• Nenhum resultado encontrado

5 – AIDS E JORNALISMO: A NOTÍCIA E SEUS CRITÉRIOS

5.1. CONSTRUÇÃO DE SENTIDO DA AIDS

No início dos anos 80, a imprensa desempenhou o importante papel de desvendar para os leitores a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Fausto Neto (1999, apud Darde, 2004) destaca que os processos de construção da inteligibilidade da Aids, o modo como ela seria compreendida pela sociedade, estavam diretamente ligados às práticas jornalísticas e aos efeitos de sentido criados por elas. A mídia faz uso de um discurso persuasivo e autoritário a fim de influenciar, se não determinar, a interpretação do leitor sobre os fatos noticiados.

O desejo de comunicar determinadas idéias – a comunicação propriamente dita, a vontade de dizer coisas aos outros e o efetivo ato de dizer, o movimento em direção à construção do texto e sua construção – fica mediado por essa unidade que se chama signo. O modo de articulá-lo, organizá-lo, poderá direcionar o discurso, inclusive do seu maior ou menor grau de persuasão (CITELLI, 2004, p. 27).

Entende-se por signo a entidade composta pelo significante, aspecto concreto, onde o signo se torna legível ou audível; pelo significado, a representação mental evocada pelo significante; e pela significação, resultado da união de significante e significado. O discurso persuasivo, portanto, manobra a utilização dos signos com o objetivo de convencer indivíduos – no caso do Jornalismo, o público leitor – da veracidade de determinados fatos e pontos de vista.

A análise dos elementos que poderão criar este efeito persuasivo traduz-se na retórica clássica proposta por Aristóteles. Trata-se de uma série de raciocínios discursivos que constroem os mecanismos persuasivos do discurso. Citelli (2004) apresenta três raciocínios presentes na retórica clássica: o raciocínio apodítico, dialético e retórico. O primeiro oferece uma verdade inquestionável, a argumentação é construída de modo que o receptor não duvide da verdade apresentada pelo emissor. Já o dialético oferece mais de uma conclusão possível, porém indica aquela considerada mais aceitável. O raciocínio retórico atua como o dialético, mas apela para o sentimentalismo para convencer o leitor.

O Jornalismo faz uso de todos estes raciocínios para atrair a atenção de seu público e persuadi-lo sobre a veracidade do que é apresentado. A retórica jornalística é referencial, utiliza a disposição do texto em terceira pessoa e os verbos no modo indicativo para garantir a impessoalidade e credibilidade do que é noticiado.

Como um dos produtos da persuasão tem-se o sensacionalismo, que se trata de uma forma de utilizar a linguagem e o apelo emocional para o convencimento do espectador. O uso excessivo de adjetivos – embora estes não sejam aceitos em um Jornalismo que prega a objetividade –, de hipérboles e metáforas são exemplos das estratégias utilizadas pelo sensacionalismo.

O constante uso de figuras de linguagem verificado no início da cobertura sobre a Aids causou inúmeros prejuízos à comunidade homossexual. Os meios de comunicação utilizaram metáforas como “câncer gay”, “praga rosa” ou “mal dos homossexuais” para firmar a idéia de que a doença acometia somente as pessoas que mantinham relações sexuais com outras do mesmo sexo.

Aparentemente, não havia preocupação em procurar formas corretas, do ponto de vista ético, de se falar desta doença. O uso das metáforas não foi uma simples utilização de sinônimos para se referir a ela, foi uma tentativa de atribuir sentido à Aids. Sontag (2007, p. 90) aponta que todas as doenças cuja causa é obscura e que sejam de difícil tratamento, geralmente, são carregadas de significações.

Como era previsível, em se tratando de uma doença ainda não inteiramente conhecida, além de extremamente resistente a tratamentos, o advento desta nova e terrível doença – nova ao menos enquanto epidemia – proporcionou uma excelente oportunidade para a metaforização da moléstia. (Idem, p.90)

Segundo Sontag (2007), as metáforas utilizadas para se referir à Sífilis43, no século XV, deram origem àquelas empregadas para se falar da Aids. Passavam a idéia de uma moléstia que “não apenas era repulsiva e punitiva, como também representava uma invasão que atingia a toda a coletividade” (Idem, p. 120). As metáforas antes utilizadas para se referir aos “males dos séculos”, como a própria Sífilis, o Câncer e em especial a Peste Negra foram, então, adaptadas a nova realidade: o advento da Aids. Os cientistas e a sociedade em geral acreditavam que o vírus se espalharia por todo o mundo, assim como aconteceu com a Peste, que surgiu na África. Portanto, a metáfora “peste” representa a visão pessimista predominante na sociedade em relação a Aids. Ainda segundo a autora, esta denominação – a principal metáfora para se tratar da Aids – era utilizada para se referir a patologias que, além de enfraquecer e incapacitar seus doentes, o envergonham.

Para Sontag (2007), capacidade de metaforização da palavra “peste” é tanta que ela carrega em si dois sentimentos divergentes: o de punição por um comportamento

43 Doença Sexualmente Transmissível (DST) causada pela bactéria Treponema pallidum que tem como principal

considerado imoral e o de piedade, por considerar-se que ela ataca pessoas inocentes, impotentes diante do vírus. “Tal é o poder, a eficácia extraordinária da metáfora da peste: ela permite que uma doença seja encarada ao mesmo tempo como um castigo merecido por um grupo de ‘outros’ vulneráveis e como uma doença que potencialmente ameaça a todos”. (Idem, p.127).

A construção da imagem da doença se dá pela terminologia utilizada na escrita do texto, pelo uso de lugares-comuns, figuras de linguagem e pelo estilo gramatical empregado. Para Sousa (2000) embora não seja a única condicionante para a produção de sentido de uma mensagem, a linguagem utilizada pelos jornalistas é a condicionante mais imediata.

A jornalista Deire Assis considera que é primário para o jornalista preocupar-se em como irá abordar o tema “Aids”, tratar o tema com dignidade, sem utilizar termos que de alguma forma possam insultar tantos as pessoas atingidas pela Aids quanto o público em geral. “Quando há dúvidas, a gente pergunta para os colegas, pesquisa, pergunta para os

ativistas”, completa.

O fato de que o vírus HIV permanece latente no organismo, age permanentemente e, além disso, causa a desumanização física e psicológica de seu portador, fez com que a Aids, durante muito tempo, fosse relacionada com as mais drásticas e discriminadoras moléstias. Seus sintomas “descapacitam, desfiguram e humilham o paciente, tornando-o cada vez mais fraco, indefeso e incapaz de controlar suas funções e atender a suas próprias necessidades básicas” (SONTAG, 2007, p. 92).

Documentos relacionados