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2 OS MEIOS DE PROVA E A ADMISSIBILIDADE DA INTERCEPTAÇÃO

2.3 Admissão da interceptação ambiental

A interceptação ambiental é um meio de prova que está cada vez mais sendo utilizada e admitida no processo penal, de maneira que, com o avanço das

tecnologias de mídia, acaba por favorecer a captação desse meio probatório. Porém diante da demanda de mídia crescente, falta por parte do legislador, regulamentar lei própria para melhor aproveitamento da prova colhida mediante a gravação ambiental.

Sua definição é a captação de sons ou imagens no próprio ambiente, que é feita por terceira pessoa, a qual registra sons ou imagens de duas ou mais pessoas, sem que as mesmas saibam que estão sendo monitoradas ou vigiadas. Avena (2012, p. 488) define a interceptação ambiental da seguinte maneira:

As interceptações ambientais Lato sensu compreendem toda e qualquer forma de captação de sons, imagens ou sinais eletromagnéticos que não se utilizem da linha telefônica. São, enfim, aquelas realizadas por meio de filmadoras, gravadores acústicos, transmissores e outros equipamentos similares.

A interceptação ambiental é considerada ato investigatório constitucional, e encontra guarida no artigo 3º, inciso II, da nova Lei de Crime Organizado (Lei nº 12.850/13), o qual refere:

Art. 3º. Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:

[...]

II – captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos (BRASIL, 2015).

Cabe ressaltar que a interceptação ambiental não é o mesmo que escuta ambiental e gravação ambiental. Na escuta ambiental, uma terceira pessoa capta sons ou imagens de duas ou mais pessoas, tendo uma delas conhecimento da escuta. Na gravação ambiental, a captação de sons ou imagens é feita por uma pessoa, sem que a outra pessoa tenha ciência do seu intento. Dessa forma, segue classificação das interceptações ambientais lato sensu, segundo Avena (2012, p. 488):

a) Interceptação ambiental strictio sensu: hipótese na qual um terceiro registra sons ou imagens envolvendo a conversa ou o comportamento de duas ou mais pessoas sem que haja o conhecimento destes. Exemplo: a autoridade policial, investigando a ação da quadrilha voltada ao tráfico, realiza a filmagem, por dias sucessivos, da conduta dos criminosos vendendo drogas nas proximidades de uma escola, não tendo qualquer dos

traficantes ciência de que esse registro está sendo efetuado. b) Escuta ambiental: situação em que um terceiro registra sons ou imagens envolvendo duas ou mais pessoas, havendo, porém, o conhecimento de um dos envolvidos. Exemplo: a polícia civil registra, por meio de um transmissor eletrônico, o momento em que o fiscal de determinada prefeitura exige de um vendedor ambulante vantagem financeira para não apreender as mercadorias contrabandeadas, havendo, nesse caso, o conhecimento da escuta pelo vendedor que, para tanto, portava microfone escondido sob as vestes. c) Gravação ambiental: não há, aqui, a presença de terceiro. Na gravação, um dos interlocutores capta a conversa ou o comportamento que mantém com outro, não havendo a ciência deste último quanto a essa circunstância. Exemplo: policial disfarçado, portando uma microcâmera, que comparece no local onde determinado indivíduo falsifica documentos, registrando sons e imagens da conversa mantida com ele.

Gize-se que não existe lei específica para a interceptação ambiental, devendo sua licitude ou ilicitude ser analisada conforme artigo 5º, X, da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (BRASIL, 2015).

Dessa forma, a interceptação ambiental é admitida, desde que não viole a intimidade do interceptado, e ao contrário da interceptação telefônica, não ressalva a necessidade de ordem judicial. Capez refere que (2010, p. 558):

Em suma, captação ambiental de conversa não sigilosa, seja mediante interceptação, escuta ou gravação, não constituirá prova ilícita, por inexistir ofensa à intimidade. Em se tratando de conversa sigilosa, havendo autorização judicial, também estaremos diante de uma prova lícita. Finalmente, na hipótese de captação de conversa sem autorização judicial, a prova, a princípio, será ilícita, mas nada impede seu aproveitamento, dependendo da proporcionalidade dos valores em contraste.

A título de exemplo Avena (2012, p. 489) traz duas circunstâncias de provas obtidas através da violação do direito da intimidade, por meio de interceptação ambiental mediante traição de confiança:

1) Quando forem realizadas em ambientes no qual exista expectativa de privacidade: Imagine-se que alguém, clandestinamente, ingresse no gabinete de determinado profissional e, sob sua mesa, acople equipamento de transmissão a fim de que sejam ouvidas todas as conversas que mantém com terceiros, registrando dessa forma, o diálogo relativo à prática de um crime. A prova assim obtida será ilícita tendo em vista que, no interior da própria sala de trabalho possuía o investigado a expectativa de estar só, o

que atrai a incidência do art. 5º, X, CF. [...] 2) Quando praticadas em violação de confiança decorrente de relações interpessoais (motivada pela amizade, pelo parentesco, pelo casamente etc.) ou em relações profissionais (v.g. advogado e cliente, psicólogo e paciente, padre e confidente etc.).

Nestas situações as interceptações ambientais serão inadmissíveis no processo penal, reputando-se ilícitas em virtude de terem sido obtidas mediante violação da intimidade, uma vez que o interceptado poderá se sentir enganado e decepcionado com a conduta do interceptador.

A respeito de gravação ambiental, segue trecho do voto do Ministro Cezar Peluzo no RE n.º 402.717-8/PR:

Como longamente já sustentei alhures, não há ilicitude alguma no uso de gravação de conversação telefônica feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, com a intenção de produzir prova do intercurso, sobretudo para defesa própria em procedimento criminal, se não pese, contra tal divulgação, alguma específica razão jurídica de sigilo nem de reserva, como a que, por exemplo, decorra de relações profissionais ou ministeriais, de particular tutela da intimidade, ou doutro valor jurídico superior. A gravação aí é clandestina, mas não ilícita, nem ilícito é seu uso, em particular como meio de prova (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE- 402.717-8 PR, Relator Ministro Cezar Peluso, DJe-030 13.2.2009)

Da mesma forma, se alguém gravar ou filmar a ocorrência de um crime em local público, o material resultante será considerado como uma prova lícita, mesmo sem expressa ordem judicial, sendo admitida no processo penal, pois em um local público, não se estabelece um segredo, não se viola a intimidade. Segue exemplo elucidado pelo doutrinador Avena (2012, p. 491):

[...] determinada pessoa, de seu apartamento, filmasse um crime cometido por morador no interior de apartamento localizado em outro edifício. Neste caso, a prova seria lícita, a despeito da intimidade violada, pois, a um, não houve um fato anterior ilegítimo a contaminar a filmagem realizada (invasão do domicílio do criminoso para lá ser acoplado um equipamento de filmagem) e, a dois, pelo fato já mencionado de que inexiste, realmente, proteção à privacidade na ocasião em que realizados atos tendentes à consumação de um fato típico.

Por fim, verifica-se, a importância da interceptação ambiental ante o princípio da verdade real como meio de prova no processo penal. Porém, percebe-se o conflito de direitos constitucionais fundamentais de igual valor, pois de um lado está

a intimidade e privacidade nas comunicações, de outro lado está o direito a proteção da liberdade do indivíduo, da ampla defesa e da sociedade contra a criminalidade.

CONCLUSÃO

O trabalho realizado tece considerações acerca do sistema valorativo das provas no processo penal, para a busca da verdade processual, analisando os diferentes meios de prova que podem ser utilizados no processo para o convencimento do juiz, para que o mesmo possa proferir uma sentença absolutória ou condenatória justa. Analisou-se assim, o sistema legal de provas, sistema da íntima convicção do julgador e sistema do livre convencimento.

Estudou-se ainda meios de prova previstos no Código de Processo Penal, do artigo 158 ao 250, constituindo os meios legais de prova, também chamados de meios de prova nominadas. Também foram apresentados outros meios de prova admitidos no ordenamento jurídico, os chamados de provas inominadas, que são aquelas previstas em Lei específica, desde que compatíveis com os princípios da licitude e da liberdade de provas, respeitando ao direito de defesa e à dignidade da pessoa humana buscando a verdade real processual.

Verificou-se que são admitidas todas as provas obtidas por meio lícito e, não somente aquelas inseridas no Código de Processo Penal, tais como as interceptações telefônicas e ambientais.

Destacou-se, no entanto, que a Constituição veda expressamente no processo penal o uso das provas obtidas ilicitamente. Porém, percebeu-se que a doutrina e a jurisprudência seguem o entendimento de que é necessário haver proporcionalidade para a solução de eventuais conflitos sobre o uso das provas ilícitas em prol da segurança social.

A Constituição Federal estabelece em seu artigo 5º, XII, que as comunicações telefônicas poderão ser violadas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, mediante lei prevendo as suas hipóteses.

A intimidade e a privacidade do indivíduo são garantias constitucionais, dessa forma, para ensejar maior segurança jurídica, percebeu-se no presente trabalho que é necessária a inovação ou alteração na legislação brasileira no tocante a ilicitude da prova no Processo Penal, pois viu-se que o legislador se preocupou muito com o direito fundamental à intimidade, restringindo em algumas hipóteses a captação da interceptação telefônica, impondo o requisito formal da autorização judicial para que seja realizada. Tendo em vista que nenhum direito fundamental é absoluto, evidenciando-se a relativização dos direitos fundamentais.

Assim, foi analisada a admissibilidade da interceptação ambiental, verificando-se a importância desse meio probatório e a necessidade de que haja Lei específica. A interceptação ambiental é considerada ato investigatório, e com o crescente avanço tecnológico e sua utilização em massa, configura-se dessa forma, um meio de prova de fundamental importância na busca da verdade real.

Por fim, verificou-se que o legislador tem buscado se adaptar aos avanços da sociedade, porém percebeu-se, que sendo a intimidade e a privacidade do indivíduo garantias constitucionais, para ensejar maior segurança jurídica e social, seria necessária a alteração da legislação brasileira no tocante à ilicitude na captação de determinadas provas no Processo Penal. Neste sentido verificou-se que o legislador se preocupou muito com o direito fundamental à intimidade e restringiu, em algumas hipóteses, a captação da interceptação telefônica, impondo o requisito formal da autorização judicial para que seja realizada. No entanto, considerando que nenhum direito fundamental é absoluto, em face de sua relativização, para melhor utilização do princípio da proporcionalidade em prol dos direitos e garantias do indivíduo, bem como da segurança, justiça e bem estar social, necessário se faz mudanças na Lei 9.296/96 para autorizar, em algumas hipóteses fundamentais, a interceptação telefônica, bem como, regulamentar Lei própria para a interceptação ambiental.

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