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CAPÍTULO III OS FAMILIARES DE DIOGO VAZ PENALVO NAS MALHAS DA

3.3 Affonso Mexia Semedo

Afonso Mexia Semedo, meio cristão-novo, era filho de João Mexia Semedo e Innes Vaz, irmã de Diogo Vaz, Pedro Vaz e Anna Rodrigues. Foi preso por culpas de judaísmo em 24 de outubro de 1662. Na época da sua prisão sua mãe já havia falecido e seu pai, que também fora preso pela Inquisição, estava casado com Isabel Pereira. Ele era estudante de artes e seu processo foi arrolado pela Inquisição de Évora.

62 A finalidade do auto de fé não é só propagar o temor por meio do grande espetáculo do castigo; ao mesmo

tempo, era um rito para a eliminação do mal, da erradicação da infecção das calúnias judaicas, de purgar tanto coletiva quanto física e espiritual: na cerimônia se uniam o terror e a purificação, através da penitência e do fogo (tradução livre).

No início de seu processo constam sete acusações que Affonso recebeu de pessoas já presas pela Inquisição e que o denunciaram por práticas judaizantes. Um dos seus delatores foi sua prima Isabel Mexia Ferreira, que afirmou que quando estavam vários membros de sua família na casa da tia de sua mãe, Anna Rodrigues, tanto Afonso Semedo quanto outros parentes confessaram entre si que eram seguidores da Lei de Moisés para serem ricos e por sua observância rezavam a oração do pai nosso ao Deus de Moisés, guardavam os sábados vestindo as melhores roupas, varriam a casa as avessas e não comiam carne de porco, lebre coelho e peixe de pele63.

Percebemos que, no geral, os mesmos nomes que apareceram no processo de Anna Rodrigues vão aparecer no processo de seu sobrinho Affonso e de seu cunhado João Mexia. Isso ocorreu principalmente em virtude do parentesco das pessoas envolvidas, tendo a maioria ascendência judaica. Além disso, as práticas citadas como judaicas são poucas e constantes nos diferentes processos analisados em nossa pesquisa, em virtude do grau de fiscalização do Santo Ofício na vida das pessoas.

Ao conseguir a confissão de um membro da família, era possível arrolar diversos casos e iniciar os processos de várias pessoas, que, muitas vezes não conseguiam suportar a humilhação, a prisão, que a separava de toda sua rotina de vida, parentes, amigos, emprego, etc. O sofrimento que tais prisões causavam aos filhos, pais, cônjuges que além de estarem afastados do ente querido, se viam em uma posição de constante medo por serem, talvez, o próximo a ser preso. E mesmo quando a sentença era a mais “leve”, como o hábito penitencial, toda a humilhação de ser visto pela sociedade como um ex-prisioneiro levava ao agravo ainda mais da vexação. Impossível é para nós hoje avaliamos a repercussão disso para as famílias afligidas.

Com menos de um mês no cárcere, Affonso Mexia começou a confessar práticas judaizantes que teria aprendido com o seu pai, tendo-lhe dito que a Lei de Moisés era boa para salvação e por isso deveriam guardar os sábados de trabalho, encomendando ao Deus de Moisés a oração do Pai Nosso, deixar de comer carne de porco, lebre, coelho e peixe de pele.

63 De acordo com a denúncia de sua prima Isabel Mexia Ferreira, os que confessaram seguir a Lei de Moisés

além de Afonso Mexia Semedo foram: A sua avó Innes Mexia, João Mexia Semedo (pai de Afonso), Miguel Rodrigues (irmão de Afonso), Francisco Mexia, Diogo Mexia Vaz, Leonor Dias, Isabel da Silveira e Maria Lopes. Todos com algum grau de parentesco.

88 Além de confessar, ele deveria dizer quem compartilhava da mesma fé que ele, senão, sua confissão era considerada incompleta e ele poderia ir ao tormento, ou ter uma pena maior. Entre os nomes que ele citou, está o de sua tia Anna Rodrigues:

[...] que hauera quatro annos emCampo mayor em casadesuatia materna Anna Rodriguez christa noua casada comAntonio Coelho soldado doterço da armada seachou com ella eestando ambos sos entrepraticas sedeclraraõ elle confitente eaditasuatia que criaõ e uiuiaõ naley de Moyses perasaluacaõ da suas almas e pos naguarda jejuauam a Raynha Esther nassegundasfeiras de toda semana comendo hua so ues nodia [...] enaõ comia carnedeporco lebre enelle irem[ilegível] pexedepelle enaõpassaraõ mais (PT/TT/TSO- IE/021/7494: 61).

Nessa citação vemos uma confissão que não foi encontrada em todos os documentos analisados, porém, era atribuída aos criptojudeus, que consistia no jejum da Rainha Esther às segundas-feiras. A história bíblica de Esther era inspiradora para os cristãos-novos devido ao tempo que ficou com sua identidade judaica escondida no império persa, e isso permitiu que ela salvasse o seu povo de um grande massacre.

Outro membro da família denunciado por ele foi o irmão Francisco Semedo, o qual afirmou que os dois criam e eram observantes da lei de Moisés, além de sua tia Anna Rodrigues e mais alguns parentes cujos nomes aparecem denunciados também na documentação de sua tia e de seu pai.

Em 11 de junho de 1663 foi lida sua sentença, que consistiu em cárcere, hábito penitencial, abjuração e penitencias espirituais. Já em 26 de outubro do mesmo ano, foi-lhe tirado o hábito e liberado da prisão, só podendo sair do Reino com autorização da Mesa Inquisitorial. Além disso, deveria se confessar nas festas principais e foi proibido de ter ouro, prata e armas:

[...] emaudiencia datarde mandou uir perantesi a Affonco Mexia Reo preso e reconciliado que foi por esta Inquisicao em dese dipunho deste presente anno; esendo presente com sua habito penitencial, os dittos seres, por constar que elle estaria sufficientemente instuido confessado e comungado, lhe mandarão tirar o habito penitencial que tinha a arbítrio dando lhe licença para que elle fosse para onde bem lhe estiuesse com tanto que se não sahia deste Reino sem licença desta meza, eneste primeiro annose [...] confessara pellas quatro festas principais della asaber Natal, Paschoa daResurreicao, do spirito santo e pella festa denossasenhora da Asumpçaõ; e em cadasemana rezara dou Rosarios anossasenhora e as sestas feiras sinco Padre Nosso senhor esinco Aue Maria [...]; e em sua pessoa não trará ouro, prata, Nem uestido desida, nem trará outrosi armas offensiuas ou defensiuas, posto que seja orbigado atellas, Nem andara a concelho salua for caminhando, e

comprira o mais que prometeo em sua abjuracão. oque tudo prometeo comprir sob cargo, do juramento dos Santos Euangelhos emque pos sua mao deque fio este termo demandado do ditto senhor nottario que o escreuy (PT/TT/TSO-IE/021/7494: 110 e 111)64.

Essa citação contém um diferencial com relação aos outros processos investigados, pois mostra a proibição do uso de itens preciosos, além de não poder portar armas nem roupas de ceda.

Se a vigilância ao cristão-novo era intensa, ela aumentava quando uma pessoa passava por algum processo, pois, como já vimos se voltasse ao “erro” era considerada “relapsa”, e teria a pena máxima. Ao ser advertido e ter assinado o termo de segredo, e abjurado publicamente no auto de fé, o processo foi encerrado. Similaridades encontraremos no processo de seu pai João Mexia Semedo no que segue.

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