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3.4 FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

3.4.2 Adoção à brasileira

Quando se está diante da paternidade socioafetiva, se torna iminente o tratamento sobre a adoção à brasileira, costume frequentemente utilizado por inúmeras pessoas, de registrar como seu filho de outrem, normalmente feito apenas com o objetivo de permitir que uma criança não fique sem o registro da paternidade, não ponderando sobre as consequências futuras deste ato.

Há ainda os casos em que tanto a mãe, quanto o pai, promovem o registro da criança que não conceberam, podendo se dar na hipótese em que o recém-nascido é abandonado em sua residência, ou ainda quando é entregue a eles por dificuldades financeiras. Nestes dois casos, ocorre uma verdadeira adoção, motivo que justifica a utilização desta expressão, já que registram e se responsabilizam pelos cuidados inerentes ao filho por elas não gerado, contudo, não seguem todas as formalidades que o instituto requer.

57 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

A primeira situação é possível, tendo em vista a facilidade existente para se declarar a paternidade no Cartório de Registro Civil, uma vez que, caso os pais sejam casados, existe, conforme anteriormente exposto, a presunção pater is est e, assim não sendo, a pessoa que se reconhece como pai, pode voluntariamente comparecer e assumir a paternidade da criança.

No tocante a segunda hipótese, em que a adoção à brasileira é feita por um casal, o ato não se torna simples, pois quando a genitora dá à luz ao filho, cabe ao médico expedir a Declaração de Nascido Vivo, documento necessário para o registro da criança nos grandes centros urbanos, para fins de se comprovar a maternidade. Todavia, os que buscam promover a adoção, recorrem às cidades pequenas em que o parto frequentemente é feito por parteiras em casa e, desta forma, não há a referida declaração.58

Sobre o tema, Paulo Lôbo doutrina que:

Dá-se com declaração falsa e consciente de paternidade e maternidade de criança nascida de outra mulher, casada ou não, sem observância das exigências legais para adoção. O declarante ou declarantes são movidos por intuito generoso e elevado de integrar a criança à sua família, como se a tivessem gerado.59

Ocorre, que a despeito de ser vislumbrado para alguns como um ato apreciável, já que a declaração de uma paternidade traz para si inúmeros deveres, a ação é tipificada no Código Penal, prevendo pena de reclusão de dois a seis meses ou, quando evidenciado motivo nobre, a pena passa a ser de detenção de um a dois anos, podendo até mesmo deixar de ser aplicada conforme o entendimento do juiz.

A adoção à brasileira se mostra pertinente no estudo da filiação socioafetiva, tendo em vista que, após a sua configuração, tendencialmente, com a convivência familiar, são gerados vínculos afetivos entre o pai e o filho, que não podem ser desconstituídos com a mera alegação de que não é o seu genitor. Assim, ainda que o pai contido no registro de nascimento comprove a ausência de traços genéticos, não é capaz de promover a negatória da paternidade, uma vez que já foi constituída a paternidade socioafetiva, que possui tratamento igualitário ao biológico.

58 CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos. 3ª Edição. São

Paulo: Atlas, 2017. P. 46

59 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil. Coordenador: Rodrigo da Cunha Pereira.

Este fato foi reconhecido perante o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.088.157/PB, proferido no ano de 2009, tendo como relator o Ministro Luis Massami Uyeda.

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO CIVIL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO GENÉRICA - RECURSO ESPECIAL, NO PONTO, DEFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO - APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 284/STF - ADOÇÃO À BRASILEIRA - PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA - IMPOSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE DE DESFAZIMENTO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. O conhecimento do recurso especial exige a clara indicação do dispositivo, em tese, violado, bem assim em que medida o aresto a quo teria contrariado lei federal, o que in casu não ocorreu com relação à pretensa ofensa ao artigo 535 do Código de processo Civil (Súmula n. 284/STF). 2. Em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste em só permitir que o pai-adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de sócio-afetividade com o adotado. 3. Recurso especial improvido.60

No referido caso, a última esposa do falecido, pai da recorrida, buscava a desconstituição desta paternidade em razão da ausência de vínculo biológico. Todavia, verificou-se, neste caso acima, que o STJ reconheceu a importância do afeto nas relações familiares, especialmente no tocante à paterno-filial, e impossibilitou a desconstituição da paternidade civil, proposta após 38 anos de convivência entre o pai e a filha, que apenas se extinguiu em razão da morte.

A adoção à brasileira também não pode ser motivo para desconstituir a paternidade civil, tendo em vista o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, uma vez que àquele responsável, ao adotá-la, passou a representar a figura paterna e materna na vida do infante, e lhe dispensa todo o cuidado, educação e proteção que necessita. Neste sentido, foi o entendimento do STJ, em que o Ministro Raul Araújo atuou como relator, ao permitir que um casal que adotou irmãos gêmeos sem o devido procedimento legal do instituto, permanecessem com os menores após cinco anos de convivência, tendo em vista que o afastamento geraria danos de difíceis reparação às crianças, concluindo que, “não é possível afastar os olhos da situação fática estabelecida para fazer preponderar valores em tese.”61.

Deste modo, quando ocorrer a adoção à brasileira, há de se considerar se houve ou não a predominância de vínculo socioafetivo, pois somente diante da sua ausência seria possível a

60 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.088.157/PB. Julgado em 23 de junho de 2009. Disponível

em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6062250/recurso-especial-resp-1088157-pb-2008-0199564- 3/inteiro-teor-12198378> Acesso em: 04 de julho de 2018.

61 Consultor Jurídico. STJ divulga casos em que aceitou e rejeitou “adoção à brasileira”. Publicado em: 04 de

fevereiro de 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-fev-04/stj-divulga-casos-aceitou-rejeitou- adocao-brasileira> Acesso em: 04 de julho de 2018.

desconstituição da paternidade, caso contrário, deverão ser gerados os mesmos efeitos cabíveis as demais formas de filiação.

4 MULTIPARENTALIDADE

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