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Afetividade e Conexão Pessoal no encontro com os objetos

6. DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

6.1. Afetividade e Conexão Pessoal no encontro com os objetos

objetos

Com a operação epistêmica de Afetividade observamos a frequente expressão no diálogo das ligações afetivas e emocionais de prazer, admiração e surpresa, e em menor proporção medo ou desgosto, realizadas pelos visitantes no encontro com os objetos expostos. Em nossos resultados essa categoria apareceu em 52,6% dos segmentos de conversa. Essa proporção alta não chega a surpreender uma vez que os objetos nos museus são reconhecidos e valorizados em grande parte por seu aspecto motivador e inspirador (EVANS; MULL; POLING, 2002; FALK; DIERKING, 2000, 1992). Particularmente os animais, enquanto objetos de exposição, são reconhecidos por despertar reações afetivas nos visitantes, especialmente as positivas (CLAYTON; FRASER; SAUNDERS, 2008; ASH et al., 2007, ALLEN, 2002; TUNNICLIFFE, 1996, 1995). Essa alta expressão de afetividade indica a forte ligação que os sujeitos desenvolvem com os elementos da exposição, a qual também funcionou várias vezes como um ponto de partida para as conversas sobre os objetos.

Em relação a isso, observou-se que as operações epistêmicas de Afetividade relacionadas à surpresa/admiração apresentaram uma recorrência na introdução de um novo objeto na conversa. Nesse sentido essa operação se apresenta relacionada ao direcionamento da atenção, e logo, à alta atratividade dos objetos. Além disso, objetos com os quais o indivíduo possui alguma ligação afetiva tornam-se mais atrativos a ele, o que pôde ser observado em falas como “Ói que lindo! NOSSA! A gente gosta disso” (Sequência 1, turno 2) quando Aluizio encontra o diorama da Amazônia, ou João ao avistar a iguana: “J: Mano, eu tenho horror a esse bicho” (Sequência 44, turno 135). Esses objetos com os quais os sujeitos tinham uma ligação afetiva anterior, tanto positiva como negativa, atraíram a atenção deles. É necessário ressalvar que as operações epistêmicas de afetividade não estão relacionadas apenas a uma conexão afetiva anterior do sujeito, mas também expressam a realização de uma conexão afetiva que é produzida na situação, em especial nas reações de descoberta ou surpresa.

Em concordância com nossos dados, Allen (2002) observou que as duplas visitando a exposição Frogs apresentaram 57% de segmentos de conversa com essa operação. Uma alta ocorrência de operações de afetividade também foi observada, por exemplo, por Ash e colaboradores (2007), na análise de famílias em visita a um centro de biologia marinha, e por Fienberg e Leinhardt (2002), avaliando a conversa de grupos em visita a um museu histórico. Essa alta ocorrência de conexões afetivas indica o potencial dos objetos de museu em despertar o interesse dos visitantes. Para Vigotski (2009), em toda a ideia existe uma relação afetiva do homem com a realidade nela apresentada. A afetividade é considerada nesta pesquisa como um dos aspectos da percepção e por isso intrinsecamente relacionada à interação do indivíduo com seu meio. O engajamento afetivo dos visitantes com os objetos expostos está relacionado com seus interesses e motivações, que por sua vez estão relacionados à aprendizagem (FALK; DIERKING, 1992).

Além do aspecto motivador, Fienberg e Leinhardt (2002) destacam o papel da afetividade em estimular uma resposta do(s) parceiro(s) mesmo que seja um simples “haham”. Assim, além de poder ser um disparador de conversas, o compartilhamento de emoções com relação aos objetos também contribui no fortalecimento da interação e na manutenção da Zona de Desenvolvimento Intermental.

Nossa operação de Afetividade expressa conexões subjetivas que estão assentadas na dimensão afetiva mais ampla que se refere Vigotski (2009), a qual inclui as motivações, interesses e necessidades dos indivíduos. Ou seja, essa operação esta relacionada com a própria identidade do sujeito. Outra operação epistêmica que expressa de forma mais explícita esse vínculo com elementos da identidade é a operação de Conexão com a vida pessoal, pela qual os sujeitos compartilham experiências passadas com os objetos. Essa operação, algumas vezes tem como disparador um vínculo afetivo do sujeito com o objeto, o que acaba por aproximá-la da operação de Afetividade.

Essas duas operações, Afetividade e Conexão com a vida pessoal, talvez por não se tratarem de uma troca substancial de conhecimentos nem sempre têm sua importância considerada nos estudos de conversas de aprendizagem, entretanto dada a recorrência com que aparecem talvez não devam ser negligenciadas. Partindo da compreensão do significado da palavra como um processo, que se desenvolve no indivíduo e que é constituído também pelos sentidos (mais pessoais) atribuídos (Vigotski, 2009), consideramos que essas duas operações ganham relevância como parte da construção dos significados e compreensões dos objetos e do próprio conhecimento a eles associado.

Em nossa investigação, as operações de Conexão com a vida pessoal apareceram em 25,5% dos segmentos de conversa, resultado próximo ao observado por Allen (2002), de 20%. Allen ressalta que um dos aparatos com mais Conexões pessoais tinha justamente como objetivo que os visitantes conectassem sua própria história à exposição e se tratava da reprodução de uma imagem de um conhecido livro infantil sobre sapos. No nosso caso as Conexões pessoais referiram-se principalmente a experiências anteriores com os animais, próprias ou de pessoas conhecidas. A singularidade da relação estabelecida entre os indivíduos e a exposição é reconhecida por Leinhardt e Crowley (2002, tradução nossa) que colocam que

[...] nem todos os visitantes irão experimentar nem mesmo as propriedades objetivas dos objetos da mesma maneira, e mesmo que essas experiências sejam aproximadamente equivalentes, o aprendizado não necessariamente será o mesmo

As nossas operações epistêmicas de Conexão com a vida pessoal de certa forma são indicadores da experiência prévia dos sujeitos relacionadas aos objetos expostos. Essa conexão dos visitantes com a exposição é bastante desejada, estando relacionada à motivação do visitante, à aproximação e conexão inicial com o objeto, que antecede e possibilita um engajamento mais profundo com a exposição. Fienberg e Leinhardt (2002), por exemplo, observaram que visitantes com maior conhecimento e experiência prévios com a temática da exposição apresentam uma maior probabilidade de engajarem-se de forma mais elaborada do que aqueles com menor conexão com o conteúdo.

No entanto, os resultados obtidos por Leinhardt e Knutson (2002) geram uma controvérsia na importância das Conexões pessoais para a aprendizagem, pois dentre as suas cinco categorias de conversação analisadas, a Síntese pessoal (que se aproxima da nossa Conexão com a vida pessoal) apresentou uma correlação negativa com outras três: Síntese, Análise e Explicação. Ou seja, nos resultados desses autores, quanto mais um grupo conversa sobre sua conexão pessoal com o objeto menos eles realizam Síntese, Análise e Explicação, que por sua vez são muito valorizadas nos processos de aprendizagem. Apesar da operação de

Síntese pessoal se correlacionar positivamente com a Medida Geral de Aprendizagem56

56 Essa medida de aprendizagem considera o tempo de engajamento dos visitantes na exposição e o conteúdo

temático – relacionado à exposição - de conversas em uma atividade pós-visita (LEINHARDT; KNUTSON, 2002, p. 170).

, essa correlação, na pesquisa citada, deu-se em um menor nível comparando-a às outras operações.

Contudo, se por um lado as conversas de Conexão com a vida pessoal podem caminhar para um afastamento da exploração do objeto em direção às histórias pessoais, como na pesquisa citada, por outro, o que se observou em nossa investigação foi que por meio das lembranças pessoais as duplas exploraram aspectos do objeto e ainda agregaram temáticas que apesar de não imediatamente presentes na exposição estavam relacionadas aos objetos de forma pertinente, como as questões da alimentação da arara (Sequência 25), ou da relação do organismo taxidermizado com as práticas humanas como no caso sobre o consumo e criação de Cateto (Sequência 45), ou ainda a comercialização ilegal de animais (Sequência 24).

Os objetos de um museu possibilitam conexões com conceitos e áreas de conhecimento, mas também com experiências pessoais dos indivíduos. Os objetos despertam a construção de significados e sentidos, e esses passam pelas conexões afetivas ligadas a percepção e pelas conexões pessoais, que vez ou outra aparecem em formas de narrativas. Os objetos despertam histórias e é a riqueza, o poder e a emoção das histórias que une os objetos com os observadores tornando sua “leitura” agradável (VAN KRAYENOORD; PARIS, 2002).