• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

1.3. IMOBILIZAÇÃO DE ENZIMAS

1.3.2. Agregados enzimáticos entrecruzados

Agregados enzimáticos entrecruzados (CLEAs, do inglês cross-linked enzyme aggregates) ganharam considerável atenção industrial como uma alternativa aos métodos convencionais de imobilização, destacando-se por ser um processo simples, rápido e econômico, sem a necessidade de um suporte sólido (Cao et al., 2003; Sheldon, 2011). A preparação de CLEAs apresenta vantagens como, alta retenção de atividade, estabilidade mecânica, estabilidade frente às condições de reação, estabilidade de armazenamento, baixos custos de produção, excelente capacidade de recuperação, além de não haver necessidade de purificação prévia das enzimas (Wilson et al., 2004; Sheldon, 2011; Bhattacharya and Pletschke, 2014; Nadar et al., 2016). Essa metodologia de imobilização combina as operações de purificação e imobilização em um único procedimento, uma vez que a precipitação enzimática é um processo utilizado para purificação (Sheldon and Van Pelt, 2013).

Inicialmente, os CLEAs são preparados através da precipitação da enzima com adição de agentes precipitantes específicos como solventes orgânicos, polímeros não-iônicos e sais inorgânicos, seguido por ligação cruzada com um agente de entrecruzamento bifuncional (Cao et al., 2003; Garcia-Galan et al., 2011; Cruz et al., 2012). Vários agentes precipitantes podem ser utilizados para preparação de CLEAs, entretanto, visto as variações bioquímicas e estruturais das enzimas, cada agente precipitante pode ter um comportamento diferente sobre cada uma delas. Dessa forma, uma etapa prévia de seleção do melhor agente precipitante e sua concentração são essenciais para alcançar um biocatalisador eficiente (Talekar et al., 2013). Maiores recuperações de atividades são observadas quando se utilizam altas concentrações, pois a agregação e precipitação ocorrem de forma mais rápida, evitando a desnaturação da enzima. Entretanto, deve-se ter cuidado com altas concentrações do agente precipitante em conjunto com longos tempos de precipitação, o que pode causar agregados enzimáticos rígidos e com baixa atividade catalítica (Zhao et al., 2008; Yang et al., 2012).

Os agentes de precipitação proporcionam uma agregação física das moléculas de enzima em grandes estruturas moleculares, sem perturbação da estrutura tridimensional original da proteína. Estes agregados sólidos são mantidos por ligação não covalente e facilmente se redissolvem, quando dispersos em meio aquoso. Assim, uma etapa de entrecruzamento por ligações covalentes é necessária para estabilizar os agregados. As moléculas de enzimas são ligadas quimicamente umas às outras por um reagente bifuncional, através da reação dos grupamentos amino presentes na sua superfície, tornando os agregados permanentemente insolúveis (Sheldon, 2007; Kartal et al., 2011; Sheldon, 2011).

Por esse motivo, a seleção do agente precipitante deve ser sempre seguida da etapa de entrecruzamento, pois a enzima precipitada pode apresentar uma conformação inativa, mas que ao ser ressuspendida retoma sua atividade normal. Entretanto, com a etapa de

entrecruzamento as enzimas apresentarão a mesma conformação inativa da enzima precipitada, exibindo baixa atividade catalítica (Talekar et al., 2013).

O agente de entrecruzamento, bem como a sua concentração, tem papel muito importante para a atividade, estabilidade e tamanho dos CLEAs. Estudos têm mostrado que a atividade do CLEA aumenta com o aumento da concentração do agente de entrecruzamento até um ponto ótimo, seguindo pela diminuição da atividade com o aumento da concentração (Talekar et al., 2013). Em baixas concentrações do agente de entrecruzamento, as ligações entre as enzimas são insuficientes para formação dos agregados, deixando muita enzima livre em solução. Já para altas concentrações, fortes ligações entre as enzimas são formadas, tornando o CLEA um agregado rígido, impedindo o acesso do substrato ao sítio ativo das enzimas imobilizadas no interior do agregado (Yu et al., 2006; Dal Magro et al., 2016b).

Entre os agentes entrecruzantes, o glutaraldeído também tem sido amplamente utilizado para a preparação dos CLEAs devido a sua capacidade de formar ligações covalentes com os resíduos de aminoácidos reativos na superfície das enzimas (Barbosa et al., 2014), como apresentado anteriormente. Porém, a alta reatividade e o tamanho extremamente pequeno do glutaraldeído permitem que ele penetre no sítio ativo das enzimas, reagindo com grupos amino que são cruciais para a atividade catalítica (Mateo et al., 2004).

Para que a reação de entrecruzamento seja efetiva, também é necessário que a superfície da enzima apresente uma quantidade razoável de resíduos de aminoácidos livres para ligação. Enzimas com baixo conteúdo de resíduos de aminoácidos livres podem resultar em CLEAs frágeis com baixa estabilidade mecânica e com baixa atividade, devido à lixiviação de enzimas para o meio durante a reação (Talekar et al., 2013a). Como uma opção para resolver esses problemas, Lopez-Gallego et al., (2005) e Shah et al., (2006) propuseram a adição de um polímero e albumina de soro bovino (BSA), contendo vários grupos amino livres na preparação de CLEAs altamente estáveis (Figura 5). Embora as enzimas estudadas

tivessem um número reduzido de grupos amino na superfície, os grupamentos amino do polímero e da BSA proporcionaram um adequado entrecruzamento entre estes aditivos e as moléculas de enzimas resultando em elevadas atividades recuperadas. Entretanto, quando adicionado em quantidade excessiva o coadjuvante proteico pode prejudicar a recuperação da atividade, por dificultar a mobilidade entre enzima e substrato e pela diluição da atividade catalítica (Dal Magro et al., 2016a).

Figura 5. Produção de CLEAs com enzimas deficientes em grupamentos amino (a) e com adição de BSA (b).

Fonte: Adaptado de Talekar et al. (2013a).

Qualquer fator que pode alterar a precipitação da proteína ou o entrecruzamento do agregado pode afetar o tamanho de partícula, a estabilidade e a recuperação da atividade (Yu et al., 2006). O tamanho de partícula é uma propriedade importante no contexto de aplicações industriais, uma vez que afeta diretamente a transferência de massa e a separação do meio reacional sob as condições operacionais (Talekar et al., 2013a). Um tamanho típico das partículas dos CLEAs é de 5 μm a 50 μm. Igualmente como acontece com muitos

catalisadores sólidos, pode-se esperar perda de atividade devido a limitações difusionais. No entanto, os CLEAs são estruturas porosas, o que facilita o acesso do substrato ao sítio ativo das enzimas no interior dos CLEAs (Sheldon, 2011).

Alguns estudos também têm demonstrado que os CLEAs podem catalisar uma sequência de reações envolvendo mais de uma enzima, sendo chamados de combi-CLEAs. Nos combi-CLEAs, populações heterogêneas de enzimas podem ser simultaneamente confinadas no mesmo agregado, podendo desempenhar a bioconversão em cascata ou não, melhorando desse modo as interações sinérgicas entre as diferentes enzimas na catálise (Taboada-Puig et al., 2011; Jung et al., 2013; Bhattacharya and Pletschke, 2015). Processos catalíticos em cascata têm grande potencial no contexto da produção industrial, envolvendo menos operações unitárias, reatores menores, maiores rendimentos volumétricos e de espaço/tempo, tempos de ciclo mais curtos e que geram menos resíduos em comparação com os processos convencionais de múltiplas etapas (Sheldon, 2011). Essa possibilidade da preparação dos combi-CLEAs com diferentes enzimas no mesmo agregado é uma característica interessante para a aplicação em sucos, visto que são várias enzimas atuando em conjunto na degradação dos polissacarídeos.

Documentos relacionados