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Agricultura, Tecnologia e Meio Ambiente: (des)vantagens da agricultura familiar Salientados os erros estratégicos que marcaram a proposta para o campo no projeto

DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

1.2 AGRICULTURA FAMILIAR, DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO E SEGURANÇA ALIMENTAR

1.2.2 Agricultura, Tecnologia e Meio Ambiente: (des)vantagens da agricultura familiar Salientados os erros estratégicos que marcaram a proposta para o campo no projeto

nacional de desenvolvimento, asseveraram-se algumas das vantagens sociais e políticas da agricultura familiar na construção de uma realidade mais democrática e equitativa, deixadas de lado sob o argumento da superior eficiência econômica da grande produção.

Essa subestimação da agricultura familiar é criticada por diversos autores, utilizando como argumentos: a capacidade adaptativa da agricultura familiar em diferentes contextos espaciais (sócio-culturais, e econômicos); os custos energéticos e ambientais do latifúndio, comparados a estruturas menos agressivas de produção; a equivocada oposição entre setores tradicionais e capacidade de absorção de inovação tecnológica; a distorcida relação entre escala de produção e eficiência alocativa; e a irracionalidade dos custos sociais, ambientais e econômicos da mecanização intensiva em um país onde a mão-de-obra é um recurso superabundante.

Para Wanderley (1998), representante brasileira em pesquisa conjunta com professores da França, Canadá, Tunísia e Polônia, mediante a comparação da agricultura familiar nesses países, caracterizados por apresentarem modernas sociedades onde os sistemas capitalista e/ou socialista (no momento da pesquisa) encontram-se em estágio avançado ou em processo de desenvolvimento, concluiu que o modo de produção familiar não representa uma forma residual de uma estrutura fadada ao desaparecimento por ter caído na obsolescência.

Ao contrario, a agricultura familiar ocupa um espaço próprio na economia dessas sociedades, cujas diferenças sociais, históricas, culturais, políticas, ou seja, espaciais constituem multiformes e diversas realidades da produção familiar. Tais observações configuram a grande capacidade de adaptação, característica exaltada por Carneiro e Maluf (2003) ao definirem a multifuncionalidade da produção familiar, fator que lhe possibilita ser viável em diferentes estruturas sócio-culturais e políticas e em diversas condições ambientais e produtivas.

Castor (1983) destaca a falsa noção de eficiência que embasa o favorecimento à produção intensiva. O autor define eficiência, de acordo com o conceito do American

Heritage Dictionary of the English Linguage, como ser “capaz de exibir uma alta relação

entre produto e insumo” (CASTOR, 1983, p. 41), apresentando como referência para essa análise a comparação entre a agricultura americana e indiana:

Qual das duas agriculturas é mais eficiente, a da Índia ou a dos Estados Unidos? A resposta convencional seria quase obvia: a americana, pois são obtidas nos Estados Unidos safras três vezes maiores na mesma unidade de área. O agricultor americano produz muito mais, em média, que seu colega indiano. Se se tomar a demanda energética global, porém, verificar-se-á que, nos Estados Unidos, são utilizados dez vezes mais insumos energéticos por unidade de área do que na Índia. Portanto, sob o aspecto energético, (que é crucial), a agricultura americana é menos eficiente que a da Índia. (CASTOR, 1983, p. 41)

Levando-se em conta as necessidades produtivas a médio e longo prazo, considerando- se o gasto energético, ou mesmo a degradação de recursos naturais, a maximização da produção com base na intensa artificialização do latifúndio, na extrema exploração da natureza e no uso intensivo de recursos escassos, mostra-se menos eficiente que a produção aliada à dinâmica reprodutiva da natureza, poupando-se os recursos menos abundantes e evitando-se a degradação ambiental, ainda mais no caso brasileiro, dada a existência de grandes extensões de terras ociosas.

Guanziroli et al. (2001) evidenciam a equivocada noção de escala que configura-se por identificar, na grande produção, maior capacidade de geração de ativos econômicos pela concentração de meios de produção. Essa idéia associa os mecanismos de produção na agricultura à estrutura industrial, quando os processos produtivos apresentam diferenças importantes. Enquanto a indústria exige uma acentuada divisão de trabalho devido à simultaneidade das etapas de produção, a agricultura, pelo próprio ciclo biológico das espécies cultivadas, possibilita a utilização da mesma mão-de-obra em etapas diferentes do processo (aragem, semeadura, colheita). Dessa forma, o ganho de produtividade é a “soma dos ganhos de produtividade parciais da terra e do trabalho” (GUANZIROLI et al., 2001, p. 25), ambos abundantes no caso do Brasil.

A adoção indiscriminada da grande escala: agrava a concentração dos meios de produção no campo, impedindo a democratização produtiva, alcançada pela ampliação do número de trabalhadores rurais que dispõem desses meios. Tal condição dificulta a conquista da segurança alimentar, através da produção para auto-consumo e da ampliação da disponibilidade de alimentos para a comercialização; aumenta substancialmente o custo energético e de outros ativos, por unidade de área; acelera a degradação de unidades de manejo intensivo, causando danos significativos à recursos hídricos e pedológicos e à

diversidade biológica; e desperdiça o potencial produtivo de espaços negligenciados pelo latifúndio.

Outro fator questionado é a incompatibilidade de setores tradicionais, como a produção agrícola familiar, e os avanços tecnológicos. Segundo Diniz (2002), não se pode negar que, atualmente, o mundo está voltado para a economia do aprendizado, elaborando ou absorvendo C,T&I destinadas aos processos produtivos, considerando os limitados recursos disponíveis e a sustentabilidade.

Contudo, contrariamente à visão geral, economia do aprendizado não significa economia baseada em alta tecnologia. “Aprendizado refere-se à construção de novas competências e estabelecimento de novas especializações (...) insere-se em todas as partes da economia, incluindo os setores tradicionais e de tecnologia simples” (DINIZ, 2002, p. 9. Grifo nosso).

A suposta antagonia entre agricultura familiar (tradicional) e o progresso tecnológico, na realidade, está impregnada de julgamentos históricos que identificam como atraso a produção para consumo próprio e subsistência, fortemente associada às formas familiares de produção. Na verdade, além dessas finalidades produtivas não comportarem todo universo da AF, estas são as formas menos suscetíveis às crises do mercado financeiro mundial, por estarem fundamentadas, principalmente, na disponibilidade local de insumos e suprirem parte significativa das necessidades familiares, o que não reduz a capacidade de tais agricultores interagirem sadiamente na dinâmica econômica, ou assimilarem inovações tecnológicas.

As vantagens sociais da produção familiar não excluem as vantagens econômicas identificadas, sem as quais a demanda por matéria prima das indústrias dos países desenvolvidos tornaria inviável os investimentos e as políticas de apoio a este segmento. Bem como a tradicionalidade da estrutura familiar de produção não inviabiliza a sua inserção na dinâmica tecnológica e inovativa uma vez que, conforme Lundvall (1996) defende, há um destaque para a capacidade de aprender em setores tradicionais da economia, o que é fundamental para a sua dinamização.

De acordo com a Cepal, diferentes teorias econômicas e sociológicas confirmam que a força da produção agropecuária nacional está nos empreendimentos familiares que “são unidades produtivas capazes de incorporar mudanças tecnológicas importantes, de participar de mercados dinâmicos e de operar de forma responsável com o crédito (CEPAL, 2003, p. 243).

Isso coloca sob a responsabilidade das políticas governamentais não “proteger” um segmento de “pequenos produtores”, mas permitir que mais agricultores tenham acesso às

condições necessárias à participação em mercados dinâmicos e promissores, posto que a agricultura familiar responde, de acordo com a CEPAL (2003), por um terço da produção agropecuária brasileira14.

O desenvolvimento da agricultura familiar, portanto, dependeria da formulação de políticas voltadas para apoiar, consolidar e expandir a produção familiar, baseadas na disseminação do acesso à terra e ao crédito. Necessita, igualmente, da realização de pesquisas que viabilizem o desenvolvimento de tecnologias apropriadas, intensivas no uso dos recursos mais abundantes, como o trabalho e restritivas no uso de recursos escassos, bem como na disponibilização consistente de assistência técnica, a fim de aumentar sua eficiência econômica e reduzir os impactos ambientais na produção agrícola.

14

A área total ocupada pela agricultura familiar com produção animal, fruticultura, culturas permanentes e temporárias corresponde a 30,5% da área agrícola total. Com relação à produção animal, os agricultores familiares produzem 58,5% dos suínos, 52,1% da pecuária de leite, 39,9% das aves e ovos e 23,6% da pecuária de corte. Nas culturas permanentes, a produção familiar é responsável por 57,6% da banana, 47% da uva, 27% da laranja e 25,5% do café produzido no país. Nas culturas temporárias estes produtores são responsáveis por 97,2% do VBP total da produção de fumo, 83,9% da de mandioca, 72,4% da cebola, 67,2% do feijão, 48,6% do milho, 33,2% do algodão, 31,6% da soja, 30,9% do arroz e 9,6% da cana (FAO/INCRA

CAPITULO II

SITUANDO A AGRICULTURA FAMILIAR E A