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Adoção por casais homoafetivos

CAPÍTULO 3. PANORAMA SOBRE OS NOVOS MODELOS FAMILIARES

3.5. FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS

3.5.1. Adoção por casais homoafetivos

A partir do julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre uniões homoafetivas, casais gays têm os mesmos direitos e deveres, incluindo o direito à adoção. Uma vez que o artigo 42§ 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece como requisito para a adoção conjunta que os candidatos sejam unidos pelo matrimônio ou vivam em união estável, comprovada a estabilidade da família, não há mais requisitos legais que impeçam a adoção, no entanto, na prática ainda existem muitos óbices. Há que se recordar que a decisão não é uma lei, sendo aplicada apenas para órgãos judiciais no caso de demandas.

Com a adoção singular, a criança permanece oficialmente sob a guarda de um companheiro. Essa acarreta riscos, pois, caso haja ruptura de convivência familiar, o companheiro que não constou na adoção não terá direitos legais assegurados sobre o menor. Da mesma forma, o filho não terá direitos alimentícios e sucessórios, tornando-se uma desvantagem para todos os envolvidos.

Existem quatro argumentos frequentemente utilizados para a negação da adoção por casais homoafetivos, sendo eles: risco da criança sofrer abuso sexual, influenciar a orientação sexual do adotado, incapacidade de serem bons pais e constituir uma família, e dificuldade de inserção social do menor, em razão do preconceito dos demais.

Primeiramente, quanto ao risco do menor ser abusado sexualmente, tal mito advém da época em que a homossexualidade era considerada como doença, no entanto, pesquisas comprovam que os dados são contrários, não havendo relação entre a sexualidade e o abuso de menores.

Os agressores são homens heterossexuais ligados ao convívio da vítima. De acordo com estudos conduzidos pelo Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Paulo “de 85% a 90% dos autores são conhecidos da criança: familiares ou pessoas muito próximas que se utilizam da relação afetiva para a prática do ato libidinoso ou sexual”212. Ademais, a atração sexual por crianças não está relacionada à orientação sexual.

Quanto à possibilidade de influenciar o desenvolvimento da sexualidade no menor, não há que se falar em influências quando não se trata de uma questão de escolha, e sim matéria biológica.

Restou comprovado que crianças não se baseiam em sexo para criar conceitos de identidade de gênero, e sim na forma com que os pais desempenham tais papéis. Sendo que filhos de famílias heterossexuais e homossexuais desenvolvem a identidade da mesma maneira.213 214215

Quanto à capacidade de serem bons pais, pesquisas mostram que as crianças se desenvolvem do mesmo modo que as geradas por casais heterossexuais. Um estudo conduzido por pesquisadores norte-americanos, da Universidade da Virgínia e da Universidade George Washington, investigou o desenvolvimento de crianças adotivas em 106 famílias, 56 delas encabeçadas por casais homossexuais e 50 por heterossexuais, analisando dados de menores que, desde a tenra infância, foram adotadas por pais homoafetivos. A pesquisa revelou que,

212 LACRI, Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Paulo. A Ponta do Iceberg. 2004.

Disponível em: <http://www.usp.br/ip/ laboratorios/lacri>. Acesso em 21 abr. 2015

213 PATTERSON, C.J. Family Relationships of Lesbians and Gay Men. In: Journal of Marriage and Family, nº 62,

2004, p. 1052-1069.

214 PATTERSON, C.J. Lesbian and Gay Parents and Their Children: summary of research findings. In: Lesbian

and gay parenting: A resource for psychologists. Washington: American Psychological Association, 2004.

215 PATTERSON, C. J. Gay Fathers. In: LAMB, M. E. (ed.). The role of the father in child development. 4ª ed.

segundo os relatos de pais e professores, de modo geral as crianças estavam se comportando de forma típica.216

Verificou-se que casais homossexuais dividem de modo mais equilibrado as tarefas que a educação de crianças implica e mostram-se mais satisfeitos com o seu relacionamento com os companheiros. Os resultados de alguns estudos sugerem que suas competências parentais podem ser superiores à de heterossexuais com perfil similar.217

Finalmente, com relação ao bullying que a prole poderá sofrer por parte da sociedade, esse argumento já foi utilizado para justificar a proibição de casamento entre pessoas de raças diferentes, por estados estadunidenses. Demonstrando, assim, que está mais atrelado a preconceitos do que a fatos científicos verídicos.

Cabe salientar que indivíduos contrários à adoção conjunta, assim o fazem não embasados em pesquisas científicas ou análises de casos práticos, e sim na letra fria da lei ou em pensamentos preconceituosos, por vezes religiosos, por vezes, morais. Como explanado, não há qualquer empecilho científico que impeça a adoção conjunta.

Como visto, afora políticas públicas esparsas, a maioria ainda está pautada na esfera do assistencialismo, da concessão de direitos mínimos que qualquer ser humano deveria possuir, no entanto, a igualdade plena ainda é rara. Quando assegurada, essa se faz por meio do Judiciário, uma vez que o Poder Legislativo, com receio daqueles que os elegeram, salvo raras exceções, continua a ser silente na temática.

A segregação e a diferenciação de poderes entre grupos, além de causar desconforto social, leva muitos indivíduos a negarem a própria identidade, em razão da ditadura da maioria. A isonomia irrestrita permitiria o acolhimento social e a transformação desses em cidadãos completos.

Assim conclui Vecchiatti,

216 FARR, Rachel; FORSSELL, Stephen; PATTERSON, Charlotte. Parenting and Child Development in Adoptive

Families: does parental sexual orientation matter? Disponível em: <http://people.virginia.edu/~cjp/ articles/ffp

10b.pdf>. Acesso em 21 abr. 2015.

217 PATTERSON, C. J.; FULCHER, M.; WAINRIGHT, J. Children of Lesbian and Gay Parents: research, law,

and policy. In: BOTTOMS, B. L.; KOVERA, M. B.; MCAULIFF, B. D. (eds.) Children, Social Science and the

Inexiste fundamento lógico racional que justifique a concessão de menos direitos aos casais homoafetivos do que aqueles concedidos aos casais heteroafetivos, razão pela qual é inconstitucional a referida discriminação. Consequentemente, deve ser reconhecido àqueles o direito ao casamento civil e à união estável, visto serem os únicos regimes jurídicos que concedem às uniões amorosas a proteção do Direito de Família, além do direito à adoção conjunta, justamente pela arbitrariedade do entendimento que atualmente não a reconhece, o que pode ser feito pela interpretação extensiva ou pela analogia, que afrontam o princípio da separação dos poderes por serem técnicas hermenêuticas de colmatação de lacunas, expressamente previstas pela

legislação.218

O Judiciário mais uma vez à frente dos regramentos normativos reconheceu a possibilidade de adoção conjunta com casais homossexuais, no Recurso Extraordinário 846.102/PR, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, publicado em 18 de março de .2015, justificando no voto do Ministro Ayres Britto na ADI nº 4.277 e ADPF nº 132,219

No voto, o Ministro Relator ressaltou que “a Constituição Federal não faz a menor diferenciação entre a família formalmente constituída e aquela existente ao rés dos fatos. Como também não distingue entre a família que se forma por sujeitos heteroafetivos e a que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva. Por isso que, sem nenhuma ginástica mental ou alquimia interpretativa, dá para compreender que a nossa Magna Carta não emprestou ao substantivo “família” nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. Sabido que lugar de crianças e adolescentes não é propriamente o orfanato, menos ainda a rua, a sarjeta, ou os guetos da prostituição infantil e do consumo de entorpecentes e drogas afins. [...] Mas o comunitário ambiente da própria família. Tudo conforme os expressos dizeres dos artigos 227 e 229 da Constituição, este último alusivo às pessoas idosas, e, aquele, pertinente às crianças e aos adolescentes. Assim interpretando por forma não- reducionista o conceito de família, penso que este STF fará o que lhe compete: manter a Constituição na posse do seu fundamental atributo da coerência, pois o conceito contrário implicaria forçar o nosso Magno Texto a incorrer, ele mesmo, em discurso indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico. Quando o certo - data vênia de opinião divergente - é extrair do sistema de comandos da Constituição os encadeados juízos que precedentemente verbalizamos, agora arrematados com a proposição de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma

autonomizada família.220

218 VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti, op. cit., p. XXXII.

219 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 846.102/PR, Relatora Ministra Cármen Lúcia.

Data do Julgamento: 18 mar. 2015. “DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA E RESPECTIVAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS. ADOÇÃO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE nº 4.277. ACÓRDÃO RECORRIDO HARMÔNICO COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base na al. a do inc. III do art. 102 da Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Paraná: “APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO POR CASAL HOMOAFETIVO. SENTENÇA TERMINATIVA. QUESTÃO DE MÉRITO E NÃO DE CONDIÇÃO DA AÇÃO. HABILITAÇÃO DEFERIDA. LIMITAÇÃO QUANTO AO SEXO E À IDADE DOS ADOTANDOS EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DOS ADOTANTES. INADMISSÍVEL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. APELO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Se as uniões homoafetivas já são reconhecidas como entidade familiar, com origem em um vínculo afetivo, a merecer tutela legal, não há razão para limitar a adoção, criando obstáculos onde a lei não prevê. 2. Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculos biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento”.

O Judiciário continua dirimindo as lacunas legislativas para real aplicação dos preceitos constitucionais, no entanto, faz-se necessário que o Congresso passe a conceber os mesmos direitos a todos os nacionais ou estrangeiros domiciliados para que estes não necessitem ingressar em demandas judiciais para terem seus direitos reconhecidos.