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4. A agricultura na região e a agricultura das Quintas

4.2. Agricultura na Quinta da Laranjeira

São escassas, para não afirmar mesmo inexistentes, as fontes disponíveis acerca do que era cultivado e da forma como era explorada a quinta até ao último quartel do século XVII.

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Apenas sabemos, como em capítulo anterior já demonstrámos, que a Quinta da Laranjeira, ainda que parcialmente, era pertença do vínculo do Morgado de Santo António da Torre de Moncorvo desde a formação em 1491, vindo a ser acrescentada desde então até, pelo menos, a última metade do século XVIII.

Em consequência da ausência de fontes, documentais ou arqueológicas158, acerca do que era cultivado na quinta desde os finais do século XV até ao último quartel de XVII, somos levados a conjeturar que se enquadrasse naquilo que era o tecido produtivo da comarca de Moncorvo para o mesmo período temporal: cereais (centeio e trigo), árvores de fruto, leguminosas e hortícolas, a criação de gado, pombos e abelhas. Eventualmente, e porque era uma produção que se concentrava sobretudo nos terrenos do Vale da Vilariça, o cânhamo-linho não fosse ali produzido, não obstante os seus terrenos abaixo do núcleo edificado junto da margem do rio, apresentassem características propicias ao mesmo.

Durante o século XVII, o panorama não seria muito distinto, eventualmente o investimento em olival estaria já a dar frutos [SERRÃO 1974: 112-113]. No entanto as fontes específicas continuam ausentes.

Sabemos apenas, através de documentos existentes no AHMTM - Câmara Municipal, Contribuições Municipais, Pão do Depósito159, Livro do pão e dinheiro que se dá neste depósito, nº271 e 272, datados de 1684 e 1685, respetivamente, que a quinta era dada à exploração, ou seja, arrendada, total ou parcialmente, a António Lopes e sua mulher, e que a produção de trigo nesses anos, e anteriores provavelmente, havia sido escassa ou mesmo nula, levando à necessidade de empréstimos de trigo pelo fomento e, consequente, pagamento posterior dos mesmos.

“Vila/ Quinta /da Laranjeira / Antonio Lopez / Pagou/

“Mandarão dar a Antonio Lopez / da quinta da Laranjeira sinco alqueires de trigo os quais rece-/beo pera ele sua molher e deu por / seu fiador João Martinz mendez / desta

158 As escavações levadas a cabo na Quinta da Laranjeira vieram documentar uma ocupação daquele território desde, pelo menos, a

Idade do Bronze (há níveis arqueológicos sob estes) até à Contemporaneidade, no entanto no que diz respeito às evidências materiais e/ou estratigráficas foi identificado um hiato, no registo arqueológico, que vai desde a Idade do Ferro (século I d.C.) até ao século XIX [RIBEIRO et al 2015: 71; 88; 91-93].

159Pão do Depósito: contribuição em cereal ou dinheiro para o concelho, por parte dos lavradores, para efeito da supressão de

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villa que se obrigou ao tor-/nar a entregar neste depozito com /os acressimoz na forma costuma-/da e assinou Domingos Gomez / Rebello(…)” 160(18/6/1684)

“Mandarão dar (…) a Antonio Lopes / caseiro da Laranjeira otros / dois alqueires e meyo de tri-/guo (…)” 161(10/04/1685)

E os respetivos pagamentos dos pedidos supracitados: “Vila / Laranjeira / João Martinz Mendez /

“Entregou João Martinz mendez / da dita villa sinxo alqueires e / meyo de trigo per sinco al-/queires de trigo que levou este // perzente anno para Antonio Lo-/pez da quinta da Laranjeira.”162

(13/08/1684) “Antonio Lopes da Laranjeira /

“Entregou Antonio Lopes caseiro da / laranjeira dois alqueires e três quo-/artas de triguo por dois e meyo (…)”163 (02/09/1685).

Chegados ao século XVIII, em particular à sua segunda metade, as fontes documentais de que dispomos, especificamente, para a quinta, enquadram o seu tecido produtivo, principal, no que acerca da freguesia foi descrito de modo global, com exceção para o cânhamo, cujo centro produtor era sobretudo o vale da Vilariça, e para as amoreiras164 e a resultante criação do bicho-da-seda.

No ano de 1765, no Livro da Décima Mestre da Vila e termo (da Torre de Moncorvo), Auto do Lançamento do novo subsídio militar da Decima, assim se descreve a Laranjeira: “hua quinta a Laran-/jeira que consta de casas oliveiras / e Terras de pão, e outra terra por si-/ma que foi de Andre Lopes, hum / Tapado ao Val da Pia outro ao Pozio sizo, e / com alguas Arvores comprehendidas que / tudo lhe Rende cem alqueires de ceiteyo”165 [Anexo III: doc.02].

E, 31 anos depois, em 1796, o cenário seria praticamente o mesmo:“ Quinta chamada Laranjeira de Cima que consta de muitas terras, e oliveiras e mais o predio por estar

160 AHMTM - Câmara Municipal, Contribuições Municipais, Pão do Depósito, Livro do pão e dinheiro que se dá neste depósito,

nº272 (Fl. 9v).

161

AHMTM - Câmara Municipal, Contribuições Municipais, Pão do Depósito, Livro do pão e dinheiro que se dá neste depósito, nº272 (Fl.51).

162 AHMTM - Câmara Municipal, Contribuições Municipais, Pão do Depósito, Livro do pão e dinheiro que se dá neste depósito,

nº271 (Fl. 66v-67).

163 AMTM - Câmara Municipal, Contribuições Municipais, Pão do Depósito, Livro do pão e dinheiro que se dá neste depósito,

nº271 (Fl. 115).

164 No decorrer dos nossos trabalhos (ano de 2012), e na memória de nossos inquiridos que na quinta habitaram no início da década

de 1950 [JALVES1370, 2h05:42m], está bem presente a existência de amoreiras (pretas) que faziam uma espécie de alameda ente o núcleo central da quinta e o casebre QL-L-12 [Anexo IV], no entanto sem qualquer lembrança relativa ao bicho-da-seda. Tratar-se-á de uma reminiscência de algo que ali foi explorado? Ou meramente uma opção decorativa e para fazer sombra?

165 AHMTM, Provedoria da Comarca, Décima, Torre de Moncorvo (concelho), Pasta nº 429, Nº 4, Livro da Décima Mestre da Vila

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aberto costumam entrar os gados dos mais moradores que na dita Quinta os metem do mesmo modo que nas faceiras abertas, mas em dano do suplicante que precisa guardar os pastos para os seus gados com que agriculta os bens da sua Casa a ate outra Quinta que ahi tem vezinha denominada da Laranjeira de Baixo a que faz muito prejuizo a sobredita entrada dos gados (…) ”166

.

Em síntese, no virar do século XVIII para o XIX, a Quinta da Laranjeira, propriedade senhorial do morgado de Santo António de Moncorvo, consistia de terras cultivadas de pão (centeio e trigo), com seu olival, e terras de pastagem e seus gados.

Relativamente ao modo como era explorada, crê-se, seria através de caseiros, e jornaleiros, diretamente contratados pela casa de António Francisco de Carvalho, pois, na denúncia e pedido que faz em 1796, no âmbito da entrada de rebanhos alheios na sua quinta da Laranjeira167, como acima se transcreve, procura garantir que as suas terras são para o seu gado, “precisa guardar os pastos para os seus gados com que agriculta os bens da sua Casa”.

Entrando no século XIX, não temos qualquer fonte que diga respeito, particularmente, àquilo que na Laranjeira se cultivava ou ao modo como esta se encontrava a ser explorada. Há, no entanto, indícios, nos livros do Registo da Décima da Vila e do Termo168, de como seriam rentabilizados campos em pousio e as áreas de pastagem da quinta entre os anos de 1762 e 1834. Se em grande parte deste período a rentabilização passaria pela sua utilização por rebanhos próprios da quinta, que incitam a reclamações como a supracitada, para os anos de 1799, 1801 e 1824 há rendimentos tributados, respetivamente, às [“Partes de Fora”] “A quem tras as terras da Quinta da Laranjeira oitocentos réis”169, [“Partes de Fora”] “A quem tras as terras da Quinta da Laranjeira a seiscentos réis”170 e [“Adição do Maneio dos Arrendamentos”] “A quem tras os pastos da Quinta da Laranjeira quatrocentos réis”171, que interpretamos como sendo indiciativo que os pastos da Laranjeira, ou parte dos mesmos, andavam arrendados. Uma prática que se tornou constante no período que decorre entre 1825 e 1834:

166 AHMTM, Câmara Municipal, Órgãos do Município, Acórdãos, Assentos, Autos e Vereações, Livro de Acórdãos 1794-1798,

Liv.99, Cx. 49 (fl.121v) [Anexo III: doc.03].

167 Op. Cit. (fl121)

168 AHMTM, Provedoria da Comarca, Décima, Torre de Moncorvo (concelho)

169 AHMTM, Registo da Décima da Vila e do Termo, 1799 Pasta 10, Livro 35, “Livro da Décima da Vila”, fl.17 170 AHMTM, Registo da Décima da Vila e do Termo, 1801 Pasta 11, Livro 38, “Livro da Décima da Vila”, fl.18v 171

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[“Fazendas da Ribeira”] “A quem tras os pastos da Quinta da Laranjeira duzentos réis”172.

Para a última década do século XIX, e, extrapolando do exemplo das matrizes prediais de Alfândega da Fé, coloca-se a hipótese de as matrizes prediais rústicas da freguesia de Moncorvo de 1938173 serem uma cópia do conteúdo de outras, perdidas, datadas da década de 1890. Nestas é-nos apresentada uma propriedade onde já se encontrava introduzida a novidade da batata, com um olival composto de 380 árvores, mas onde o domínio era, ainda, o do centeio: “terra que num ano se cultiva de batatas e outro de trigo, terra que se cultiva cada 2 anos de trigo, terra que se cultiva cada 8 anos de centeio e terra inculta para pastos, olivais que têm 380 oliveiras, tem 7 figueiras174, à qual acrescentaríamos os terrenos, contíguos, da Laranjeirinha, Santa Marinha e da Abeleira”, com seus olivais, terras de centeio e pasto175.

Deste modo, a Quinta da Laranjeira e suas terras complementares, mais uma vez, estariam em linha com o panorama global da região, com a exceção da ausência do amendoal, apresentando-se como uma potencial unidade produtora com cereal, azeite, horta e fruta.

Também ausente encontra-se a vinha, apesar de o edificado da Laranjeira apresentar no seu conjunto uma oficina vinária e uma destilaria [Anexo IV: QL-L-06 e QL-L-07] que correspondem aos cânones das construídas nas quintas do Douro, que começa a difundir-se na região a partir de finais do século XVIII, tornando-se num modelo clássico, amplamente reproduzido, ao longo do século seguinte [FERREIRA 1999: 51- 58]. Tal não indica, necessariamente, em nosso entender, que durante o decorrer do século XIX a cultura do vinho não tenha sido praticada na Laranjeira (o edificado desmente-o176) mas, ter-se-á perdido durante a invasão da filoxera, que chega a Moncorvo no ano de 1881 [PEREIRA 1989: 325] e do míldio. Numa década final do século XIX em que, como já se expôs em capítulo anterior, o cultivo da vinha é

172 AHMTM, Registo da Décima da Vila e do Termo, 1825, Pasta 16, Livro 59, “Livro da Décima da Vila”, fl.37; 1826, Livro 61,

“Livro da Décima da Vila”, fl.36v;1827, Livro 63, “Livro da Décima da Vila”, fl.45v;1829, Pasta 17, Livro 66, “Livro da Décima da Vila”, fl.34v;1830,Pasta 17, Livro 68, “Livro da Décima da Vila”, fl.33v; 1832, Pasta 18, Livro 72, “Livro da Décima da Vila”, fl.30; 1834, Pasta 18, Livro 73, “Livro da Décima da Vila”, fl.22v

173 Repartição de Finanças de T. Moncorvo, Matriz predial rústica de Torre de Moncorvo, ano 1938, nº 447, fl. 89v, nº451, fl.90v,

nº446, fl.89v; Matriz predial rústica de Torre de Moncorvo, ano 1938, nº1119 [Anexo III: doc.06].

174 Áreas parciais e total: terra de batatas e trigo: 6 geiras; terra de trigo 18 geiras; terra de centeio 200 geiras; terra inculta 200

geiras; olivais 6 geiras. Total: 430 geiras [Anexo III: doc.06].

175 [Anexo III: doc.06]

176 Durante as sondagens arqueológicas no EP0076 (Terraço das Laranjeiras) do AHBS, valas para plantação, de cronologia

moderno-contemporânea, possivelmente de vinha, foram identificadas. A ausência de materiais que permitam a atribuição de uma datação relativa, ou de outro tipo de método de datação não nos permitem, infelizmente, afirmar que possa tratar de vinha anterior ao século XX. [informação obtida junto da equipa de arqueologia que intervencionou o local].

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drasticamente reduzido ou mesmo abandonado na totalidade e substituído, maioritariamente, pelo cereal [JACOB 1989: 166; PEREIRA 1908: 358-359].

Nas primeiras décadas do século XX, o tecido produtivo da Laranjeira pouco deveria diferir daquele que é apresentado pelas descrições já analisadas, das matrizes prediais rústicas de 1938, e consequentemente daquilo que terá sido a sua realidade para o final do século anterior.

No entanto, o investimento em novas culturas visando uma produção em quantidade assinalável, isto é, destinada não exclusivamente à casa mas, e sobretudo, ao mercado, surge-nos como uma hipótese forte a apontar, em particular nos casos do amendoal, do olival, da vinha e, principalmente, no trigo. Não obstante continua o centeio a ser a cultura que ocupa a maioria do território cultivado.

Fundamentamos a hipótese apresentada, maioritariamente, nas descrições da quinta que são efetuadas durante o ano de 1950177, no âmbito da nova série de matrizes prediais rústicas da freguesia de Moncorvo [Anexo III: doc.27]. Nas parcelas que compõem a propriedade contamos já, e em produção, 10.000178 videiras, 15.000 amendoeiras e um outro amendoal, 533 oliveiras (e mais oliveiras), terras para batata e várias arvores de fruto, 11 das quais laranjeiras, isto para além do trigo, centeio, horta e pastos.

Deste modo, na Quinta da Laranjeira, ainda no final da 1ª metade do século XX ter-se- ão começado a colher os frutos dos investimentos179 das décadas anteriores, muito provavelmente promovidos por Luiz Carvalho.

Estranha-se que a vinha apenas tenha sido aqui introduzida já no decorrer do século XX. Tal poderá, no entanto, ficar a dever-se, como já vimos, à falta de informação especifica acerca da Laranjeira para todo o século XIX, onde um investimento do género poderia ter-se dado e, em consequência das maleitas da vinha nas duas ultimas décadas do mesmo século, ter desaparecido, quase por completo, como produto rentável ou encontrar-se em fase de revitalização através da enxertia, replantada em cavalo, em vinha americana. Não obstante, não se pode colocar de parte que esta cultura apenas seja introduzida na propriedade em pleno século XX.

177 Repartição de Finanças de Torre de Moncorvo, Matriz predial rústica de Torre de Moncorvo, ano 1950, artigo nº 471, 472

(também ano de 1980); 281; Matriz predial rústica do Larinho, ano de 1950, artigo nº1579; ano de 1992, artigo nº1779

178 Esta quantidade de vinha ocuparia cerca de 2,2 hectares, com uma produção média de 7000 kg de uvas por hectare, numa média

de 12100 litros vinho ano (relação 700kg uva ≡ 550 litros vinho): informação obtida junto de um produtor da região

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O proprietário, pelo menos no que diz respeito às duas últimas décadas da 1ª metade do século XX, vivia mais ou menos em permanência na Laranjeira, funcionando esta, como a centralidade das suas propriedades na região.180

“Já o sol ia declinando e novamente começava a labuta do campo, muitas vezes, eu parava nos caminhos e admirava os campos de trigo ondulantes, que iam tombando na mão dos segadores, cheios de suor, com as mãos calejadas, com os chapéus de palha na cabeça. Eu via na cara de alguns, tristezas e sofrimento, noutros, além de tristeza via-se a resignação pelo cumprimento da vida. São eles os homens rijos e de coragem de ferro, que passam calores e frios, tempestades e bonanças, que das planícies e dos montes transformam terras férteis para tirarem o sustento de que se vivia.”

[ALVES, 2003]

É para o período que corresponde à segunda metade do século XX que mais informação e fontes se conseguiu reunir acerca da Quinta da Laranjeira, no que à exploração da terra e ao tecido produtivo diz respeito.

É o período a que se reportam as memórias recolhidas em entrevistas durante os trabalhos de mitigação do AHBS, para o qual há fontes cartográficas sobre a ocupação do solo, fotografia aérea, com a possibilidade da sua análise através do cruzamento com as fontes orais e das matrizes prediais rústicas de 1950 e posteriores [Anexo I: Ilustração 09].

É a época do “era tudo semeado (…)”181, expressão recorrente na região, a par de outra: “era tudo fabricado!”, quando se pergunta acerca do período que vai da década de 1940 à de 1970. E do “a quinta tinha de tudo (…) ” [AFP0666, 03:45m]182.

No seguimento do que vinha acontecendo nas duas décadas anteriores, em consequência de leis protecionistas ao mercado cerealífero nacional, na década de 1950 era o trigo que dominava o tecido produtivo na Laranjeira. E onde este não se conseguia cultivar, plantava-se a cevada, para os animais, e o centeio [JALVES1370, 57:40m e 1h01:32m], em menor quantidade e apenas nos terrenos onde o trigo não se dava.

O cereal era malhado na propriedade, parte na eira da Ponte [Anexo IV: QL-L-16] e o restante numa eira que existia a nascente de um dos cardenhos da quinta [Anexo IV:

180 Sabemos, quer por inquérito quer pelos registos prediais que Luís Carvalho possuía, inclusivamente, mais quintas na região, por

exemplo a Quinta do Zimbro (no vale da Vilariça, freguesia da Adeganha).

181 “Batatas, feijão, hortaliças, trigo, olival, amendoal, etc” [JALVES1370, 1h10:52m]. JALVES, indivíduo do sexo masculino de

78 anos (em 2013, ano de realização da entrevista), natural de Freixo de Espada à Cinta. Concluiu o ensino secundário, foi agricultor, mineiro, ferreiro e militar, tendo trabalhado e habitado, quando jovem, na Quinta da Laranjeira.

182 AFP, indivíduo do sexo masculino de 74 anos (em 2011, ano de realização da entrevista), natural de Torre de Moncorvo. Tem a

4ª classe e foi eletricista. Toda a vida viveu em Moncorvo e teve uma relação próxima com o rio Sabor e as propriedades existentes nas suas margens, nomeadamente a Quinta da Laranjeira, e suas atividades e vivências: a pesca, a barca, as bateiras, a agricultura e a história da Laranjeira.

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QL-L-12], que terá sido destruída, ainda antes dos trabalhos do AHBS, pela surriba mecânica do terreno para a plantação de árvores [JALVES1370, 56:00m].

A produção do trigo era entregue à Federação Nacional dos Produtores de Trigo em Moncorvo, ficando na quinta apenas o necessário para o consumo da propriedade. Antes disto, era moído na Moagem Montenegro, em Moncorvo, junto da antiga estação do caminho-de-ferro, uma moagem mecânica, pois a Laranjeira não tinha moinhos próprios. [JALVES1370, 59:47m e 1h51:40m].

O olival e o amendoal, embora ocupando uma área muito reduzida em comparação com a do cereal, eram uma importante fonte de rendimento da quinta. O olival situava-se na margem esquerda da ribeira das Latas [JALVES1370, 1h48:38m], junto da margem do Sabor, ao redor do edificado central e na propriedade da Ponte, junto da fonte do Alcaide. A azeitona seguia para um lagar em Torre de Moncorvo.

O amendoal encontrava-se, sobretudo, junto do edificado central [JALVES1370, 1h48:38m], na margem esquerda da ribeira das Latas e nas proximidades, ladeando a estrada municipal que atravessa a quinta.

121 Ilustração 09: – Culturas agrícolas e respetiva distribuição, para os períodos entre as décadas de 1950-60 e a de 1990 [Retirado e adaptado DORDIO GOMES e 2014: 39 / Anexo 1, 4; Conceção DORDIO GOMES

e CORREIA, execução cartográfica de João Monteiro] [Para melhor leitura: ANEXO I: Ilustração 09]

O vinho e a aguardente eram produtos relevantes na economia da Laranjeira [HAP1830752, 00:30m]. Pese embora a vinha, para as três primeiras décadas da segunda metade do século XX, nunca ter chegado a ultrapassar os 2,5ha de terreno cultivado. Situava-se, sobretudo, junto do caminho a sul do lagar de vinho que ligava esta área da quinta à estrada municipal [JALVES1370, 56:34m], como que a ladeá-lo, mais umas poucas videiras nos terrenos mais escarpados, em cordões junto ao rio e, sobretudo, nas olgas, entre as casas e o Sabor, em particular naquela a poente da destilaria [Anexo IV: QL-L-07]. Para além da vinha na Laranjeira, Luís Carvalho tinha-as noutras propriedades, mas era para a Laranjeira que canalizava a colheita, ali ficava o lagar, a

183 HAP, indivíduo do sexo masculino de 80 anos (em 2012, ano de realização da entrevista), natural de Torre de Moncorvo. Com a

4ª classe, foi membro da Junta de Freguesia de Moncorvo durante 25 anos, guarda-rios (1959-2002), pedreiro e chegou a trabalhar nas Ferrominas, antes de ir para a tropa. Pelas profissões e cargos políticos que exerceu, apresentava um conhecimento muito relevante para a história do rio Sabor, da quinta da Laranjeira e do quotidiano dos mesmos e da vila de Moncorvo.

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adega e a destilaria, onde a uva era processada: “O vinho. A vinha era a parte de baixo, entre o rio e a quinta. Depois tinha mais vinha noutros sítios, noutras quintas, mas trazia para aqui porque aqui é que tinha o lagar. As uvas eram transportadas nuns cestos feitos de vime, não eram dornas, eram de vime. Depois vinham para aqui e eram esmagadas: a pé” [AFP0719, 13:50m].

Existia, na mesma altura, um pomar de laranjeiras, no pequeno vale, onde corria uma linha de água sazonal, a oeste da destilaria, ali se fazia, igualmente, horta [JALVES1370, 1h06:45 a 1h10:54m]. Havia mais hortas abaixo dos currais, entre estes e o rio, para além de outras árvores de fruto dispersas pelo território da quinta.

A criação de animais era, como seria de esperar, igualmente praticada. Desde machos e bovinos, para tração e trabalho no campo, passando por aves de capoeira [JALVES1370, 1h24:00m], pombos [JALVES1370,52:12m; 1h03:54m], como atesta o pombal [Anexo IV: QL-L-22], abelhas, no apiário junto ao casario [JALVES, 1h53:30m / Anexo IV: QL-L-17], um rebanho e uma cabrada, dos quais se aproveitavam o leite, a carne, a lã e o precioso estrume. Como nos explicou JALVES1370, o rebanho e a cabrada da Laranjeira, no tempo mais quente, dormiam nos redis e bardos, que eram mudados de sítio diariamente para haver estrume em toda a área da quinta. O pastor dormia junto do bardo, numa espécie de cabana ou abrigo móvel em materiais perecíveis, provavelmente semelhante àqueles (esteiras) fotografados na Horta da Vilariça, Sendim ou Carvalho da Ega184, pois havia que guardar o gado dos lobos