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O depauperamento do idoso começa a se configurar na imagem que ele próprio tem de si mesmo, isso acrescido às perdas visíveis a olho nu, que se refletem no seu desgaste físico, atingindo o aspecto estético e o próprio desempenho dos órgãos, que pouco a pouco vão deixando de exercer suas funções com a mesma eficiência.

A idade e o corpo do idoso são um registro de toda a sua experiência vivida que, de uma hora para outra, é posta de lado senão mesmo descartada, desprezando os valores que ele encerra em si mesmo.

Segundo Codo e Senne (1995), “a luta pela reapropriação de si mesmo implica um protesto contra o caráter alienante do trabalho, um passo a mais em direção à liberdade.”21 Nessa luta pela reapropriação de si mesmo, o idoso se volta para fora e o sistema social vale-se disso, estimulando, para seu proveito, o ideal do corpo-consumo; decorrentemente, o proliferar de métodos e mais métodos para emagrecer, para rejuvenescer, aliados a cursos de relaxamento, ginástica alternativa etc. Tudo isso para atender ao ‘corpo ideal’ que precisa estar dentro dos padrões estabelecidos socialmente. O corpo do idoso, por mais que se tente melhorar, não pode ser inserido nesse padrão-ideal. Aliás, nem mesmo o jovem o consegue, tal esse padrão corresponde a apenas uma idealização, algo mítico, ilusório e distante do real. Um corpo virtual, a bem da verdade.

O mundo dos negócios, por sua vez, voltou-se com toda a sua carga de produtos e serviços, alçados por forte publicidade midiática, para o dito segmento da terceira idade, realizando em 2005 a primeira feira do país, reunindo indústrias e

prestadores de serviço, no Salão da Maturidade, no Parque do Anhembi, em São Paulo, com promessa de ser repetida duas vezes ao ano.

A justificativa para a ocorrência de tais eventos empresariais é que os avós, na atualidade, não pensam mais em guardar dinheiro como no passado; os consumidores de ‘terceira idade’ querem curtir a vida: viajar, vestir-se bem, comprar presentes para os netos etc. E o mercado de produtos e serviços já contabiliza seus lucros com o consumo da população madura, com mais de 60 anos, que faz gerar bilhões de reais por mês.

Na verdade, o prazer pelo consumo vem sendo imposto, cada vez mais e indiscriminadamente, a todos os segmentos da sociedade, e nem os idosos escapam a isso. O idoso, afastado da empresa por ser considerado, em termos de mercado, um ser não mais produtivo, passa a ser visto, agora, pelo olhar dos industriais e publicitários como um potencial consumidor de produtos e serviços voltados especificamente a ele.

O filósofo Lipovetsky (1992) fala da atual cultura, higiênica e esportiva, estética e dietética, que se impõe no mundo atual, em que é indispensável que se conserve a forma do corpo, que se seja esbelto, que se lute contra as rugas, que se mantenha uma alimentação de qualidade:

Nesse sentido, o esporte, por exemplo, desembaraçado de suas virtudes, fica sob a lógica pós-moralista narcísica e espetacular, constituindo-se num dos emblemas mais significativos da cultura individualista narcísica, centrada no próprio corpo. O hedonismo exprime e intensifica o culto individualista do presente, associando-se à autoprodução narcísica. (1992: 58)

O homem contemporâneo é obrigado a se render a esses imperativos. Qualquer fracasso nessa direção significa seu alijamento social. Submetidos à moda,

ainda mais aos modismos, essa estrutura social nos acompanha como um fantasma em nosso imaginário, em especial no do idoso que, deslocado no tempo, fica sendo alvo de um entrechoque de representações.

Não resta dúvida de que a representação social do corpo sofreu, na modernidade, uma mutação. No caso do idoso, quaisquer práticas de rejuvenescimento que participem da mitologia moderna, assim como a moda - mascaram uma igualdade com os mais jovens que não pode ser atingida. Os idosos passam a consumir cada vez mais para si mesmos, encarnando o individualismo narcísico - que instaura uma nova relação com os outros e com as coisas -, por crerem que, com isso, possam elevar sua auto-estima e ao mesmo tempo minimizar a importância, em sua vida, do outro perdido. O verdadeiro objeto de culto incide, agora, sobre o corpo, valorizando a questão da imagem, por meio de práticas cotidianas como as excessivas preocupações com a saúde, com a elegância, com as roupas, com a higiene, que se consubstanciam em rituais de manutenção de seu corpo, consultas médicas, fisioterapias, idas a salões de beleza, adoção de severos regimes alimentares, ginásticas etc.22

Para romper seu estado de luto, de perda de suas capacidades físicas ou de entes queridos, o idoso busca uma compensação por meio dessas práticas de ordem corporal que, configurariam um processo de aquisição de sua identidade. Mas todas as providências, se não estiverem acompanhadas de uma inserção de novas pessoas no seu relacionamento, de novas formas de socialização, de reconhecimento de sua posição valiosa na sociedade, não o libertarão do sentimento de solidão.

22 Simone de Beauvoir (1990), em sua obra A Velhice, discute aspectos fundamentais sobre os idosos, dentre outros: a política do corpo, o que identifica corpo e velhice estética e funcionalmente, as mudanças da concepção de corpo, a representação do corpo na arte, o ideal do corpo, o corpo idoso ideal pós-moderno e a negação do corpo envelhecido, a velhice e aprendizagem, o conceito de corpo contextualizado, corpo e consciência.

A tal perspectiva sombria da velhice deve contrapor-se uma outra perspectiva mais feliz, em que o próprio idoso passa a gerir, de forma produtiva, e de acordo com os avanços do mundo contemporâneo, a sua própria vida.