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Vários estudos têm investigado o papel de antioxidantes citoprotetores adequados que possam prevenir e atenuar as toxicidades da cisplatina em humanos e, na maioria das vezes, modelos animais. Já foram investigados os antioxidantes derivados de alimentos e alimentos com propriedades antioxidantes (selênio, vitamina E, vitamina C, quercetina, licopeno, fenil éster do ácido caféico, naringenina, xantorrizol, resveratrol, espirulina, taurina), antioxidantes endógenos (glutationa, L- carnitina, SOD), antioxidantes sintéticos (acetilcisteína, ebselen, desferroxamina, dimetilureia, captopril) e plantas que contêm princípios ativos com atividade antioxidante (Allium sativum, Prunus persica, Cassia auriculata) na atenuação de nefrotoxidade induzida por cisplatina (116). Para proteção de dano hepático induzido por cisplatina foram estudados a dimetilureia (117), espirulina e vitamina C (118) e óleo de linhaça (119). Ainda, a d-metionina foi usada na atenuação de ototoxicidade (120). Dentre os antioxidantes estudados temos a acetilcisteína.

1.6. Acetilcisteína

A acetilcisteína é uma substância sintética, derivada do aminoácido cisteína e, portanto, contém o grupamento “tiol” (RSH), com um grupo acetil ligado ao nitrogênio. Quando administrada pela via oral ela é rapidamente absorvida no trato gastrintestinal e possui um volume de distribuição de 0,47 L/kg. Apresenta biotransformação hepática, ocorrendo desacetilação com formação de cisteína ou oxidação à diacetilcisteína. Sua excreção ocorre principalmente pela via renal (30%). Sua meia vida de eliminação plasmática é de, aproximadamente, 6,25 horas (121).

A acetilcisteína é um potente antioxidante, interage rapidamente com EROs e é percursora direta da síntese de glutationa (Figura 5), portanto, apresenta um

importante efeito protetor contra estresse oxidativo. Como contém o grupamento RSH ela pode ser oxidada por uma grande variedade de radicais livres/EROs e também atua como um nucleófilo (doadora de par de elétrons). Ainda, a acetilcisteína apresenta propriedade anti-inflamatória, inibindo a atividade de neutrófilos, de NF-kB (que controla a cascata da inflamação) e produção de interleucinas/TNFα (112).

Figura 5. Acetilcisteína, desacetilação e geração de cisteína, e síntese da glutationa.

NAC = acetilcisteína; Cys = cisteína; Glu = glutamato; Gly = glicina; GSH = glutationa. Fonte: Rushworth & Megson (122).

Na prática clínica a acetilcisteína é utilizada como agente mucolítico, antídoto na intoxicação com paracetamol, e na prevenção de nefropatia induzida por contraste. Como fármaco mucolítico, ela tem efeito direto sobre as características reológicas do muco, destruindo as pontes dissulfeto das macromoléculas mucoprotéicas presentes

na secreção brônquica, tornando-a mais fluida e menos viscosa (123). Na superdosagem de paracetamol, a acetilcisteína é útil por agir como doadora de grupo sulfidrila, substituindo a glutationa hepática e fazendo com que uma menor quantidade do metabólito tóxico seja produzida (124). Na prevenção da nefropatia induzida por contraste ela atua no sequestro de EROs gerados pelo contraste (125).

Além disso, a acetilcisteína pode ser usada como suplemento nutricional na reposição de glutationa intracelular em diversas desordens que causam deficiência de glutationa, como doenças metabólicas e pulmonares, neurotoxicidade, hepatotoxicidade e imunotoxicidade (112).

Atualmente ela tem sido estudada como agente atenuante de toxicidades da cisplatina por ter as propriedades antioxidantes já mencionadas (126,127). A maioria dos estudos presentes na literatura envolvendo o uso da acetilcisteína concomitante a cisplatina foi conduzida em modelos animais; um único trabalho realizado em humanos possui desenho inapropriado, isto é, falta de randomização e cegamento, não se tratando de um estudo placebo-controlado (128). Assim, é necessário estudos bem desenhados e conduzidos envolvendo humanos, o que justifica o presente trabalho.

No estudo de Luo et al. (129) realizado em modelo animal, foi observado que o uso de acetilcisteína em ratos tratados com cisplatina foi benéfico na atenuação da injúria renal. Sabendo que a cisplatina gera o estresse oxidativo que modula positivamente a MAPK p58, ativando caspase-3, translocando NF-kB para o núcleo da célula e desta forma proporcionando aumento de TNF-α e, consequentemente, levando a célula à apoptose e inflamação, a acetilcisteína foi capaz de inibir todas essas alterações celulares.

Yildirim et al. (128) que conduziram um estudo em humanos para verificar o papel da acetilcisteína na prevenção de dano auditivo, observaram através de resultados audiométricos que a ototoxicidade foi reduzida quando a acetilcisteína foi adicionada à cisplatina no protocolo de tratamento.

Uma vez que a cisplatina causa estresse oxidativo por aumento da produção de EROs e depleção da glutationa, gerando toxicidades, e a acetilcisteína é um antioxidante e percursora da glutationa, ela pode atenuar estes processos (dano mitocondrial, danos em lipídeos, proteínas, DNA e ácido ribonucleico (RNA), redução de inflamação e apoptose) e consequentemente, as toxicidades (Figura 6).

Figura 6. Acetilcisteína e seu mecanismo de atenuação de toxicidades da cisplatina.

EROs = Espécies Reativas de Oxigênio; DNA = ácido desoxirribonucleico; RNA = ácido ribonucleico.

A acetilcisteína é considerada uma substância bem tolerada e segura (130). Ainda, é importante salientar que a acetilcisteína não possui qualquer propriedade tumorigênica, pelo contrário, ela é capaz de inibir genotoxicidade e carcinogenicidade, bem como inibir a invasão e metástase de células malignas por possuir efeito anti- angiogênico (131).

Nos últimos anos, muitos estudos foram publicados, em defesa da relação entre antioxidantes e câncer (para prevenção ou usados durante o tratamento antineoplásico) ou contra-indicando o seu uso. Sabe-se que as EROs são cruciais para indução da apoptose, e o uso de antioxidantes poderia inibir a morte celular, o que é importante no processo de desenvolvimento do câncer, ou seja, o uso de antioxidantes poderia acelerar o desenvolvimento de tumores. Um estudo experimental mostrou que, em modelos animais e células humanas de câncer de

pulmão, o uso de antioxidante aumentou a proliferação de células tumorais através da redução de EROs, dano do DNA e expressão de p53 (132).

Ainda, sobre o efeito do uso concomitante de antioxidantes e tratamento com cisplatina, um estudo sugeriu que antioxidantes podem diminuir o efeito antineoplásico da cisplatina (133). Por outro lado, um estudo recente em modelo animal mostrou que a administração de acetilcisteína 4 horas após a infusão de cisplatina não afetou a ação antitumoral da cisplatina, diferentemente de quando a acetilcisteína foi administrada 30 minutos antes (134).

Em estudos envolvendo outro antineoplásico, ifosfamida, a acetilcisteína não afetou a eficácia antineoplásica da ifosfamida e foi sugerido que este antioxidante pode ser importante na prevenção de nefrotoxicidade da ifosfamida, sem afetar o tratamento (135,136).

Esta questão ainda não está bem esclarecida na literatura e permanece preocupante, portanto, este estudo tratou de controlar e observar atentamente a questão da resposta à terapia.

A principal hipótese estudada aqui foi: a acetilcisteína reduz EROs (O2●, H2O2) e aumenta glutationa nas células mononucleares de pacientes tratados com cisplatina, consequentemente, há uma redução dos biomarcadores de estresse oxidativo plasmático (MDA, 8-isoprostano e proteínas carboniladas) e aumento da capacidade antioxidante total, que reflete em uma atenuação das toxicidades, melhora da qualidade de vida, sem comprometer a efetividade do tratamento (Figura 7).

Figura 7. Hipótese do estudo. EROs = Espécies Reativas de Oxigênio, MDA =

malondialdeído, O2● = ânion radical superóxido, H2O2 = peróxido de hidrogênio.

Acredita-se que este trabalho contribuirá para responder se a acetilcisteína é eficaz na atenuação de toxicidades induzidas por cisplatina em pacientes tratando tumores de cabeça e pescoço com este tipo de antineoplásico em altas doses, e se pode ser incluída como protocolo no tratamento desses pacientes, sem prejudicar a efetividade da terapia antineoplásica. Se o uso da acetilcisteína for realmente útil ao tratamento, os pacientes serão beneficiados com melhor qualidade de vida devido à redução dos efeitos adversos, além da redução dos custos que seriam necessários no manejo dos efeitos (adição de outros medicamentos, internações, visitas ao pronto- socorro, etc). Além disso, sabendo que a toxicidade é o principal fator para redução da dose da cisplatina durante o tratamento, ou troca deste antineoplásico por carboplatina, o uso da acetilcisteína poderá manter pacientes tratando com o antineoplásico mais eficaz em doses preconizadas como mais efetiva (cisplatina, 80- 100 mg/m2).

2. OBJETIVO

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