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Os debates em torno dos conceitos como ruralidade, rural, agricultura familiar e sustentabilidade se aprofundaram e permearam tanto o meio acadêmico quanto o institucional (SANTOS, 2016). Perante a diversidade cultural, econômica e social do rural brasileiro, inúmeros pontos de vista, julgamentos e propostas foram apresentados na tentativa de conceituar a agricultura familiar.

De fato, a primeira tentativa de conceituar e dimensionar a agricultura familiar brasileira foi cometida por um estudo realizado na esfera do Projeto FAO/INCRA – Diretrizes de Políticas Agrária e Desenvolvimento Sustentável – elaborado em 1994 e enriquecido com os dados do Censo Agropecuário de 1995. O estudo é referenciado pelo inquestionável reforço a análise da agricultura familiar brasileira e, principalmente, por servir de indicador para a criação do PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (HAAG, 2009).

44 A agricultura familiar segundo Wanderley (2009) é aquela em que a família, ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo. Numa análise mais criteriosa, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (BRASIL, 2006) define agricultura familiar a partir da Lei 11.326/2006, mencionando que:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:

I - Não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;

II - Utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - Tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; IV - Dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. § 1º O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica quando se tratar de condomínio rural ou outras formas coletivas de propriedade, desde que a fração ideal por proprietário não ultrapasse 4 (quatro) módulos fiscais.

§ 2º São também beneficiários desta Lei:

I - Silvicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo, cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável daqueles ambientes;

II - Aquicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo e explorem reservatórios hídricos com superfície total de até 2 ha (dois hectares) ou ocupem até 500m³ (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar em tanques-rede;

III - Extrativistas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III e IV do caput deste artigo e exerçam essa atividade artesanalmente no meio rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores; IV - Pescadores que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos I, II, III e IV do caput deste artigo e exerçam a atividade pesqueira artesanalmente (BRASIL, 2006).

A agricultura familiar foi considerada por muitos anos apenas uma agricultura de subsistência, porém, o segmento é hoje responsável por uma parcela significativa da produção agrícola e da geração de emprego no campo (CARVALHO et al., 2015).

A agricultura familiar é uma forma de produção onde predomina a interação entre gestão e trabalho, pois são agricultores familiares que lideram o processo produtivo, dando ênfase à diversificação da produção e utilizando o trabalho familiar, este só eventualmente complementado pelo trabalho assalariado de terceiros (MDS, 2014).

45 Considerando o enfoque de análise de cadeias produtivas, a agricultura familiar pode ser considerada como um segmento de produtores com características específicas em seus sistemas produtivos. É necessário identificar estas características quando se faz uma análise de segmentação, como proposto por Molina Filho (1993), que classifica os sistemas produtivos combinando categorias de condição de residência, tamanho da unidade produtiva, tendência da terra, especialização produtiva, capital de exploração, contratação de mão de obra, nível tecnológico e participação no mercado.

O setor agropecuário familiar é sempre lembrado por sua importância na absorção de emprego e na produção de alimentos, especialmente voltada para o autoconsumo, ou seja, focaliza-se mais as funções de caráter social do que as econômicas, tendo em vista sua menor produtividade e incorporação tecnológica (GUILHOTO et al., 2007).

Entretanto, é necessário destacar que a produção familiar segundo Guilhoto et al. (2006), além de fator redutor do êxodo rural e fonte de recursos para as famílias com menor renda, também contribui expressivamente para a geração de riqueza, considerando a economia não só do setor agropecuário, mas do próprio país.

Aspectos econômicos e sociais definidores da importância da agricultura familiar foram obtidos na pesquisa de Del Grossi e Marques (2010). Na pesquisa foram apontados 4.367.902 estabelecimentos agropecuários familiares entre os 5.175.489 estabelecimentos recenseados, o que representa 84% das propriedades rurais brasileiras. Os dados também apontaram que a agricultura familiar ocupa pouco mais de 80 milhões de hectares, o equivalente a 24% do total da área ocupada pelas propriedades rurais.

As propriedades de agricultura familiar são muito relevantes para a economia da região em que se encontram, pois são responsáveis por fornecer alimentos, conter o êxodo rural, ao gerar trabalho e renda, tendo como mão de obra essencialmente o núcleo familiar, e até mesmo, contribuir com a preservação ambiental, por meio da produção orgânica, preservação de recursos hídricos e cobertura vegetal (COSTA et al., 2014).

O manejo agropecuário na agricultura familiar com perspectiva agroecológica segundo Nunes et al. (2017) considera o agroecossistema de forma integrada, buscando sua sustentabilidade. Para Gliessman (2005), o

46 agroecossitema deve oportunizar um arranjo com o qual é possível explorar os sistemas de produção de alimentos como um todo, incluindo seus conjuntos, complexos de insumos e produção, bem como as interconexões entre as partes que o compõem. A abordagem holística da agroecologia segundo Gliessman (2009) permite a integração dos três componentes mais importantes da sustentabilidade: fundamentação dos princípios ecológicos, viabilidade econômica e equidade social.

Para Altieri (2012) a agroecologia se respalda em um conjunto de ideias e técnicas que se manifestam a partir dos agricultores e de seus processos de experimentação. Por essa razão, evidencia a capacidade das comunidades locais para experimentar, avaliar e disseminar seu poder de inovação por meio da pesquisa de agricultor a agricultor e utilizando metodologias de extensão baseada em relações mais horizontais entre os atores (SOUZA, 2016).

Os diversos traços que permeiam o estudo da agricultura percorrem além da evidenciação de técnicas produtivas, o reconhecimento social, ambiental, político, cultural, econômico e educacional. Quando essa área de estudo se volta à modalidade da agricultura familiar, tem-se a importância de revelar todas essas dimensões e demonstrar que nesses grupos sociais, as especificidades são ainda mais dilatadas (GREGOLIN et al., 2017).

No Distrito Federal as iniciativas de produção de base agroecológica tiveram início na década de 1980, quando foram implantadas algumas experiências envolvendo o sistema bioecológico de Meulen, que consistia em reproduzir alguns mecanismos naturais de manutenção da fertilidade do solo (FRANCISCO NETO, 2001). Ainda de acordo com Francisco Neto (2001), em 1989 foi fundada a primeira associação de produtores orgânicos na região. Dos anos de 1980 a meados de 1990 surgiram vários produtores orgânicos e, atualmente, o mercado desses produtos está em crescente expansão (EMATER/DF, 2013).

No último Censo Agropecuário 2006, foram identificados 4.367.902 estabelecimentos da agricultura familiar no Brasil, o que representa 84,4% dos estabelecimentos brasileiros. Este numeroso contingente de agricultores familiares ocupava uma área de 80,25 milhões de hectares, ou seja, 24,3% da área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários brasileiros. No Distrito Federal foram identificados 1824 estabelecimentos rurais (agricultura familiar – lei

47 nº 11.326) dos quais, 168 tinham áreas de matas e/ou florestas naturais e 22 propriedades familiares que tinham alguma prática em sistemas agroflorestais (IBGE, 2006). A produção familiar brasileira é a principal atividade econômica de diversas regiões brasileiras e necessita de ser fortalecida, pois o potencial dos agricultores familiares na geração de emprego e renda é bastante expressiva (BERTOLINI et al., 2008).

O Censo Agropecuário (IBGE, 2006) mostrou que a agricultura familiar era a principal atividade econômica de muitas regiões, e também a principal geradora de postos de trabalho no Brasil, empregando pelo menos cinco milhões de famílias.

Mesmo sendo de suma importância para a economia, principalmente na produção de alimento que consumimos no dia a dia, a agricultura de natureza familiar enfrenta inúmeras dificuldades, conforme Lacki (2012), dentre elas a:

 Falta de mão de obra, em função do êxodo rural;  Carência de assistência técnica;

 A falta de incentivo financeiro adequado para cada tipo de produção;  A precariedade das estradas rurais para o escoamento da produção;  Dívidas, adquiridas por meio de financiamentos;

 Insuficiência de terra, baixa qualidade do solo e a localização em áreas marginais;

 Falta de informações de cultivos (STEDING, 2017).

A agricultura sustentável argumentada por Romeiro (1998) aborda que, na construção de “sistemas agrícolas integrados nos quais se articulam plenamente as complementaridades e simbioses existentes entre animais e vegetais” tem-se um sistema agrícola embasado por um conjunto de técnicas que permitam a máxima complexidade possível a fim de garantir o seu equilíbrio ecológico.

O conceito de uma ‘agricultura familiar sustentável’ revela, antes de tudo, a crescente insatisfação com o status da agricultura moderna. Indica o desejo social de sistemas produtivos que, simultaneamente, conservem os recursos naturais e forneçam produtos mais saudáveis, sem comprometer os níveis tecnológicos já alcançados de segurança alimentar. A agricultura familiar sustentável, de acordo com Ehlers (1999), “mais do que um conjunto definido de práticas, a agricultura

48 sustentável é hoje apenas um objetivo. O que varia é a expectativa em relação ao teor das mudanças contidas nesse objetivo”.

Para ser sustentável a agricultura deveria, segundo Gliessman (2000):  Ter efeitos negativos mínimos no ambiente e não liberaria substâncias

tóxicas ou nocivas na atmosfera, água superficial ou subterrânea;

 Preservaria e recomporia a fertilidade, preveniria a erosão e manteria a saúde ecológica do solo;

 Usaria água de maneira que permitisse a recarga dos depósitos aquíferos e satisfizesse as necessidades hídricas do ambiente e das pessoas;

 Dependeria, principalmente, de recursos de dentro do agroecossistema, incluindo comunidades próximas, ao substituir insumos externos por ciclagem de nutrientes, melhor conservação e uma base ampliada de conhecimento ecológico;

 Trabalharia para valorizar e conservar a diversidade biológica, tanto em paisagens silvestres quanto em paisagens domesticadas, e;

 Garantiria igualdade de acesso a práticas, conhecimento e tecnologias agrícolas adequados e possibilitaria o controle local dos recursos agrícolas” (GLIESSMAN, 2000).

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