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4.2 POSSIBILIDADE JURÍDICA DA COEXISTÊNCIA DE PATERNIDADE BIOLÓGICA

4.2.2 Posicionamentos divergentes após a sua edição

Esperável que após o Provimento, novos questionamentos surgiriam acerca da paternidade socioafetiva e, consequentemente da multiparentalidade. O principal deles diz respeito a possibilidade de que este reconhecimento voluntário diretamente no cartório de registro civil, seja feito quando o campo de filiação já encontra-se completo, ou seja, constam um pai e uma mãe.

A discussão se inicia devido ao disposto em seu art. 14, que estabelece que: “O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais ou de duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento”.72

Exemplo de pensamentos divergentes à tese de que o Provimento defende a possibilidade da Multiparentalidade diretamente no Cartório de Registro Civil, se dá por Maria Luzia da Fonseca, Oficial de Registro e Tabeliã de Notas de Potim, na Comarca de Aparecida/São Paulo, que defende que a regulamentação feita pelo CNJ objetivou apenas o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, quando estivesse ausente do registro de nascimento o genitor ou a genitora.

Nas palavras da Oficial:

O requisito para que o reconhecimento socioafetivo se processe perante o Oficial de Registro é estar estabelecido no assento apenas a paternidade ou maternidade. Logo, no assento deve constar apenas o nome da mãe ou do pai. Havendo vínculo registral com dois genitores (ainda que do mesmo sexo) o Oficial não poderá admitir na via administrativa a inclusão de outra pessoa.73

72 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 63 de 14 de novembro de 2017. Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380> Acesso em: 12 de junho de 2018

73 FONSECA. Maria Luzia. Agora é permitido estabelecer multiparentalidade diretamente no cartório? Publicado

em 07 de fevereiro de 2018. Disponível em: <https://www.portaldori.com.br/2018/02/07/artigo-agora-e- permitido-estabelecer-multiparentalidade-diretamente-no-cartorio-e-este-o-espirito-da-norma-do-provimento-no- 632017-do-cnj-sobre-a-paternidade-e-a-maternidade-socioafetiva/> Acesso em: 13 de junho de 2018.

Compartilhava do mesmo entendimento de Maria Luzia da Fonseca, o professor Flávio Tartuce, ao expor em artigo escrito acerca do Provimento, que após a sua edição, duas correntes se formaram para debater sobre a questão, tendo ele se filiado a mais cética delas, que acreditava que a norma não reconhecia a multiparentalidade extrajudicial.74

Zeno Veloso, por sua vez, acredita que tais interpretações são equivocadas, uma vez que a expressão “mais de dois”, foi ali exposta para impedir que haja o reconhecimento de uma multiparentalidade em que conste mais de quatro pessoas no campo de filiação do registro de nascimento do sujeito75, sendo visto, portanto, como uma limitação para que apenas seja

previsto no máximo dois pais e duas mães.

Vale consignar que o pensamento defendido por Veloso, de fato se apresenta como o mais condizente com a realidade do Provimento, uma vez que não seria viável a sua edição tão somente para regulamentar o reconhecimento da paternidade socioafetiva voluntária, não abarcando a multiparentalidade, já que trata-se de ato posterior ao julgamento feito pelo Supremo Tribunal Federal.

A normatização da paternidade socioafetiva por si só é vista como avanço para o Direito de Família, vez que representa a possibilidade de um reconhecimento sem a necessidade de acionar o Poder Judiciário, garantindo a facilidade e celeridade que se busca nas soluções dos casos familiares. Todavia, ela se torna ainda mais eficaz e transformadora por abranger a multiparentalidade.

Mais tarde, em dezembro do mesmo ano, a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (ARPEN), apresentou nota de esclarecimento com o objetivo de colocar fim à discussão gerada acerca do tema, esclarecendo que houve sim autorização pelo Provimento para o reconhecimento não apenas da parentalidade socioafetiva, mas também da multiparentalidade, devendo apenas ser respeitado o limite de dois pais e de duas mães.76

74 TARTUCE, Flávio. Anotações ao provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça. Publicado em 30 de maio de

2018. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI280973,11049- Anotacoes+ao+provimento+63+do+Conselho+Nacional+de+Justica+Parte+II)> Acesso em: 13 de junho de 2018.

75 VELOZO, Zeno. Especialistas avaliam Provimento que autoriza reconhecimento da socioafetividade em

cartórios. Publicado em: 22 de novembro de 2017. Disponível em:

<http://www.ibdfam.org.br/noticias/6504/Especialistas+avaliam+Provimento+que+autoriza+reconhecimento+da +socioafetividade+em+cart%C3%B3rios> Acesso em: 13 de junho de 2018.

76 Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais. Nota de esclarecimento acerca do Provimento CNJ

nº 63/2017. Publicado em 06 de dezembro de 2017. Disponível em:

<http://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/2%20NOTA%20DE%20ESCLARECIMENTO%20PROVIMENT O%20CNJ%20N%C2%BA%2063%20(1).pdf> Acesso em: 13 de junho de 2018.

A despeito da referida nota de esclarecimento, a polêmica em torno deste assunto permanece, uma vez que inúmeras vozes do meio jurídico, defendem a inconstitucionalidade do Provimento, sob o argumento de que garantir este reconhecimento sem a ação judicial, coloca em risco o princípio do melhor interesse do menor, cria espaço para a alienação parental, para interesses meramente patrimoniais, dentre outros.

Neste sentido, o Ministério Público do Estado do Goiás, representou à Procuradoria Geral da República o Provimento nº 63, prevendo a violação de princípios, destacando que o reconhecimento nos moldes previstos pelo CNJ, não mantém “o rigor necessário que a matéria requer, ferindo a concepção de sujeitos titulares de direitos especiais, resultante de uma condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.”. 77

Admirável o desejo do CNJ de garantir a extrajudicialização de demanda que é levada frequentemente ao judiciário e, principalmente, de demonstrar a importância do afeto no âmago das famílias. Todavia, o tema ainda demanda muitas reflexões, estudo e normatização para garantir que a parentalidade socioafetiva, bem como a multiparentalidade, possam ser efetivamente regulamentadas, permitindo que o seu reconhecimento traga de fato a proteção do menor e demonstre a realidade vivenciada por àqueles que o buscam.

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