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A questão envolvendo a competência para o processamento e julgamento dos autores de ato de improbidade administrativa vem sendo objeto de inúmeras discussões no âmbito doutrinário e jurisprudencial, no que pese a admissão ou não da prerrogativa de foro para os agentes políticos e demais autoridades que gozam dessa prerrogativa no âmbito criminal.

Inicialmente, cabe dizer que a natureza jurídica das sanções aplicáveis aos atos de improbidade administrativa ainda não é pacífica. De suma importância, a questão da natureza jurídica da ação de improbidade exerce influência direta na definição da competência para julgar ações de improbidade administrativa, e indiretamente na aplicação, ou não, do foro por prerrogativa de função para seu processamento e julgamento.

Neste particular, o processo estabelecido na Lei de Improbidade Administrativa, para a maior parte da doutrina brasileira, tem natureza cível, porém, há discordância acerca do tema, haja vista que, para outros doutrinadores, a competência para a ação judicial por ato de improbidade administrativa deveria ser estabelecida de acordo com os critérios penais.

De plano, parece mais plausível a primeira doutrina, segundo a qual a natureza da ação de improbidade administrativa é extrapenal.

Sem dúvida, é esta a teoria que melhor se amolda ao que é estabelecido no art. 37, § 4º, da Constituição Federal: “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Reforçando a distinção entre sanções cíveis e penais, o art. 12 da Lei 8.429/92, indica quais são as sanções cabíveis em face do ato de improbidade, “independentemente das sanções penais”.

Assim, partindo da análise somente da natureza civil das sanções dos atos de improbidade administrativa, temos que existe uma vasta jurisprudência reconhecendo que o foro competente para tratar dessas ações é o juízo de primeira instância.

Nesse sentido, a Corte Suprema já proclamou:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - EXTEMPORANEIDADE - IMPUGNAÇÃO RECURSAL PREMATURA, DEDUZIDA EM DATA ANTERIOR À DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO CONSUBSTANCIADOR DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS INFRINGENTES, SEM POSTERIOR RATIFICAÇÃO (CPC, ART. 498, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 10.352/2001) - ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI Nº 8.429/1992, POR MAGISTRADO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA, A AGENTES POLÍTICOS QUE DISPÕEM DE PRERROGATIVA DE FORO EM MATÉRIA PENAL - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO - TRASLADO INCOMPLETO - CONHECIMENTO, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DE OFÍCIO, DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL - MATÉRIA QUE, POR SER ESTRANHA À PRESENTE CAUSA, NÃO FOI EXAMINADA NA DECISÃO OBJETO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO "JURA NOVIT CURIA" EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA - DESCABIMENTO - AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - COMPETÊNCIA DE MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU, QUER SE CUIDE DE OCUPANTE DE CARGO PÚBLICO, QUER SE TRATE DE TITULAR DE MANDATO ELETIVO AINDA NO EXERCÍCIO DAS RESPECTIVAS FUNÇÕES - ALEGADA VIOLAÇÃO AOS PRECEITOS INSCRITOS NO ART. 5º, INCISOS LIV E LV DA CARTA POLÍTICA - OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO - CONTENCIOSO DE MERA LEGALIDADE - REEXAME DE FATOS E PROVAS - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 279/STF - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

[...]

- Esta Suprema Corte tem advertido que, tratando-se de ação civil por improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92), mostra-se irrelevante, para efeito de definição da competência originária dos Tribunais, que se cuide de ocupante de cargo público ou de titular de mandato eletivo ainda no exercício das respectivas funções, pois a ação civil em questão deverá ser ajuizada perante magistrado de primeiro grau.

[...]

(AI 653882 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 03/06/2008, DJe-152 DIVULG 14-08-2008 PUBLIC 15-08-2008 EMENT VOL- 02328-08 PP-01558 RTJ VOL-00206-01 PP-00438 RT v. 97, n. 877, 2008, p. 121-132)

Seguem essa mesma orientação os seguintes arestos: Rcl 3021 AgR, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008; AI 506323 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/06/2009; Pet 3923 QO, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2007; Pet 3923 QO, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2007, DJe- 182 de 25-09-2008.

Nessa linha, vale ressaltar o julgamento da ADI 2.797, que declarou a inconstitucionalidade da Lei 10.628/02, que acresceu o § 1º e § 2º ao artigo 84 do CPP, passando a tratar de modo específico à questão do foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa.

O artigo 84 do CPP, modificado pela Lei 10.628/02, ficou assim redigido:

Art. 84 - A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

§ 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.

§ 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º.

A decisão proferida na ADI 2.797 firmou posição no tocante à natureza jurídica da ação de improbidade, reconhecendo-a como manifestamente de caráter civil, sendo decidida pelo juiz de primeiro grau.

Concordando com esse entendimento, alguns doutrinadores afirmaram que só a ementa da ADI nº 2.797 já seria suficiente para afastar a tese segundo a qual os agentes políticos, genericamente considerados, ostentariam foro por prerrogativa de função em sede de ação de improbidade administrativa, bem como rejeitaram o argumento, de que a ação de improbidade administrativa (de natureza civil) possuiria características penais, suscitando assim, uma possível equiparação, para efeito de prerrogativa de foro, entre as duas ações.

Embora possa parecer, a princípio, contraditório, a mensagem que o STF parece estar sinalizando é no sentido de que, apesar da inconstitucionalidade formal da Lei n. 10.628/2002, a competência originária para o julgamento de ação de improbidade administrativa será, sim, semelhante à competência originária em matéria penal – por exemplo, no caso de ministro de Estado, a competência será do STF (ressalvado, porém, que a competência não se perpetua após a saída do cargo, conforme o cancelamento da antiga Súmula n. 394 do STF, decidida pela própria Corte na apreciação do Inq. N. 687). Esta competência decorre diretamente do sistema da Constituição Federal, e portanto, pode ser reconhecida pelo STF e pelo Judiciário em geral. A procedência das ADIn ns. 2.797-DF e 2.860-DF se deu muito mais em atenção ao princípio da separação dos Poderes, e na impossibilidade de tratamento pela via legislativa ordinária da matéria relativa à competência dos Tribunais, abordada numerus clausus na Constituição Federal. É a linha do clássico precedente da Suprema Corte Norte-Americana ‘Marbury vs. Madison’, no qual se estabeleceu a possibilidade de julgamento da inconstitucionalidade das leis justamente na hipótese de uma lei que ampliava a competência do Tribunal. Resta aguardar os próximos julgamento do STF, e inclusive o encerramento definitivo da apreciação da Recl. n. 2.138-DF e o julgamento de outros casos, para ter uma visão mais nítida do entendimento da Corte Constitucional sobre a matéria, que ainda não parece definitivamente assentado. Sendo assim, o tema certamente continuará a ser objeto de debates na doutrina e na jurisprudência pátrias, e ainda deverá ser mais discutido e esclarecido no âmbito dos Tribunais Superiores.

Todavia, é certo afirmar que essa questão relacionada à competência para julgar ação de improbidade administrativa contra agente público detentor de prerrogativa de função ainda não está totalmente decidida.

Tanto é que a inexistência de lei estabelecendo prerrogativa de foro em ações de improbidade não tem impedido o curso de uma guinada na jurisprudência de nossas cortes superiores.

Nesse diapasão, o Informativo nº 418 do STJ pontuou: