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2 OS MEIOS DE PROVA E A ADMISSIBILIDADE DA INTERCEPTAÇÃO

2.2 Meios de prova inominadas

Meios de prova inominadas são aquelas que não estão previstas taxativamente no CPP, podendo assim, servir de prova outros meios previstos no ordenamento jurídico, como as filmagens, fotografias, gravações e outros, que ante ao princípio da liberdade e licitude de provas, podem ser utilizadas. De acordo com Bonfim (2012, p. 360):

O artigo 332 do CPC dispõe que “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”. Os meios de prova, dessa forma, podem ser os tipificados em Lei ou os moralmente legítimos, sendo estes denominados provas inominadas.

Sobre provas inominadas, Lopez Júnior expõe (2011, p. 566):

[...] Cordeiro defende a admissão de tudo aquilo que não for vedado, afirmando que é admissível todo signo útil ao juízo histórico contanto que sua aquisição não viole proibições explícitas ou decorrentes do sistema de garantias. Aceita-se o reconhecimento olfativo, sonoro, táctil, mas veda-se a narcoanálise e o detector de mentira, pois são cientificamente inadmissíveis, além de violarem a dignidade do agente. Partindo da compreensão de que somente podemos pensar em provas inominadas que estejam em estreita observância com os limites constitucionais e processuais da prova, o processo penal – excepcionalmente – poderá admitir outros meios de demonstração de fatos ou circunstâncias não enumeradas no CPP. Se admitirmos que existam provas inominadas, desde que observadas as regras de coleta, admissão e produção em juízo, e que outros importantes elementos de convicção possam ser obtidos com a utilização de outros sentidos que não o visual, a questão passa a ter grande relevância.

A Constituição Federal no artigo 5º, LVI e o Código de Processo Penal no artigo 157, vedam a produção de provas através de violações constitucionais ou de normas processual. Essas seriam as provas ilícitas (ofensa ao direito material) e as provas ilegítimas (ofensa ao direito processual), sendo inadmissíveis no processo penal. Conforme Bonfim (2012, p. 364):

São chamadas provas ilícitas aquelas cuja obtenção viola princípios constitucionais ou preceitos legais de natureza material. [...] Por outro lado a

prova será ilegítima se sua obtenção infringir norma processual dizendo respeito à própria produção da prova.

Outra previsão contida no artigo 157, do CPP é a inadmissibilidade da prova ilícita por derivação, sendo acolhida a teoria dos frutos da árvore envenenada, criada pela Suprema Corte norte-americana, a qual refere que a prova lícita que foi obtida através de meios ilícitos deverá também ser considerada ilícita. “[...] Tal teoria sustenta que as provas ilícitas por derivação devem igualmente ser desprezadas, pois contaminadas pelo vício (veneno) da ilicitude do meio usado para obtê-las [...]” (BONFIM, 2012, p. 366).

A interceptação telefônica não é um procedimento ilícito, se observados os requisitos da Lei nº 9.296/96, que regulamenta a prova por meio de interceptação telefônica. O doutrinador Capez nos ensina que (2012, p. 378):

Interceptação provém de interceptar, intrometer, interromper, interferir, colocar-se entre duas pessoas, alcançando a conduta de terceiro que, estanho à conversa, se intromete e toma conhecimento do assunto tratado entre os interlocutores.

O artigo 5º, XII, da CF dispõe que:

art. 5º, XII. É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (Brasil, 2015).

Dessa forma, foi editada a Lei de Interceptação Telefônica, como uma forma de regulamentar e viabilizar a violação das comunicações telefônicas, sendo indispensável a exigência de autorização judicial e que seja realizada para fins de investigação criminal ou instrução processual criminal. Segundo o doutrinador Capez (2012, p. 384):

Convém, antes de mais nada, assinalar que o procedimento da interceptação telefônica é de natureza cautelar, cuja medida poderá ser preparatória, se realizada antes da propositura da ação penal, ou incidental, quando realizada durante a instrução processual penal.

Como já visto anteriormente, para conseguir a concessão da quebra do sigilo telefônico será necessária à ordem do juiz competente para o julgamento da ação principal, nunca do promotor, nem do delegado de polícia, podendo ser determinado pelo juiz mesmo antes da instauração do inquérito policial. Segundo o disposto no artigo 10, da Lei nº 9.296/96: “[...] Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em Lei [...]” (BRASIL, 2015).

O juiz terá o prazo de 24 horas para decidir o pedido da quebra do sigilo telefônico, devendo sua decisão ser fundamentada, sob pena de nulidade. Conforme Capez, referente ao valor da prova (2012, p. 390):

Convém aqui mencionar que embora a prova colhida com a interceptação telefônica seja considerada lícita, isso não impede que o juiz do processo principal a analise juntamente com os demais elementos probatórios colhidos para formar a sua convicção. Com efeito, o nosso direito processual penal acolhe o sistema do livre convencimento ou da persuasão racional. Assim o juiz tem liberdade para formar sua convicção, não estando preso a qualquer critério legal de prefixação de valores probatórios. No entanto, essa liberdade não é absoluta, sendo necessária a devida fundamentação.

Outros requisitos legais para conseguir a concessão da quebra do sigilo telefônico estão elencados no artigo 2º, da Lei nº 9.296/96:

Art. 2º Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada (Brasil, 2015).

O inciso I, refere que para ser admitida a interceptação telefônica deverá constar indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal, dessa forma refere o doutrinador Capez (2012, p. 563):

Não se exige prova plena, sendo suficiente o juízo de probabilidade (fumos

indicação provável de prática do crime, o juiz poderá autorizar. Não se exige a instauração formal de inquérito policial.

O inciso II, estabelece que não existindo outro meio de produzir a prova, será necessário demonstrar o perigo de se perder a prova caso não haja a interceptação telefônica como meio de prova, devendo-se fundamentar a necessidade da medida, pois existindo outros meios para obtenção probatória, os mesmos deverão ser utilizados. O doutrinador Capez diz (2012, p. 565):

Por se tratar de medida que restringe um direito fundamental do cidadão, qual seja, seu direito à intimidade e liberdade de comunicação, caberá ao juiz, no caso concreto, avaliar se há outras alternativas menos invasivas, menos lesivas ao indivíduo.

Conforme o inciso III, somente será admitida a interceptação telefônica nos casos em que a infração penal for crime punido com reclusão. Porém, com esse critério adveio duas problemáticas, nesse sentido nos ensina o doutrinador Capez (2012, p. 564):

a) deixou de lado crimes apenados com detenção, como ameaça, comumente praticada via telefone, ou mesmo contravenções, como o jogo do bicho; b) ao elencar genericamente todas as infrações penais apenadas com reclusão como objeto da interceptação alargou sobremaneira o rol dos delitos passíveis de serem investigados através da quebra do sigilo telefônico, crimes estes, muitas vezes, destituídos de maior gravidade, o que torna discutível, no caso concreto, o sacrifício de um direito fundamental como sigilo das comunicações telefônicas. Deve incidir, na hipótese, o princípio da proporcionalidade dos bens jurídicos envolvidos, não se podendo sacrificar o sigilo das comunicações em prol de um bem de menor valor. Questão interessante é a do crime de ameaça, punido com detenção, e tão comum por via telefônica. Não poderá ser concedida a autorização para a quebra do sigilo da comunicação. A solução é conceder a quebra para investigar não a ameaça, mas o crime mais grave que se ameaçou praticar; por exemplo, o homicídio, no caso da ameaça de morte.

Estabelece o artigo 5º, da Lei nº 9.296/96:

Art. 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova (Brasil, 2015).

A autorização judicial para a quebra do sigilo telefônico terá duração de 15 dias, e será renovável por igual prazo, desde que seja comprovada a indispensabilidade desse meio de prova, quantas vezes for necessário.

A interceptação telefônica se subdivide em três espécies distintas, quais sejam, interceptação telefônica, escuta telefônica e gravação telefônica, nesse sentido o doutrinador Avena (2012, p. 472) descreve:

a) Interceptação telefônica stricto sensu: hipótese na qual um terceiro viola a conversa telefônica de duas ou mais pessoas, registrando ou não os diálogos mantidos, sem que nenhum dos interlocutores tenha conhecimento da presença do agente violador. b) escuta telefônica: situação na qual um terceiro viola a conversa telefônica mantida entre duas ou mais pessoas, havendo, contudo, a ciência de um ou alguns dos interlocutores de que os diálogos estão sendo captados. c) Gravação telefônica: aqui não há a figura de um terceiro. Um dos interlocutores, simplesmente registra a conversa que mantém com o outro. Não há, propriamente uma violação de conversa telefônica, já que o registro está sendo feito por um dos indivíduos que mantém o diálogo.

Percebe-se que na interceptação telefônica stricto sensu e na escuta telefônica existe sempre a figura de um terceiro que intercepta a conversa telefônica, logo, submetem-se à Lei nº 9.296/96. Já na gravação telefônica não existe a figura de um terceiro, pois um dos interlocutores é quem grava a conversa sem o conhecimento do outro, não ocorrendo nesse caso, a interceptação. Conforme Capez (2012, p. 379):

[...] as gravações telefônicas, que consistem na captação da comunicação via fone feita por um dos comunicadores, sem o conhecimento do outro, estão fora da disciplina jurídica da Lei nº 9296/96, bem como do alcance da proibição do art. 5º, XII, da CF, considerando-se, à vista disso, como provas lícitas, podendo ser produzidas sem necessidade de prévia autorização judicial. No entanto, é preciso ressalvar que a gravação somente não será admitida, e será considerada ilícita, quando afrontar outra garantia, qual seja, a inviolabilidade da intimidade (CF, art. 5º, X). Dessa forma, se excepcionalmente, o conteúdo for muito acintoso, a prova poderá, eventualmente, ser considerada ilícita, por afronta a outra norma de índole constitucional, e da inviolabilidade da intimidade e da vida privada. A gravação não feriu a inviolabilidade da comunicação telefônica, mas seu conteúdo acintoso poderá torná-la, ante o suplício da humilhação imposto ao outro interlocutor, o qual terá sua intimidade e sua imagem protegidas.

Conforme visto, a gravação telefônica, em regra, será lícita, e poderá ser produzida sem a necessidade de prévia autorização judicial, salvo se ferir a garantia constitucional da inviolabilidade da intimidade.

O artigo 5º, X, CF refere: “[...] são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação [...]” (BRASIL, 2015). Não existe lei

restritiva do direito à intimidade, portanto, a prova obtida por meio de gravação telefônica, em suma, viola a Constituição Federal, sendo então prova ilícita e inadmissível no processo penal.

Nesse sentido, no que refere gravação telefônica, embora não existe Lei expressa a respeito desse assunto, tornou-se bastante sólido o entendimento jurisprudencial do STF quanto a admissibilidade da gravação telefônica como meio de prova lícita, sendo aceita somente em alguns casos, como por exemplo, em legítima defesa, estado de necessidade ou com justa causa. Para melhor exemplificar, cabe exemplo jurisprudencial ilustrado pelo doutrinador Avena (2012, p. 474):

É certo que o STF entende que a licitude da gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores sem a ciência do outro deve ser examinada caso a caso. Na hipótese, a gravação deu-se pela amásia do réu tão somente para responsabilizá-lo pelo homicídio perpetrando contra a vítima, com quem ela mantinha envolvimento amoroso. Tal gravação deu-se à escuta perpetrada por sugestão da autoridade policial. [...] Dessarte, a prova aqui é ilícita, colhida que foi com indevida violação de privacidade (art. 5º, X, da CF/1998), porque não foi colhida como meio de defesa ou em razão de uma investida criminosa [...] (HC 57.961-SP, Rel. Felix Fischer, j. 21.06.2007).

No que refere a perícia para confronto de voz em gravação telefônica, Capez descreve atual entendimento jurisprudencial: (2012, p. 390):

[...] o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o investigado, em face do privilégio contra a autoincriminação, garantia constitucional, o qual permite o exercício do direito ao silêncio, não está obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável (STF, 2ª T., HC 83.096/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, j. 18-11-2003, DJ, 12 dez. 2003, p. 89).

Importante observar que o artigo 1º, da Lei nº 9.296/96, não é admitida a quebra do sigilo para instruir processo cível, ação civil pública ou em sede de inquérito civil, sendo somente possível em questões criminais:

Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática (BRASIL, 2015).

O parágrafo único refere que as interceptações também podem se dar por meio de sistemas de informática e telemática (comunicação associada à informática). Como exemplo dessas comunicações, seriam os e-mails, MSN, chat de conversas, Face Book dentre outros, desde que com a respectiva autorização judicial.

Percebe-se que o legislador se preocupou muito com o direito fundamental à intimidade restringindo a admissão da interceptação telefônica em algumas hipóteses, impondo o requisito formal da autorização judicial para que seja realizada. Tendo em vista que nenhum direito fundamental é absoluto, evidenciando-se a relativização desse direito fundamental, quando estiver em colisão com outro direito fundamental, de mesmo valor.

Esse antagonismo acaba gerando uma falta de consenso por parte da doutrina e jurisprudência, que entendem e interpretam o assunto de forma meramente gramatical.

A respeito da possibilidade de limitação dos direitos fundamentais, a jurisprudência tem entendido, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, que:

Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio da conveniência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 23452/RJ – Rio de Janeiro. Relator(a): Min. Celso de Mello. Data Julgamento: 16/09/1999).

Analisando a Lei de Interceptação Telefônica como um meio de prova inominado, resta a análise de outro exemplo que vem sendo cada vez mais utilizado, qual seja, a Interceptação Ambiental como se verá a seguir.

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