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Manuel da Costa Andrade, para além de considerar que todas as testemunhas podem ser agentes encobertos, refere ainda que o agente provocador é aquele que de alguma forma precipita o crime “instigando-o,

20 ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra

22 induzindo-o, nomeadamente, aparecendo como comprador ou fornecedor de bens ou serviços ilícitos”.21

O enfoque do nosso trabalho é sobre o agente infiltrado, mas, como podemos deduzir pelas palavras de Manuel da Costa Andrade, quando se aborda o tema “ações encobertas”, não podemos deixar de fazer referência a duas outras figuras que a doutrina traz à colação, que são o agente provocador e o agente encoberto.

Comecemos então pela figura do agente provocador sobre a qual a doutrina é mais consensual.

Como sabemos, o resultado que se pretende alcançar através das ações encobertas, quer sejam elas usadas para fins de cariz político ou puramente judiciais, é o de reunir informações e provas no âmbito da investigação criminal. A obtenção de provas não pode, porém, ser conseguida a qualquer custo pois, caso contrário, temos que a verdade material apurada reconduzir-se-á a regimes típicos de sistemas inquisitórios, nos quais os acusados ou quem fosse afetado pelas decisões jurisdicionais, não têm a oportunidade de se pronunciar sobre a busca e recolha de prova.22

Germano Marques da Silva entende, por seu turno, que “a provocação não é apenas informativa, mas sobretudo formativa, não revela o crime e o criminoso, mas cria o próprio crime e o próprio criminoso e, por isso, é contrária à própria finalidade da investigação, uma vez que gera o seu próprio objeto”.23

21 ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de Prova em processo Penal, Coimbra:

Coimbra Editora, 1992, p220

22 MEIREIS, Manuel Augusto Alves, O Regime das Provas Obtidas pelo Agente Provocador em

Processo Penal, Coimbra, Almedina, 1999, p195

23 SILVA, Germano Marques da, Bufos, Infiltrados, Provocadores e Arrependidos, in Direito e

23 Já Manuel A. Alves Meireis define como agente provocador “aquele que, sendo um cidadão particular ou entidade policial, convence outrem à prática de um crime, não querendo o crime a se, e sim, pretendendo submeter esse outrem a um processo penal e, em último caso, a uma pena”. O autor aponta que a questão aqui não se centra em quem leva a cabo a provocação, mas sim na vontade de quem pratica (animus) outrem à realização do crime.24

Fernando Gonçalves, M. João Alves e Guedes Valente vão na mesma linha de Meireis, mas referem que o “agente provocador pretende submeter outrem a um processo penal e, em última instância, a uma pena, atuando consequentemente com vontade e intenção de, através do seu comportamento, determinar outra pessoa à prática do crime, mas acrescentam que age com dolo ao determinar outra pessoa à prática de um crime, e também, com dolo relativamente à realização do crime”.25

O professor Rui Pereira faz também a distinção entre agente encoberto e o agente provocador, mas admite o recurso a este último. Não o admite para todas e quaisquer circunstâncias, mas apenas para “crimes graves e em situações de elevada fungibilidade e desde que o crime não acarrete a efetiva lesão de bens jurídicos”. Para crimes bagatelares (consumo de droga) o problema já não se coloca na proibição de prova, mas sim de impunibilidade.26

O agente provocador não procura recolher provas existentes sobre um crime, pelo contrário induz o instigado, esteja ele ligado ou não a atividades criminosas, na criação de provas ou de numa conduta para conseguir uma

24 MEIREIS, Manuel Augusto Alves, O Regime das Provas Obtidas pelo Agente Provocador em

Processo Penal, Coimbra, Editora Livraria Almedina, 1999, p155

25 GONÇALVES, Fernando, ALVES, Manuel João, VALENTE, Manuel Monteiro Guedes, Lei e

Crime, O Agente Infiltrado vs o Agente Provocador, Os Princípios do Processo Penal, Coimbra, Almedina, 2001, p256

26 Pereira, Rui, O Consumo e o Tráfico de Droga na Lei Penal Portuguesa, In Revista do

Ministério Público, n.º 65, apud, ONETO, Isabel, O Agente infiltrado: Contributo para a compreensão do regime jurídico das acções encobertas, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p36

24 acusação. Aqui fica patente que a verdade material não é um valor supremo e a busca da mesma não pode ser levada a cabo através de meios criminosos.

A figura do agente provocador não esta regulamentada e não carece de tal necessidade para que seja ilícito o seu comportamento em qualquer investigação criminal. Conforme a Constituição da República consagra no seu n.º 8 do artigo 32.º, que são nulas “todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações” e conjugando com o artigo 125.º do CPP , só “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei” e ainda alínea a) do n.º 2 do art.º 126.º do CPP diz-nos que não são admissíveis as provas obtidas mediante “a) Perturbação da liberdade de vontade (…) ou utilização de meios cruéis ou enganosos”.

A jurisprudência já se pronunciou sobre o agente provocador e não aceita tal figura como podemos comprovar no acórdão processo n.º 182/09. 6JELSB.L1-5 de 23 de novembro de 2011 do tribunal da relação de Lisboa, em que transcrevemos o ponto III:

“IIIº O agente provocador será o membro do órgão de polícia criminal ou alguém a seu mando que pela sua actuação enganosa sugere eficazmente ao autor a vontade de praticar o crime que antes não tinha representado e o leva a praticá-lo, quando sem essa intervenção a actividade delituosa não teria ocorrido. A vontade de delinquir surge ou é reforçada no autor, não por sua própria e livre decisão, mas como consequência da actividade de outra pessoa, o membro do órgão policial;”

O nosso entendimento de agente provocador, tendo em conta o que estudámos e deixámos em cima exposto é o de que este tanto pode ser um agente policial como um particular controlado por aquela polícia. O agente com objetivo de obter provas contra o incitado ou levá-lo a que seja sujeito a um processo penal, incorre numa conduta dolosa. No entanto, o agente provocador não pretende a consumação do delito pois quando o sujeito estiver para cometer

25 o crime o agente provocador deverá tomar as medidas necessárias para anular a ação por ele instigada.

Fica, no entanto, um ponto crucial por definir, o limite de uma possível provocação, já que há vozes às quais nos juntamos que aceitam, se bem que com muitas restrições, e outras como é o caso do acórdão supramencionado, podemos ser levados a considerar que é possível ao tribunal aceitar uma ligeira provocação, se atendermos a expressão “sugere eficazmente ao autor a vontade de praticar o crime” ou seja encontramos eco nas palavras de Rui Pereira, ao aceitar, em determinados casos, a provocação. Estamos aqui num patamar em que a atitude provocatória nos leva a questionar duas situações, se ela deixa um espaço de manobra podendo no provocado de decidir entre “se devo fazer”, ou “não devo fazer”; ou seja, não fica apenas uma única saída, que é optar por cometer o ilícito provocado pelo agente.