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O Centro-sul da América portuguesa e os reflexos da política pombalina

A América portuguesa no contexto pós-terremoto

Em 1757 a coroa determinou por carta ao vice-rei do Brasil, que todas as câmaras da América portuguesa celebrassem “o patrocínio de Nossa Senhora com jejum em ação de graça a soberana rainha dos anjos.”528

O temor causado pelo terremoto havia inspirado a busca pela ajuda divina por todo império. A intenção era a comoção dos súditos, reinóis ou não, numa tentativa em se considerar todos responsáveis pela reconstrução do que ficou destruído.

E, de fato, assim a coroa agiria. Boa parte do ônus da reconstrução da cidade de Lisboa seria transferida diretamente para os fiéis vassalos. Já em dezembro de 1755, imediatamente após o terremoto, a coroa ordenava à Câmara da Bahia que fossem organizados “meios de ajuda e arrecadação de recursos” para a reconstrução de Lisboa. A medida causou insatisfação nos moradores da Bahia: a Câmara enviara uma solicitação de “redução da cobrança das fintas” que deveriam ser enviada ao reino como parte da ajuda ordenada pelo monarca. Considerando a instabilidade político- administrativa da corte, não houve resposta à solicitação da Câmara e ainda houve a “organização de uma junta de recebimento dos donativos destinados à reconstrução de Lisboa.529

Em 1759 perturbações contra os impostos para a reconstrução de Lisboa levaram alguns moradores à prisão na Bahia, sendo logo depois liberados. Os insultos vieram em forma de “papéis sediciosos contra o donativo para a reconstrução de Lisboa.”530

Tal incidente refletia muito bem a situação formada com a pressão da coroa para a ajuda aos estragos do terremoto. A idéia de que os súditos tinham o dever de colaborar com a reconstrução da capital do império não cairia muito bem.

528 AHU/Bahia, cx. 126, doc. 9865. Apud: GOUVÊA, Maria de Fátima. O impacto do terramoto de Lisboa na governação da América portuguesa. Op. Cit. P. 249.

529 Carta Régia den16 de dezembro de 1755, AHU/Bahia, cx 126, doc. 9865; Representação dos moradores da Bahia enviada ao rei, 20 de novembro de 1756, AHU/BA, cx 129, doc. 10099 e Ofício do vice-rei Marco de Noronha a Tomé Joaquim da Costa Corte Real de 14 de setembro de 1757, AHU/BA, cx. 132, doc. 10335. Apud: GOUVÊA. Maria de Fátima. O impacto do terramoto de Lisboa na

governação da América portuguesa. Op. Cit. 249. 530

AHU/BA, cx. 133, doc. 10357. Apud: GOUVÊA, Maria de Fátima. O impacto do terramoto de Lisboa na governação da América portuguesa. Op. Cit. P. 249.

200 Tais cobranças perduraram por longos anos. Na Bahia, é ainda Fátima Gouvêa que nos relata que muitos foram os reclamos pelo fim do referido imposto. Em 1799, às portas do século XIX, Fernando José Portugal, capitão geral da Capitania da Bahia, reclamava à rainha o fim da cobrança para a ajuda da reconstrução de Lisboa.531 Poucos anos depois, eram os “Juízes e Oficiais da Câmara, Nobreza e Povo da Comarca de Sergipe d‟Elrei” que representavam ao monarca solicitando o fim do longo subsídio. Nesse caso, o documento cita a ajuda para “a reconstrução do Real Palácio da Ajuda e da cidade de Lisboa, depois dos estragos do terremoto de 1755.”532

Como se pode notar, a contribuição dos súditos adentrariam o século seguinte...

A situação na Capitania do Rio de Janeiro era bem parecida. Ao longo do século XVII e início do século XVIII a referida capitania vinha adquirindo importância frente ao contexto imperial. Embora assumindo papel secundário na produção de cana de açúcar, sua posição de entreposto para as conexões negreiras da África e para “as possessões espanholas do estuário da Prata” lhe conferiram autoridade nas relações comerciais no centro-sul a partir do seiscentos e, principalmente após a criação da Colônia do Sacramento. Sobre esse assunto, Antônio Carlos Jucá nos informa que “o principal elemento de ligação” entre o Rio de Janeiro e “a região do rio da Prata (...) era o tráfico de escravos”. Essa relação abriria espaço para o protagonismo lusitano “no fornecimento de escravos para a América espanhola (...): consequência direta desse fato foi o estabelecimento de uma carreira marítima direta entre Buenos Aires e Rio de Janeiro”.533

Além da importância portuária inquestionável, “uma outra força centrifuga (...) atrairia o Rio de Janeiro para longe do mar, em direção ao sertão, sem no entanto ferir seu estatuto de praça comercial e marítima.” A descoberta das primeiras jazidas de ouro nas montanhas paulistas e, depois mineiras, conferiram ao Rio de Janeiro uma valiosa posição no mosaico que representava o império português. O foco administrativo, fiscal, comercial e militar para ali se deslocaria, alargando, desse modo, os raios de ação das rotas atlânticas, orientais e, inclusive, dos caminhos em direção ao pacífico. Citando mais uma vez Carlos Jucá, ainda que seja em outro trabalho, “ao longo da primeira

531 AHU/BA, cx. 133, doc. 10357. Apud: GOUVÊA, Maria de Fátima. O impacto do terramoto de Lisboa na governação da América portuguesa. Op. Cit. P. 249.

532 Anais da BNRJ, vol. 37, ano 1915. 533

BICALHO, Maria Fernanda Baptista. A cidade do rio de Janeiro e a Articulação da Região em torno do Atlântico-Sul: Séculos VXII e XVIII. In: Revista de História Regional, vol. 3, nº 2, Inverno 1998. Disponível em http://www.rhr.uepg.br/v3n2/fernanda.htm (acessado em 06/03/2010) e JUCÁ, Antônio Carlos. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas no Rio de Janeiro (c.1650-c.1750) Op. Cit. P. 65.

201 metade do século XVIII” as relações mercantis na praça carioca ultrapassaria as de Salvador, tornando-a “a principal da América portuguesa”. Tal fato estava intimamente ligado às descobertas das minas de ouro no interior colonial e do papel de principal abastecedor dos arraiais mineiros, ressaltando a importância não só do “metal amarelo em si”, mas inclusive da formação de um “mercado consumidor” que passava a interligar as duas regiões.534

O contexto internacional, desenhado não só pelo terremoto, mas também pelo estado de guerra na Europa colaborou para que, em 1763, a capitania se tornasse capital colonial. Antes disso, em 1751, a capitania ganhava a instalação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, peça importante das transformações que vinham redefinindo o papel do Rio de Janeiro, bem como de toda região centro-sul, frente ao contexto imperial.535 Sobre o Tribunal falaremos mais a frente.

Maria Fernanda Bicalho nos revela o quanto foi peculiar a posição tomada por de Gomes Freire de Andrade quando lhe é ordenado que fosse para a Bahia assumir o cargo de governador daquela capitania em 1761. Por ainda não haver chegado o governador nomeado para as Minas, Luis Diogo Lobo da Silva, Gomes Freire receava abandonar a região “sem cabeça”, temendo desordens, já que considerava a região “manancial de que pende e se fortifica a conservação do reino e das conquistas.” E ainda, já nos revelava a posição que o Rio de Janeiro havia adquirido, alegando que a capitania era

“Empório do Brasil, pois tem este porto as circunstâncias de uma posição e defensa fortíssima e de uma barra incomparável. As principais forças militares que há no Brasil nele se acham; aqui entram, saem e se manejam milhões (...) e a parte mais própria para dar socorros ao Norte ou ao Sul é sem questão esse porto. (...) este Governo é a mais importante Jóia deste grande Tesouro. Aqui correm e correrão ao diante os mais importantes negócios, tanto da Coroa, como dos Vassalos; e assim se deve contar como antemural destas Províncias, de onde se podem socorrer e animar as outras.”536

534 BICALHO, Maria Fernanda Baptista. A cidade do rio de Janeiro e a Articulação da Região em torno do Atlântico-Sul: Séculos VXII e XVIII. Op. Cit.

535 BICALHO, Maria Fernanda. A Cidade e o Império. O Rio de Janeiro no século XVIII. Op. Cit P. 82 e SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. Os homens de negócio do Rio de Janeiro e sua atuação nos quadros do Império português (1701-1750). In: GOUVÊA, Maria de Fátima; BICALHO, Maria Fernanda e

FRAGOSO, João. O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Op. Cit. P. 76.

536

AHU/Rio de Janeiro, Cx. 70, doc. 40. Apud: BICALHO, Maria Fernanda. A Cidade e o Império. O Rio de Janeiro no século XVIII. P. 84.