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4 FRACASSO ESCOLAR de como se tornou “fracasso” ou como atinge

4.1 Afinal, em que consiste o fracasso escolar?

Os critérios para se definir o fracasso escolar são vistos de dois modos diferentes: primeiro, alunos com baixo rendimento escolar, isto é, aqueles que ao longo da escolarização não alcançam um nível mínimo de conhecimentos; segundo, alunos que abandonam a educação obrigatória (MARCHESI E PÉREZ, 2004). Nosso trabalho se restringe aquelas crianças que supostamente não alcançaram seus conhecimentos e que são rotuladas de fracassadas.

A consideração dos diferentes significados do fracasso é fundamentada na suposição de que os conhecimentos gerais da sociedade e das habilidades exigidas para as pessoas se incorporarem no mundo do trabalho leva a uma conclusão interessante: alunos que não fracassaram nos anos 70 poderiam ser considerados fracassados em 2002. O ponto crucial, portanto, é a dificuldade de, em cada momento histórico, se situar os conhecimentos básicos requeridos para a integração na sociedade.

São esses conhecimentos que embasam a delimitação das possíveis causas para se explicar o fracasso. Eles incluem fatores vinculados aos alunos e à escola. Em relação aos fatores vinculados aos alunos, atribui-se o fracasso à sua carga genética, motivação e capacidade. Os fatores sociais, culturais e a escola teriam o papel de reproduzir as diferenças entre os alunos que se encontram na sociedade. Portanto, a maioria dos estudos incorpora várias dimensões para se compreender esse fenômeno, a exemplo da estatística, dos valores sociais, origem social dos alunos e processos avaliativos.

Torres (2004) aponta que as estatísticas educativas omitiram o fenômeno da repetência em função da universalização do ensino fundamental, limitada apenas à matrícula. Isto inclui os alunos que se evadem ou que são repetentes, o que mostra o critério da quantificação não ser esclarecedor.

Em geral, o sistema escolar instaurou a repetência como mecanismo regulador que inibe o ensino e a aprendizagem, ou seja, apontar os “melhores” e os “piores”. Pedagogicamente, a repetência se baseia em premissas erradas: que o aluno não aprendeu ou não aprendeu suficientemente. Socialmente, a repetência reforça o circulo vicioso das baixas expectativas, do baixo rendimento, da baixa autoestima e do fracasso.

Outras questões são colocadas a partir dos termos exclusão e inclusão. Ferreiro (2004) indica que a exclusão na escola se refere a uma categoria de crianças que apresentam grande defasagem nos estudos em relação ao padrão esperado de aprendizagem. Isto indica que estar na escola não é condição essencial para aprender; apenas dá a idéia de estar incluído.

Essas questões indicam que o conceito de fracasso escolar é concludente e globalizante: isto é, o aluno fracassado o é em sua totalidade, o que indica a não consideração por seus saberes.

Charlot (2000) conceitua reprovação como a não aquisição de certos conhecimentos pela criança, o que para ele é uma chave para interpretar o que está ocorrendo nas salas de aula. Considera a relação com o saber um ponto de discussão a fim de retirar a produção do fracasso escolar, percebendo que existem apenas situações de fracasso vivenciadas pelas crianças.

O autor desmistifica a ideia de que a origem social da criança e sua suposta deficiência são causas do fracasso escolar. Em sua análise, chega à conclusão de que os dados estatísticos encobrem práticas experienciais multifacetadas. Isso porque a Sociologia analisou as posições escolares dos alunos, interpretando-as como diferenças: quando se afirma que um aluno está na 3ª série, com 14 anos, só tem sentido quando se sabe que a maioria das crianças entra na escola aos 7; se um aluno tira 2 num teste só faz sentido falar em fracasso se todos tiverem nota baixa. Assim, as respectivas diferenças, e não as posições em si, é que permitem falar de fracasso escolar. É esse tipo de diferenças a que a estatística recorre: se interpreta que a origem social é a causa do fracasso e que os alunos têm deficiências culturais: a posição torna-se origem e a diferença, falta. O autor considera essa interpretação abusiva na medida em que correlação estatística não é causa de um elemento (elas podem ter uma relação, mas serem efeitos de um terceiro elemento).

Outra interpretação abusiva ocorre quando a diferença é pensada como deficiência sócio-cultural. A deficiência é colocada como uma falta. Se inquire: falta de quê? Ora, “quando um aluno está em situação de fracasso, constatam-se diferenças entre esse aluno e os outros ou também entre o que se esperava e o resultado efetivo” (CHARLOT, 2005, p. 27). Para o autor se o aluno não sabe é preciso perguntar o que foi que aconteceu e onde a atividade não funcionou. Mas não é isso que se faz, quando se raciocina em termos de deficiências. A deficiência

do aluno é colocada como falta. Nessa ótica, não concorda que o fracasso escolar seja explicado por uma cadeia de faltas em termos de causalidade, isto é, a origem familiar produzindo a deficiência e esta produzindo o fracasso escolar: a posição da criança na sociedade não se reduz à posição social dos pais, mas, à interação com outros adultos e crianças.

Essa construção teórica de que fracasso escolar é produzido por deficiências das crianças e da origem social das famílias, arraiga-se na experiência profissional dos docentes que interpretam esse fracasso à luz de seus interesses ideológicos, e traz benefícios: não enxergar sua prática e responsabilizar a sociedade que reproduz desigualdades, faltas e deficiências. Essa posição é que remete o fazer da leitura “negativa” do fracasso, que reifica as relações para torná-las coisas e explica o mundo por deslocamento das faltas (CHARLOT, 2000).

O autor propõe uma leitura positiva, que é ler de outra forma, isto é, saber o que está ocorrendo, qual a atividade colocada pelo aluno, qual o sentido da situação para ele e qual o tipo das relações mantidas com os outros. Busca compreender como se constrói a situação de um aluno que fracassa, e não o que falta para esse aluno ser bem sucedido.

Nesse sentido, a expressão emocional se caracteriza, para nós, como uma das formas de conhecer como se constrói o “fracasso”, nas interações em sala de aula. Essa concepção é coerente com Wallon (1941/2007), ao afirmar que o ser humano é um ser geneticamente social, isto é, que necessita do outro para se complementar dentro de um contexto cultural.

Charlot (2000) concorda com essa posição na medida em que considera que, ao nascer, penetramos na condição humana, e, com isso, somos obrigados a aprender, para viver com outros homens. Entretanto, na escola, a aprendizagem relacional se pulveriza quando se observa que na Pedagogia há divisão do trabalho em que a qualificação profissional é programada para alguma coisa ser feita, e outras não. Essas questões são centrais para se compreender a lógica que leva à questão do sentido: quando o aluno não entende o que o professor explica, cria-se uma situação de tensão que nem sempre está ligada à questão intelectual. Além disso, a lógica das crianças difere das dos professores: quando o aluno não sabe uma letra, ele diz que lê outra. E quando vários alunos não entendem, a tendência da professora é explicar, mas quando um só não entende, há uma tendência em deixá-lo de lado. Essa é uma das formas de se produzir desigualdades.

A questão é saber de onde vêm as desigualdades de sucesso na chegada, se havia igualdade na partida (acesso à escola). Uma das respostas é que há desigualdades naturais entre os homens, e que quem deve realizar essa igualdade de oportunidades é o professor. Para o professor, a ideia de que seu trabalho produz a desigualdade num momento em que ele dá atenção ao aluno e se este aluno não aprende, é afastada. São formas de auto-proteção de sua imagem, quando ele afirma que tentou de tudo com o aluno, mas nada funcionou. Além disso, trabalhar numa sociedade na qual ele se sente desvalorizado gera tensão, aumenta a sua angústia e endurece seu discurso, auto-justificativo e acusatório. Esse discurso é dirigido aos alunos que não aprendem e ao capital cultural dos pais (CHARLOT, 2005).

Nesse cenário, a presença ou a ausência de determinados valores são um dos fatores que contribuem para produzir o fracasso. Assim, o fracasso é um fenômeno produzido pela ação dos seres humanos, e, por ser um produto humano que ninguém deseja e que ninguém diz produzir, dá a ilusão de ser um fenômeno espontâneo e natural (ROVIRA, 2004).

Os valores são encontrados como conceitos e como imagens na mente humana, como atitudes, hábitos e virtudes, se transformam em disposições recorrentes que permitem aos humanos atuar de certo modo, e, por fim, se plasmam em normas, em práticas e em instituições sociais. Nesse sentido, alguns hábitos ou práticas de alunos podem ser um fator causal de fracasso escolar.

Além dos atributos dos alunos para a produção do fracasso, Traver (2000) aponta que a sociedade valoriza o êxito porque vive numa cultura competitiva onde o triunfo é acompanhado pelo reconhecimento social. Assim, não existem culpados nem vítimas desse fracasso: todos somos culpados e todos sofremos as consequências.

Outros autores, a exemplo de Sacristan (2007), não concebem o fracasso escolar como uma derrota do sujeito, mas como fracasso acadêmico por ser um desajuste entre as expectativas e as possibilidades reais que a instituição oferece. As consequências desse fracasso são a negação do direito à educação, especialmente no âmbito da educação obrigatória. O autor considera que nesse sentido o fracasso escolar existe e que esse fracasso é da escola. Nesse enfoque, quanto mais se universaliza a educação, mais indivíduos e mais variáveis se incorporam a ela, e mais produtos atípicos produzem.

Assim, a discussão de quem fracassa, se o aluno ou a escola, é pertinente, dada a multiplicidade conceitual que inclui aspectos sociais e avaliativos, e que remetem a fatores macro e microsestruturais na sua concepção e produção.

Há consenso sobre a concepção de que o fracasso escolar se deve ao estudante que não consegue aprender o que a escola lhe coloca, mas considerando diversos fatores macrossociais (SANCHEZ, 2003; GONZÁLEZ, 1991; SCHMELKES, 2002; MALDONADO, 2000).

Outros autores consideram fatores microestruturais, a exemplo de Colello (2000) que aponta a formação dos professores como fator que produz o fracasso escolar, enquanto Izquierdeo (2004) inclui a atitude do professor, suas crenças e expectativas sobre a capacidade do estudante, considerando também o currículo.

Sanchéz (2003) aponta que o fracasso é da escola, e utiliza três denominações que abrangem a condição do fracasso: baixo rendimento, repetência e evasão. Para o autor, a criança repete porque seus professores acham que o aluno não aprende o que deveria e a reprovação é injusta e unilateral porque grande parte das competências estabelecidas pelo currículo básico se adquire fora do âmbito escolar. Com isso, a partir da avaliação do professor, há a repetência.

Essa perspectiva conduz à discussão sobre qualidade do ensino tal como é apontado por Schmelkes (2002): a definição de qualidade do ensino se embasa em função dos resultados da aprendizagem. A ideia de igualdade para lidar com desiguais só piora a situação. Para a autora, o sistema educativo não ignora as diferenças, pois implementa estratégias e, levam a resultados desiguais.

Demo (1998) pontua que o termo qualidade é marca central das coisas e dos seres, porque é participação, solidariedade e perfeição historicamente possível, e não se restringe ao conhecimento formal. Assim, existe qualidade na educação quando há emancipação e formação da competência humana. De forma oposta, se encontra o “fracasso” como o baixo rendimento escolar, focalizando o “bom menino” que nada inventa, que se torna fiel às normas e valores, e isso decreta a descaracterização de um ser humano criativo.

Por não considerar criatividade e singularidade do ser humano, o fracasso escolar tem sido abordado com base em discussões mecânicas como determinantes socioeconômicos que levam a dados estatísticos, ou simplificadores como alternativas psicopedagógicas (GONZALEZ, 2001).

A desigualdade educacional, segundo Schmelkes (2002) e Botero (2004), se concentra na política adotada e nos programas curriculares. E, sobre os programas, são implementadas estratégias heterogêneas, o que por si só provoca resultados desiguais, isto é, no cotidiano, estão sendo colocados insumos diferenciados a diferentes contextos.

A posição de Perrenoud (1999) é que o fracasso se produziu quando se universalizou a escolarização, porque, quanto mais se universaliza, mais indivíduos e mais variáveis se incorporam a ela, e a escola não está preparada para lidar com diversidade de aprendizagem, cultura, e sim, com padronizações.

Concordando que o fracasso escolar se constitui um problema social a partir de que a escolarização se estende como obrigatória para todos, Izquierdo (2005) afirma que as dificuldades para alcançar os objetivos colocados pelo sistema escolar se referem aos handicaps pessoais, como também à falta de capacidade de adaptação do sistema. Portanto, não é um fenômeno que reflete as diferenças de rendimento dos alunos, mas que envolve valores que a escola transmite através do currículo oculto.

É nesse sentido que se concebe o fracasso como acadêmico e que tem como fortes desencadeadores os processos avaliativos. Esse ponto leva ao questionamento de que a avaliação tradicional não mede os verdadeiros avanços dos alunos do ponto de vista cognitivo. As chamadas competências pouco ou nada se relacionam com o desenvolvimento do processo de alfabetização (SUBIRATS, 2002).

Assim, um dos fatores assinalados para a produção do fracasso escolar se assenta nas avaliações. Como é realizada por professores, presumimos que nesse processo se concentram não somente aspectos cognitivos, mas também emocionais, o que nos leva a considerar algumas premissas teóricas que podem apontar relações sobre fracasso escolar, emoções e avaliação.