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4 – A AIDS NA IMPRENSA: A HISTÓRIA DA AIDS

4.2. A AIDS NA IMPRENSA BRASILEIRA

Imediatamente após a imprensa norte-americana, a mídia brasileira inicia a cobertura das mortes que ocorriam em outros países em decorrência da Aids. As notícias geralmente eram baseadas em informações repassadas por agências de notícias internacionais, já que ainda não havia sido registrado o primeiro caso de Aids no país. A primeira matéria sobre o HIV foi publicada no Jornal do Brasil, em julho de 1981. Primeiro se falou da Aids como fato confirmado para depois se descobrir realmente do que se tratava a “nova doença”. Somente em 1982 foi registrado o primeiro caso de um portador do HIV no país, embora a doença só tenha atingido de fato a população brasileira em 1983, com a morte do costureiro Marcus Vinícius Resende Gonçalves, conhecido como Marquito, aos 31 anos.

38 Vírus pertencente ao grupo dos herpesvírus transmitido normalmente pela via sexual.

Uma das revistas de maior circulação no país, Veja, da Editora Abril, só publicou a primeira capa sobre Aids, em 1985. Como reproduziam fielmente as notícias internacionais, a abordagem feita pelos meios de comunicação brasileiros dava continuidade também aos preconceitos e dúvidas que o resto do mundo dividia até então.

Hansen (2004, p. 32) afirma: “No início as notícias pareciam ser exageradas na mídia, e talvez até o fossem, porque não se sabia nada ao certo sobre o que estava ocorrendo de tão dramático no mundo e o que viria a seguida”.

Segundo Darde (2006), a busca pela “cara” da Aids foi incessante, mostrando, principalmente, o sofrimento de celebridades, como o cantor e compositor Cazuza. Em 1989, a revista Veja publicou na capa de uma de suas edições uma foto de Cazuza, já abatido pela doença, com o título. “Uma vítima da Aids agoniza em praça pública”. Apesar de a matéria correspondente ser de boa qualidade, o título e o uso da imagem debilitada do cantor foram sensacionalistas e acabaram alertando a sociedade para os abusos do Jornalismo e a necessidade de ética e responsabilidade social ao se tratar da Aids.

Segundo entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 198940, Cazuza acreditava que a reportagem de VEJA teria o importante papel de falar abertamente sobre a doença do ponto de vista de um portador do HIV e por isso, aceitou dar entrevista à revista. No entanto, posteriormente ele afirmou ter se decepcionado ao ver sua foto acompanhada do título sensacionalista na capa da edição. Vários artistas partiram em defesa de Cazuza e publicaram em diversos veículos de comunicação cartas contra a falta de ética no Jornalismo.

Durante os anos 80, o caminho percorrido pela imprensa ao tratar da Aids deu passos lentos em direção ao que seria considerado como Jornalismo responsável. A matéria publicada pela Veja é um exemplo de como no último ano da década, revistas de expressão nacional ainda escolhiam a vendagem de exemplares em detrimento de sua responsabilidade social.

A cobertura da Aids, no entanto, não era sempre sensacionalista. Outros veículos de comunicação desempenharam um papel importante ao fazer com que a doença fosse discutida pela sociedade. Em 1991, a Rede Globo levou ao ar a minissérie “O Portador”. Mesmo tendo apenas oito capítulos, o fato de o programa ter discutido um assunto ainda tão polêmico em horário nobre, às 21h, faz com que ele mereça destaque na história da Aids na imprensa brasileira. A história, dirigida por Herval Rossano, começava quando o empresário Léo, representado por Jayme Periard, contraía o vírus HIV durante uma transfusão de sangue,

40 Trecho disponível no endereço:

após um acidente aéreo. A personagem passa, então, pelas fases do pânico, depressão e isolamento, comuns em pessoas que se descobrem portadoras de uma doença considerada tão letal.

A fim de recuperar sua auto-estima, ele decide descobrir quem o contaminou e passa a procurar todos os passageiros do avião acidentado. Nesta busca, a minissérie acaba mostrando os estigmas presentes na sociedade em relação à Aids, já que alguns dos passageiros eram homossexuais e outros tinham comportamento considerado promíscuo.

O programa foi importante porque mostrou os sofrimentos psicológicos e sociais enfrentados pelos portadores do HIV e também que a vida poderia continuar mesmo diante do diagnóstico positivo para a Aids. O relacionamento de Léo com Marlene, representada por Dadina Bernadelli, que sabia de sua doença, serviu para enfatizar a importância do uso do preservativo nas relações sexuais.

Mesmo em 1991, quando a idéia de “viver com Aids” ainda não estava firmada na sociedade, “O Portador” mostrou que era possível continuar com uma vida normal – porém com dificuldades – mesmo tendo o vírus HIV em seu organismo. A minissérie recebeu elogios de um dos maiores ativistas em defesa dos doentes de Aids, o sociólogo Hebert de Souza, presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).

Embora tenha cometido erros ao longo destes 27 anos de Aids no mundo, a mídia participou ativamente da construção da doença junto à sociedade. De fato, para a antropóloga Galvão (2005), a mídia foi uma das primeiras respostas à Aids no país. Com os meios de comunicação, a doença ganhou dimensão pública e deixou de ser assunto de interesse somente da comunidade científica e médica. A mídia e a sociedade civil organizada foram responsáveis por mostrar que a Aids representava mais que uma questão patológica, mas também social, cultural, econômica e política.

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