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RELAÇÕES COM BENEFÍCIOS FAMILIARES

CAPÍTULO 3. PANORAMA SOBRE OS NOVOS MODELOS FAMILIARES

3.8. RELAÇÕES COM BENEFÍCIOS FAMILIARES

Em decorrência da urbanização, da ampla aceitação quanto às formas de opção sexual, da desnecessidade social de se casar, do adiamento de vínculos para se focar no trabalho muitos indivíduos não almejam o matrimônio ou decidiram não esperar um par romântico para alcançar a parentalidade. Com tal intuito, buscam novas formas familiares que se adequem ao seu perfil. Assim, surge um novo modelo de organização familiar pouco estudado, que engloba famílias compostas por casais, não envolvidos romanticamente, porém, com o objetivo comum de formar um núcleo e criar seus filhos. A variação do perfil, também aceitável, é composta por casais homoafetivos e um terceiro do sexo oposto que, juntos, almejam ter e criar um filho comum.

Aqui não será aprofundada a situação de casais de sexos opostos, que têm filhos e posteriormente assumem outra preferência sexual, e sim casais que não possuem o relacionamento homem-mulher tradicional. Nessas situações não há atração entre os genitores, e sim o desejo de terem uma prole em conjunto.

Cunhado um novo conceito de família, atentando muito mais à natureza do vínculo que une seus integrantes do que ao seu formato ou modo de constituição, é necessário reconhecer que outras estruturas de convívio merecem ser enlaçadas no âmbito do direito das famílias. Não há como exigir a diferença de gerações ou a prática sexual entre seus integrantes para se reconhecer a existência de uma família. Esta visão mais abrangente leva à inserção, no âmbito do conceito de família, das chamadas famílias parentais, ou seja, os núcleos de convívio formados por parentes. Não parentes no

conceito legal da expressão, segundo graus e linhas de parentesco, ao qual a lei empresta efeitos jurídicos. Merecem serem chamados de famílias parentais os vínculos de convivência em que há comprometimento mútuo decorrente da

afetividade.248

Em que pese a estranheza que esse novo vínculo possa causar em um primeiro momento, há que se ter em mente o elemento que une os envolvidos nesse modelo familiar, qual seja, a vontade prévia, que permite que estejam em uma posição superior de estabilidade ao ser comparada com relações sexuais casuais que acidentalmente resultam em gravidez.

Caso haja uma inquietação inicial em considerar todos os envolvidos como família, há que se considerar como núcleos familiares distintos, duas famílias monoparentais ou uma família matrimonial e uma monoparental, no entanto, pelo ponto de vista do menor, juridicamente, todos farão parte de sua família. Apesar de não ser um núcleo único, serão responsáveis pelo desenvolvimento, criação e demais responsabilidades advindas da parentalidade.

Apesar das dificuldades possivelmente enfrentadas, como a dissolução da amizade, o vínculo ainda é mais forte do que o de casais heterossexuais que acabam engravidando por acidente. Aqui já existe uma boa relação e um objetivo conjunto de criar seus filhos, necessitando apenas de vínculos jurídicos para tutelar a guarda e os direitos da prole, caso o bom funcionamento se desfaça. Sobre a questão, Darwinn Harnack aduz,

Nesse tipo de filiação não planejada, é corriqueira a irresponsabilidade de um ou de ambos os genitores em relação ao filho e o consequente abandono, negligência de cuidados e desestruturação na formação e educação da criança.

De outra senda, no compartilhamento formal de paternidade ou maternidade, há toda uma regulamentação previamente aceita e livremente acordada a respeito dos cuidados com o filho, exercício da guarda, manutenção financeira, moral, afetiva e as responsabilidades por eventual descumprimento.

Não se trata de conduta antijurídica ou que ofenda os padrões morais, muito pelo contrário, desde que adequadamente estruturada, tal forma de constituição de família está albergada pelo princípio do livre planejamento familiar (artigo 226 § 7º da CRFB/88 e artigo 1565, §2º do Código Civil) e pode representar base tão sólida para

a formação de novas gerações, quanto os arranjos mais tradicionais.249

Para casais de sexos opostos que resolvem ter filhos por vias biológicas não há necessidade de ações judiciais e eles farão o registro normalmente em cartório. No entanto, para

248 DIAS, Maria Berenice. Comentários – Família Pluriparental, Uma nova Realidade. 2008, p. 44. Disponível

em: <www.lfg.com.br/public_html/article.php>. Acesso em 21 abr. 2015.

249 HARNACK, Darwinn. Co-Parenting – reflexões jurídicas acerca do compartilhamento de paternidade ou

maternidade. In: Instituto Brasileiro de Direito de Família. 2014. Disponível em: < http://www.ibdfam .org.br

/artigos/981/Reflex%C3%B5es+acerca+da+%28in%29comunicabilidade+das+quotas+de+sociedades+simples% 22> . Acesso em 21 abr. 2015.

homoafetivos, biologicamente ou por meio da adoção conjunta, seria necessário a intervenção do Poder Judiciário para a resolução.

No estado de Nova Iorque, um pai homossexual conseguiu adotar a filha de sua amiga, já que ambos possuíam o objetivo comum de permanecerem na união para prover a prole.250 Ambos tentaram ter um filho em conjunto por inseminação artificial, no entanto, não obtiveram sucesso, decidindo, assim, tentar a adoção. A criança, inicialmente adotada exclusivamente pela mulher, na Etiópia, uma vez que o país não permite adoção conjunta por casais que não estejam casados, teve, nos Estados Unidos, seu registro de nascimento alterado, para englobar o novo pai.

A decisão foi viável tendo em vista que para o Estado local é possível a adoção por casais solteiros, casais conjuntamente ou dois adultos solteiros com relação íntima entre si. Em uma interpretação expansiva, a Corte entendeu que a última categoria, primeiramente destinada a uniões estáveis, também abrangeria a união em questão.

O casal optou pela guarda compartilhada, dividindo o tempo e as responsabilidades. Eles se comunicam diariamente e dividem igualmente as despesas financeiras, abrindo uma conta conjunta somente para cuidar dos interesses da filha, além de terem começado a poupar para a faculdade da menor. Possuem uma vida familiar ampla e bem cuidada, dividindo refeições, passeios e viagens com a família estendida de ambos os lados.

Após uma ação judicial e acompanhamento de assistentes sociais, foi comprovado que o casal estava comprometido com o bem-estar da filha, provendo de maneira considerada adequada pela Corte, sendo do melhor interesse da menor que ambos fossem legalmente responsáveis pela sua educação, guarda e sustento.

O estado de Nova Iorque, desde 1995, possui o entendimento de que casais que morassem juntos, porém, não fossem casados, poderiam adotar conjuntamente, independentemente da orientação sexual. Com o novo caso, desde 2013, casais que não sejam casados e coabitem podem adotar desde que haja a comprovação de um vínculo íntimo, com o objetivo de criarem a prole.

250 ESTADOS UNIDOS. Sentença de adoção do Estado de Nova Iorque, Matter of G, NYLJ 1202635384850, at

*1, aprovada em 27 dez. 2013. Disponível em: <http://www.worldmag.com/media/docs/friend_adopt_ruling.pdf>.

Nos Estados Unidos, no Reino Unido e na África do Sul existem sites de relacionamento pagos para pessoas que buscam relacionamentos com benefícios familiares251. Esses se encontram e decidem quais serão os termos da criação, que varia de somente doação de esperma à guarda compartilhada dos eventuais filhos.

Nesses locais também é possível encontrar nacionais brasileiros residentes no país que estão à procura de um companheiro para criarem seus filhos conjuntamente. Essa realidade evidencia que a questão começou a ser discutida também em âmbito pátrio.

Nos tribunais, começam a surgir demandas de casais homoafetivos que buscaram terceiros para conseguirem gerar um filho biológico, assim, no Rio Grande do Sul, foi reconhecido o direito de recém-nascida de ter duas mães e um pai como genitores no Registro de Nascimento. O trio ingressou com uma Ação de Suprimento de Registro Civil com Multimaternidade, na Comarca de Santa Maria, antes do nascimento da menor pensada, almejada e planejada pelos três, fruto de concepção natural.

O magistrado reconheceu que as mães casadas civilmente, que decidiram ter a criança juntamente com um amigo de longa data, em que todos participaram ativamente de todas as fases de preparação, gestação e parto, tendo intenções de criar a filha conjuntamente, assistiam ao direito de ter seus nomes reconhecidos na Certidão de Nascimento.252 Para isso, baseou-se na ausência de impedimentos legais, nos princípios da pluralidade constitucional de

251 Esses websites são: <http://www.co-parentmatch.com/>, <http://www.pollentree.com/>, <http://modamily.

com/> e <http://www.coparents .com/>. Acesso em 21 abr. 2015.

252 BRASIL. Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, Comarca de Santa Maria, no Processo nº 027/1.14.0013023-

9, magistrado Rafael Pagnon Cunha. Data do Julgamento: 11 set. 2014. “Na riquíssima experiência de um lustro de Jurisdição exclusiva de Família, pronunciava às pessoas, diária e diuturnamente, das poucas certezas que tinha: que afeto demais não é o problema; o problema é a falta (infinda, abissal) de afeto, de cuidado, de amor, de carinho. O que intentam Fernanda, Mariani e Luis Guilherme, admiravelmente, é assegurar à sua filha uma rede de afetos. E ao Judiciário, Guardador das Promessas do Constituinte de uma sociedade fraterna, igualitária, afetiva, nada mais resta que dar guarida à pretensão – por maior desacomodação que o novo e o diferente despertem.

As Mães são casadas entre si, o que lhes suporta a pretensão de duplo registro, enquanto ao Pai igualmente assiste tal direito.

A desatualização do arcabouço legislado à velocidade da vida nunca foi impediente ao Judiciário Gaúcho; a lei é lampião a iluminar o caminho, não este, como já se pronunciou outrora; a principiologia constitucional dá guarida à (re)leitura proposta pela bem posta inicial.

[...]

Forte, pois, na ausência de impedientes legais252, bem como com suporte no melhor interesse da criança, o

acolhimento da pretensão é medida que se impõe.

Isso, posto, julgo procedente o pedido, para o fim de determinar a expedição de mandado ao Registro Civil, anotando-se a paternidade e a dupla maternidade (e respectivas ascendências), nos termos do pedido”.

família, supremacia do afeto e do melhor interesse da criança, por fim, reconheceu como exemplificativo o rol do artigo 226 da Constituição Federal.

No entanto, muitos casos podem ser apenas um contrato de negócios sem laço posterior, o que acaba, por vezes, sendo prejudicial para todos os envolvidos, uma vez que para qualquer ligação familiar ter maior êxito seria necessário que ambos os pais que decidirem ser amigos com extensões familiares tenham uma conexão, um relacionamento anterior que os una. Além de, pela legislação vigente, ambos os genitores deverem prover pelo bem-estar do menor.

Para auxiliar na solução de questões legais de países anglo-saxões onde a prática tem aumentado, casais acordam com contratos com cláusulas referentes à custódia, auxílio financeiro e formas de criação. Apesar de não terem validade legal, auxiliam o magistrado a entender as particularidades e as intenções de cada casal, além de ser um para esclarecer as regras para os particulares envolvidos. Ao formular o contrato, devem analisar as viabilidades e se estão de acordo com as futuras hipóteses que surgirão no decorrer da vida de seu filho.

Em virtude do frescor advindo de tal união, novos estudos serão necessários sobre o tema para acompanhar o formato familiar e os efeitos a longo prazo de tal modelo de criação.