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3 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

3.1 Administração patrimonialista

Na administração patrimonialista, o Estado pode ser entendido como propriedade do soberano. A res publica caracteriza-se como sendo o mesmo que o res principis (MARE, 1995). Nas palavras de Campante (2003, p. 154), “o patrimonialismo é intrinsecamente personalista, tendendo a desprezar a distinção entre as esferas pública e privada.” Reis (2014) relata que a corrupção, o nepotismo e o empreguismo são práticas comuns presentes nesse modelo de administração patrimonial. Nesse contexto, prevalece o particularismo, o favorecimento, ou seja, o poder particular e o privilégio, em detrimento da universalidade e da igualdade, pois não existe distinção entre o público e o privado (CAMPANTE, 2003).

Weber refere-se ao patrimonialismo como uma forma de dominação tradicional em que o poder do soberano é exercido sobre aqueles que o reverenciam, por meio do costume e não pela lei. Nas palavras de Weber (1999, p. 238), o patrimonialismo emerge de uma estrutura de dominação em que “[...] o poder doméstico descentralizado mediante a cessão de terras e eventualmente de utensílios a filhos ou outros dependentes da comunidade doméstica, queremos chamar de dominação patrimonial.” Desse modo, Weber (1999) destaca que o modelo de administração patrimonialista é marcado pelos vínculos de parentesco como também caracterizado pela relação de piedade, sendo que a dominação é realizada por meio da concessão de favores que, em contrapartida, se busca ou se espera obter a lealdade daqueles que o recebem (CAMPANTE, 2003).

e o poder pessoal. O favorecimento é o principal mecanismo de ascensão social, e o sistema jurídico costuma negligenciar a universalidade e a igualdade formal-legal, bem como expressar e transmitir o poder particular e o privilégio, o que leva, ao mesmo tempo, benefício para determinados atores e exclusão dos demais. A vigência de condições especiais de tratamentos para algumas pessoas é denominada por Damatta (1997) de “curvaturas especiais”.

Patrimonialismo é a substantivação de um termo de origem adjetiva: patrimonial, que qualifica e define um tipo específico de dominação. Sendo a dominação um tipo específico de poder, representado por uma vontade do dominador que faz com que os dominados ajam, em grau socialmente relevante, como se eles próprios fossem portadores de tal vontade, o que importa, para Weber, mais que a obediência real, é o sentido e o grau de sua aceitação como norma válida – tanto pelos dominadores, que afirmam e acreditam ter autoridade para o mando, quanto pelos dominados, que creêm (sic) nessa autoridade e interiorizam seu dever de obediência. (CAMPANTE, 2003, p. 155).

Na concepção do patrimonialismo, as ações passam a estar relacionadas com a troca de favores. O aparelho do Estado patrimonialista atua como uma extensão do poder do soberano, e seus servidores adquirem status “especial” de nobreza. Nesse sentido, os cargos são considerados prebendas, ou seja, aquele cargo que se recebe muito e trabalha pouco (MARE, 1995).

De acordo com Oliveira (2012), a formação do estado brasileiro é caracterizada pela dominação tradicional na medida em que o interesse público e o interesse privado se mesclavam na gestão da administração pública. Para Campante (2003), as regras generalizantes de ascensão social baseadas nos critérios universalistas não se mostram ausentes na sociedade brasileira, entretanto dividem espaço e competem com as normas implícitas relacionadas à cultura do favor.

Almeida (2007) destaca que falta espírito público para grande parte dos brasileiros, principalmente quando no trato da coisa pública, na medida em que lidam com seus recursos como se fossem seus, o que para o autor demonstra a caracterização de uma sociedade patrimonialista.

No Brasil, o uso do “jeitinho” pode ser entendido como um instrumento viabilizador para manifestação dos traços do modelo de administração pública patrimonial, na medida em que se mostra como um mecanismo empregado para conseguir ou conceder exceções, uma vez que o mesmo pode ser considerado um meio para esquivar das regras vigentes, bem como utilizado para burlar as leis, regulamentos e determinações em proveito próprio ou mesmo para favorecer terceiros (DAMATTA, 1997). Para Flach (2012, p. 500), a utilização do “jeitinho” nas organizações pode ser entendida como “[...] uma ação fora dos padrões, das normas ou até mesmo da lei, fora daquilo que em consenso coletivo seria considerado como correto, para

atender a resolução imediata de determinado problema ou situação.” De acordo com o autor, atos contra a norma ou contra a lei são, em grande medida, resultado de um jeitinho. Nesse sentido, o autor ainda destaca que a configuração do “jeitinho” depende da situação e do contexto, bem como das implicações ou prejuízos tanto ao indivíduo, sociedade ou ao Estado.

Para Barbosa (2014), a cultura "paternalista brasileira" ainda perpetua nas organizações e promove o apadrinhamento, a valoração das relações pessoais, falta de cobrança, “QI” (quem indica), nepotismo, dentre outros, que constituem práticas empregadas que ilustram o caráter paternalista da sociedade brasileira. Para a autora, é necessária uma mudança que perpassa pela neutralização do paternalismo, o qual é avesso à cobrança de resultados nas organizações que desencadeia em um círculo vicioso que necessitada ser superado.

Conforme destaca Motta (2007), a administração pública brasileira e a cultura tradicional são ainda bastante interligadas, em que os relatos cotidianos demonstram forte ligação da coisa pública com interesses privados de grupos preferenciais. Dessa forma, os elementos do patrimonialismo são fundamentais para a compreensão da administração pública brasileira, na medida em que o Estado foi instrumento de dominação de oligarquias e, ainda nos dias atuais, não se pode descartar o conceito de classe dominante e de grupos preferenciais, visto que eles ainda utilizam o Estado como instrumento de obtenção e exercício de poder.

Em função da ineficiência provocada pelos aspectos do modelo de administração pública patrimonialista, novas formas de administração se mostraram necessárias, principalmente a partir do momento em que o capitalismo e a democracia se tornam perspectivas dominantes, o mercado e a sociedade civil passam a se distinguir do Estado (MARE, 1995). Em outras palavras, Campante (2003) destaca que, devido aos elementos contidos no modelo patrimonialista terem impossibilitado a eficiência e a previsibilidade na administração pública, de modo progressivo, foram sendo criadas regras impessoais e universais, com o objetivo de sustentar a ordem capitalista emergente que exigiria segurança, objetividade e previsibilidade do poder público, nasce, então, uma forma racional de administração: a burocrática.

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