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2 COMPREENDENDO A ADOLESCÊNCIA, O ADOLESCENTE NA

2.2 Adolescência e os ritos de passagem

Platão (Atenas 428/427 – Atenas, 348/347 a.C.), o filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, acreditava na dualidade corpo-alma, o pensamento racional e crítico era ausente na criança, e só iria surgir no final da infância, levando-os a patamares mais elevados de desenvolvimento da alma, e após muito tempo de ensinamentos e de educação eram considerados cidadãos.

Na Grécia antiga, os rapazes passavam por um longo período de iniciação, período esse que os preparava para ser um futuro cidadão. Existiam dois tipos de iniciação na era clássica e helenística de Atenas. A primeira consistia em apresentar o jovem à pátria paterna, enquanto a segunda era a apresentação do jovem ao serviço militar, a efebia. As duas tinham muita importância, e era fundamental ao jovem passar pelas duas.

Para Aristóteles (384 a.C. – Atenas, 322 a.C.), os jovens são levados por seus impulsos, principalmente os sexuais, são apaixonados, são volúveis, têm desejos transitórios, levam tudo ao extremo, sejam sentimentos de amor ou ódio, os jovens acham que sabem de tudo.

Na Idade Média (séculos V a XV), crianças e adolescente não tinham nenhum status especial, e logo que a criança era desmamada, por volta dos 6 anos, iria fazer parte do mundo dos adultos em vários aspectos, no âmbito do trabalho, lazer, eram vistos como adultos em miniatura, e a educação era sob o contexto cristão e visava à repressão dos impulsos do pecado para encontrar a salvação.

O conceito de adolescência pode ser datado, pois os estudiosos o situam como tendo nascido com a Revolução Francesa. Ele surge com mais nitidez no século XIX e, no século XX, ganha fundamentos médicos. Apenas no século XX, a adolescência passa ser estudada e reconhecida, social e amplamente, como um período específico do desenvolvimento humano.

É comum nos estudos sobre adolescência dizerem que, nas sociedades ditas primitivas, a adolescência não existia, enquanto tal, pois ao invés disso era substituída pelos ritos de iniciação, antecedidos de um período preparatório de reclusão dos meninos, quando aprendiam sobre o significado dos costumes e crenças, adquiriam competências e recebiam a herança cultural. Os ritos são meios de apresentação social dos mais novos, compreendidos por alguns estudiosos como saudáveis, do ponto de vista psíquico e da interação social com o meio tradicional, por serem partilhados. Os meios empregados nessa prática agem por deslocamento simbólico:

Os meios empregados agem por deslocamentos simbólicos: citemos a perfuração de orelhas nos povos Manus (arquipélago de Almirantado) estudados por Marguerite Mead, a absorção de esperma de seus amigos virgens pelo jovem Baruya (Golfo de Papauásia), retratado por Maurice Godlier. Mas, mesmo nessas sociedades, a organização dos adolescentes pode substituir os ritos. É por isso que não existe nenhum rito de iniciação entre trombriandeses (Nova Guiné), estudados por Malinowski. Nessa sociedade matriarcal em que o tio por parte da mãe desempenha

o papel de pai, os adolescentes do sexo masculino deixam a casa dos pais para morar numa casa coletiva, o bukumatula, onde encontram suas bem-amadas. (DELAROCHE, 2008, p. 3).

Nas sociedades tradicionais, os ritos têm um caráter de iniciação e, de forma geral, são guiados ou ensinados por alguém mais velho, mais sábio. Entre os primitivos, a iniciação, para que fossem abertas as portas da vida, dava-se em torno da morte, tanto simbólica quanto literal. Em tempos passados, os meninos iniciados precisavam, de certa forma, morrer simbolicamente, em ciclos de morte e renascimento, representado a renovação de algo: o menino morre para que o homem possa viver. Por exemplo, é muito comum em tribos africanas o rito da circuncisão de meninos. Esses ritos envolvem não apenas a transição das dependências da infância para a autossuficiência da idade adulta, mas também têm a função da transmissão de valores, como a qualidade e o caráter da cidadania, e as atitudes e as crenças que ligam a pessoa aos seus deuses, à sociedade e a si mesma (HOLLIS, 2008).

No momento da iniciação acontece a “morte do ego”, segundo entendimento de cunho mais psicológico. Falamos aqui de um estágio de desenvolvimento que é concluído, ou seja, um aspecto mais antigo da pessoa dá passagem a uma versão nova e ampliada. Muitos modelos de ritos de passagem falam da morte do ego para o renascimento desse sujeito, um novo homem nasce. Os Ritos de iniciação dos primitivos tinham essa função para os jovens. Hoje em dia, os ritos desapareceram, existe uma ânsia pela morte simbólica saudável em muitos adolescentes. Eles anseiam por ela, mas somos descuidados, como guias, em lhes fornecer uma passagem segura até ela. Como afirma Meade (2006), “Ao invés de passar por pequenas mortes simbólicas, os jovens ajudarão a queimar as vilas e as cidades...”.

[…] a ideia da passagem é essencial, pois todas as passagens implicam o fim de algo, algum tipo de morte, e o início de algo, algum tipo de nascimento. Somente a morte é estática; o princípio da vida é a mudança, e temos de passar por muitas mortes e renascimentos para levarmos uma vida significativa. (HOLLIS, 1995). Os adolescentes/jovens têm um impulso para a sua morte simbólica como crianças, para renascerem de si mesmos modificados, como adultos. Compreendermos que essa busca se dá na forma como são levados a assumir os mais diversos riscos para testarem a si mesmos. Se não oferecemos estrutura e espaço para tais mortes simbólicas e propensões a correr os riscos precisos, os adolescentes continuarão a perseguir fatores arquetípicos inconscientes embutidos neles há muito tempo. Sem um guia seguro, que ilumine nessa jornada, eles serão forçados a fazer do jeito deles, irão cair muitas vezes em caminhos de

profundo desalento para todos. Caminhos trágicos, muitas vezes sem retorno e sem renascimentos.

O resgate dos ritos se faz preciso na vivência e no valor que se dá as mudanças e etapas de vida, isso auxiliaria para que as dificuldades sejam vistas e experienciadas mais positivamente pelos jovens, de forma mais rica em vez de serem vistas como assustadoras e perigosas. Passar pelas provas da vida é uma tarefa para o nosso herói interno, e cada um de nós tem a sua jornada do herói. O mito do herói é um tema que se repete em várias histórias que encontramos em diferentes culturas desde os tempos mais remotos, tempos imemoriais. Ele representa a transição psíquica que fazemos entre uma fase de nossas vidas e a fase seguinte.

Os rituais de iniciação tinham valor educativo: em primeiro lugar, tinham um valor moral: aprende-se a suportar a dor, a passar por momentos difíceis; possuem um valor social e político: o menino aprende a obediência aos mais velhos, aprende a suprir as necessidades de suas famílias e a servir aos idosos; possuem um valor religioso, evidenciado por ser o totem o centro do culto nas cerimônias; o totem é considerado o aspecto mítico da tribo; carrega em si um valor prático: os jovens aprendem a caçar animais, preparar o fogo e preparar alimentos.

Os momentos de transição continuam a acontecer na vida de cada ser humano, percebe-se que no mundo moderno, em oposição ao que foi aqui referido das tradições ritualísticas tribais, não se tem dado o devido valor e atenção a essas fases do desenvolvimento humano, principalmente os adolescentes, os jovens em geral, não estão conseguindo simbolizar essas etapas, ou seja, estão perdidos, sem compreenderem o sentido de cada acontecimento, quantas vezes iludidos com possibilidades de consumo e/ou de mera pertença a grupos de idade.