados ali por “homens de maior cabedal” que buscavam o lucro sobre essa “mina à flor da pele.” Para o jesuíta, tal emaranhado estava associado aos pecados terrenos, posto que era justamente devido a todo esse lucro que aquela gente mandava “vir dos portos do mar tudo o que a gula costumava apetecer e buscar.119

A circulação do metal precioso havia provocado naquela gente o desejo de viver faustosamente. Não obstante, o abastecimento não só de alimento, mas, sobretudo, de objetos de luxo e “regalo” provocaria um incremento do mercado interno mineiro. Nesse sentido, Antonil sinalizava a importância de se manter “Casas da Moeda e dos Quintos na Bahia e no Rio de Janeiro”, pois assim “teria Sua Majestade muito maior lucro.” Para o jesuíta, seria necessário que a coroa mantivesse “sempre dinheiro pronto para comprar o ouro que os mineiros trazem e folgam de o vender sem detença.”120

117

Ver, principalmente XAVIER, Lucia F. Werneck. A experiência colonial neerlandesa no Brasil (1630-1654). In: ANAIS DO II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL. Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394. Disponível em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais

118 ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por sua Drogas e Minas. Op. Cit. P 234 119

Idem. P. 243. 120 Idem. P. 231.

60 Fornecia, desse modo, subsídios possíveis para se frear o descontrole do movimento humano e econômico daquela região e, ainda, de se aumentar a arrecadação da metrópole.

Sobre esse assunto, a historiadora Júnia Furtado já mostrara a grande importância que o comércio adquiriu para a sociedade mineira. O gosto pelo luxo e a idéia de abundância que o ouro favorecia ajudou a incrementar a dinâmica mercantil naquela região até então inóspita. Desde o início a coroa se utilizou do comércio “para estender seu poder ao sertão mais distante.” Para tal, se valia da movimentação desses homens de negócio como forma de ocupação do interior. A corrida do ouro proporcionou uma euforia que incentivou, pelo menos no início, o abandono do cultivo da terra. A idéia de que naquela região a terra era infértil, associada a essa euforia, favoreceu o incremento do comércio para subsidiar a rápida urbanização que então se processou.121

Antonil também tratara “da obrigação de pagar a El-Rei nosso senhor a quinta parte do ouro que se tira das minas do Brasil.” Talvez esta seja, para os limites de nossas análises, a parte que mereça maior atenção. Para tal, o jesuíta apresentava “dois modos” para se tratar o dever dos vassalos. A primeira forma estaria vinculada “ao foro externo” e explicitada nas “Leis e Ordenações do Reino” e a segunda, inscrita da consciência humana, constituía em obrigação para todos os súditos e vassalos.122

Portanto, como se vê, a obrigação de se prestar contas ao monarca já estava previsto no estado de natureza do homem e a ultrapassava, figurando também no ambiente das leis positivas. E, sob um olhar mais atento, podemos identificar aí traços da filosofia neoescolástica. Ao propor uma discussão acerca do conceito de sociedade política, os neotomistas conceberam um universo pautado numa hierarquia de leis. Nesse sentido, a dinâmica dessa sociedade política era regida, em primeiro lugar, pela vontade divina, seguida pela lei da natureza e depois pelas leis humanas e positivas, estas arquitetadas por cada “república”. Dentro dessa razão, estas últimas seriam um

121 FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio a interiorização da metrópole e do comércio nas minas setecentistas. 2ª edição. São Paulo: Hucitec, 2006. P. 46. Tais aspectos da sociedade mineira foram abordados também por Marco Antônio Silveira. Em sua obra, O Universo do Indistinto, com bases em uma série de reflexões de memorialistas mineiros, contempla a associação entre a emergência do comércio e a desagregação da ordem colonial instituída pela coroa. Esse contexto favoreceria nas Minas, segundo o autor, a formação de uma sociedade afetada e indistinta, que fugia dos moldes das sociedades de Antigo Regime européias ao mesmo tempo em que pretendia imitá-la. SILVEIRA, Marco Antônio. O Universo do Indistinto Estado e Sociedade nas Minas Setecentistas (1735-1808). Op. Cit.

61 reflexo das leis naturais e, mais intimamente, de “uma lei superior que todo homem já conhece em sua consciência.”123

Em última instância, a consciência do dever do pagamento dos quintos reais emanava, segundo nosso jesuíta, da lei divina inata ao ser humano e estaria acima inclusive das leis positivas. Para afirmar isso cita outro jesuíta neotomista:

“o Padre Francisco Suarez, examinando mais profundamente (como costuma) este ponto no 5 Livro De Legibus, (...), resolve que as imposições e pensões que se pagam aos reis e príncipes por coisas suas imóveis e frutos delas, são tributos reais e naturais, fundados em justiça. (...) e que por isso as leis que mandam pagar estas pensões ou tributos, (...), sem dúvida não se pode chamar, nem são puramente penais, mas dispositivas e morais”124

A obrigação, por consciência, do pagamento dos tributos seria, portanto, inerente à moral humana e transcendia às obrigações legais: era também de foro íntimo. No entanto, ainda segundo o padre jesuíta, os contratos reais deviam à justiça comutativa, “que traz consigo esta intrínseca obrigação se não houver pacto em contrário.” Para tecer essa afirmação tivera como base a filosofia de Suarez, para quem “nenhuma pessoa tem jurisdição política sobre outra” e a associação política é estabelecida através de um pacto, onde a noção de interdependência política estaria subentendido.125

Outra referência contida na obra era relativa ao patrimônio real. Para os limites políticos do Antigo Regime, o monarca possuía como “missão” zelar “pelo bem de seus súditos” e assim garantir o equilíbrio da sociedade.126

Isso implicava inclusive zelar

123

. Antonil ainda cita uma série de juristas e teólogos que poderiam vir a corroborar a sua tese. Entre estes está o Padre Molina, filósofo neotomista, jesuíta espanhol e professor da Universidade de Évora: “foi com bases nas aulas que ali ministrou entre os anos de 1577 e 1582 que Molina compilou seus Seis livros sobre a justiça e a lei, editados pela primeira vez entre 1593 e 1600.” SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. Op. Cit. 416 e 426.

124 ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por sua Drogas e Minas. Op. Cit. P. 251. Suarez, espanhol, iniciou seus estudos em Salamanca e, como citado anteriormente nesse trabalho, lecionou em Évora. É responsável, ao lado de Molina, por algumas das discussões mais célebres acerca do poder dentro da filosofia neotomista seiscentista. SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. Op. Cit. P. 416.

125 “É verdade que [os] teóricos [neotomistas] raramente empregavam a fórmula consagrada do „contrato social‟ para analisar a formação do Estado (...). Entretanto não há dúvida de que esses autores possuem o conceito de estado de natureza mesmo quando não possuem o termo, e de que já reconhecem o valor heurístico de empregá-lo como um expediente para elucidar a relação entre as leis positivas e os teoremas da justiça natural. SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. Op. Cit. P. 432. 126

MAGALHÃES, Joaquim Romero. As estruturas políticas de unificação. In: História de Portugal. MATTOSO, José (dir.). Quarto Volume, O Antigo Regime (1620-1807). Op. Cit. 62.

62 pelo bem público e Antonil também faz alusão a tal fator: o quinto, “não menos que outro qualquer justo tributo, deveria ser “ordenado para bem da República.”127

“Não há coisa tão boa que não possa ser ocasião de muitos males, por culpa de quem não usa bem dela. E até nas sagradas se cometem os maiores sacrilégios.” Desse modo, Antonil inicia a parte final de seu tratado dedicado às minas. Para explicar a sua afirmação, a respeito dos danos que as minas de ouro causaram à América portuguesa, se cerca de argumentos sobre a “insaciável cobiça dos homens”. Já havia notado, talvez por meio dos relatos que recolhera, a ação perniciosa dos homens “de cabedal”, que enriqueceram com a mineração e a partir dali assistiram ao crescimento de seu poder naquelas terras inóspitas. 128

Adriana Romeiro traçou uma análise detalhada dessas características já observadas por Antonil no início do século XVIII. Ancorada em vasta documentação, aponta de que forma a tendência facínora do povo do planalto fora discutida ao longo do tempo e assumiu o discurso do caos. Tais interpretações fizeram vicejar a idéia de que, no início do povoamento da região, “a imagem de um estado de natureza quase infernal” caracterizaria o cotidiano da região. Segundo a historiadora, “a vida política nas Minas” constituía-se “observatório privilegiado para o estudo da natureza e modos