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Aikidoísta, Pesquisadora e Arte-educadora

No documento O teatro como Budô = o Aikidô em cena (páginas 41-46)

Ao decidir formar um grupo de atores, bailarinos, musicistas, e uma pedagoga, a aikidoísta e pesquisadora, precisou definir a escolha de como abordaria o grupo e como se apresentaria diante dos alunos que buscaram o Aikidô EnCena.

Decidiu que agiria e trabalharia na tentativa de cumprir e assimilar três papéis: a de aikidoísta, a de pesquisadora e a de arte-educadora.

O objetivo de pesquisa e de DO – caminho - foi desenvolver, uma pedagogia do treinamento, do praticar o Aikidô experimentando a proposta com artistas da cena e pedagogos, visando uma preparação para a cena. Como a abordagem propõe uma formação do ator, que antes de tudo é um indivíduo, um ser humano, a pedagogia encontra suporte em sua prática.

Havia ênfase na pedagogia do treinamento, pois partia-se da concepção do aprender junto, gradativamente, de acordo com as necessidades especificas do grupo em questão.

A função de pesquisadora configurou-se diante do objetivo em apresentar e sistematizar essa prática, desenvolvida em um ambiente acadêmico, a Faculdade de Educação, da Universidade Estadual de Campinas, para a dissertação de mestrado ‗O Teatro como Budô – o Aikidô Em Cena‘.

A função de arte-educadora possui semelhança a um papel de educador que um Sensei desempenha. Há o intuito do ensinamento, da troca de

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conhecimentos entre os envolvidos. Um cuidado e responsabilidade pela integridade física e emocional dos praticantes.

E por fim, a função que predominou durante a pesquisa do Aikidô EnCena, foi a de Aikidoísta. A praticante de Aikidô 1° Kyu, esteve envolvida de maneira pessoal e profissional com o grupo e a pesquisa, uma postura natural diante do interesse e paixão pelo projeto:

'O pesquisador participa ativamente no processo da pesquisa interagindo com os aspectos conscientes e inconscientes do fenômeno pesquisado. [...] pode-se supor, como parte integrante da pesquisa, a participação da personalidade do pesquisador em todas as etapas do processo'. (PENNA, 2007:129).

A didática ao lidar com os participantes foi baseada na postura de uma aikidoísta sempai e shidosha e não como uma Sensei, uma mestra. A abordagem entre a aikidoísta e pesquisadora e os participantes foi simples e direta, inspirada na dinâmica do tatame, entre alunos novos e sem experiência e os mais graduados. As orientações seguiam a postura de um convite, frases como „experimenta assim‟, ou „vamos tentar dessa forma‟, ou ainda „desse jeito parece-me mais eficiente‟, eram escolhidos ao invés de uma colocação determinante como „faça assim‟ evitando dessa forma, o entendimento de que só existe um jeito de compreender a técnica.

Assim, os direcionamentos tinham como objetivo demonstrar como funcionava para a aikidoísta sempai a realização de determinada técnica e kata. As técnicas e katas possuem uma forma determinada e um desenho característico. A aikidoísta e pesquisadora, apresentava maneiras em que cada técnica, a partir de seus corpos, pesos e energias, fossem compreendidos e experimentados, seguindo o desenho característico da forma dos katas, como também, respeitando a energia e corpo dos alunos.

Para demonstrar a técnica a aikidoísta e pesquisadora, convidava um dos alunos para ser o Uke e apresentava a técnica a ser praticada.

Àqueles que observavam a demonstração, era natural que experimentassem movimentos diferentes da forma apresentada, ou porque ainda não haviam sentido

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a técnica e sua confluência natural ou porque há grande diferença entre o olhar e o fazer.

Assim, após essa primeira experimentação, a aikidoísta e pesquisadora retomava a técnica proposta e demonstrava em cada aluno um como fazer, de maneira que todos pudessem sentir e realizar a técnica na função de Uke e de Nage.

O revezamento de funções e percepções é fundamental para o desenvolvimento das virtudes do samurai propostos no Bushidô e que inspirara O Sensei em sua vida. A pesquisadora e aikidoísta 1° Kyu exercitava dupla responsabilidade, a de pesquisadora e de sempai.

A graduação 1° Kyu é um momento importante na trajetória do aikidoísta, pois significa estar treinando para faixa preta, Yudansha, um momento de transformação, e por isso mesmo um momento de treinar a humildade.

Treina-se para não se iludir com os conhecimentos básicos. Assim como o grupo, a aikidoísta e pesquisadora era uma aprendiz na relação única de troca do Aikidô em Cena, e os alunos. Eles eram seus mestres: "é por meu corpo que compreendo o outro, assim como é por meu corpo que percebo "coisas"". (MERLEAU-PONTY, 2009:253). O contato e a relação desenvolvida por cada corpo, cada aluno, proporciona diferentes níveis de conhecimento.

Foi construído um ambiente de grande respeito no treinamento, a aikidoísta e pesquisadora como shidosha tinha como objetivo e postura, a dedicação integral aos alunos, e essa dedicação, fazia parte da própria pesquisa e proposta de um teatro como Budô.

A escolha em destacar a função de shidosha, deve-se à compreensão de que há uma longa jornada para se tornar Sensei, a obtenção da faixa preta, por exemplo, é parte dela, mas não se encerra nela. A faixa preta é a seqüência e conseqüência do treinamento. Há o valor simbólico da faixa, um valor que vai além da graduação do Kyu ou do grau, o Dan.

O Sensei da aikidoísta e pesquisadora segue como a grande referência para o desenvolvimento de seu Aikidô. É um Sensei que consegue ir além da função de

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professor de Aikidô faixa preta. Sua atuação extrapola sua habilidade técnica, virtuose e graduação, é um Mestre. Sensível, firme e preocupado com o outro.

É um Sensei em seus ensinamentos espirituais, éticos e por sua relação e compromisso com o Aikidô e seus alunos. É um Sensei por sua forma de treinar e trabalhar os ensinamentos do Aikidô para com seus alunos e discípulos, nesse sentido, há uma diferença ética e ideológica entre carregar uma faixa preta como título e ser um Sensei.

Nem todos os aikidoístas vivenciam a prática filosófica do Aikidô fora do espaço Dojô, nem todos praticam a filosofia em seu cotidiano. Alguns faixas- pretas nunca se tornam um Sensei, mesmo ministrando aulas técnicas admiráveis. Não é necessário enumerar ações de um Sensei, a diferença é perceptível, começa com o sentimento.

Em cada encontro do Aikidô EnCena, não apenas a aikidoísta e pesquisadora estava presente, mas antes seu sensei. É uma rede, um elo de gratidão e de exemplo, a aikidoísta representa seu sensei12 que também representa seu sensei e assim sucessivamente até chegar ao fundador Ô Sensei Morihei Ueshiba.

Essa postura teve início a partir do entendimento que O Sensei Ueshiba mantinha com relação à cultura e tradição entre mestre e discípulo. Esse compromisso é mantido e faz parte do treinamento.

Sensei Saotome, aluno interno do O Sensei, explica essa relação e como funcionava a seleção dos praticantes de Aikidô:

Quando um mestre aceita um discípulo que vai assumir os seus ensinamentos e filosofia, a sua responsabilidade para com ele não é meramente pessoal. O discípulo dá continuidade não apenas à habilidade técnica do professor, mas também ao seu espírito. Transmitindo a outros o conhecimento do poder, o professor é responsável pelas reações e conseqüências sociais desse conhecimento, sejam elas boas ou más. (...) Por esse motivo antes mesmo de examinar o candidato, Ô Sensei exigia cartas de recomendação de duas pessoas que ele reconhecesse como idôneas. Depois, observando-o de perto, analisava cuidadosamente o seu caráter por algum tempo e só então marcava uma entrevista pessoal antes de tomar a decisão. (SAOTOME, 1993:174/175)

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O sensei da aikdioísta e pesquisadora Juliana é o sensei Rodrigo Calandra, que foi uchideshi do Kawai sensei, que treinou com o fundador do aikidô Morihei Ueshiba.

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Seguindo esse ensinamento, entende-se que uma relação construída leva tempo e nada deve ser imposto. A aikidoísta e pesquisadora conheceu o Aikidô em 1998, mas foi em 2002 que encantada com essa arte marcial, pôde experimentá-la e iniciar o treinamento. Foram semanas frequentando o Dojô, se informando e se prontificando à matrícula, quase insistentemente. Após esse período de teste e demonstração de respeito e confiança (ao já adotado mestre), um dia o Sensei Rodrigo a chamou e disse: „- Vamos nos matricular?‟. Ela havia conseguido ser aceita. E esse teste vindo de um verdadeiro Sensei, agrega uma importância enorme.

Assim, a postura de um sensei deve seguir a responsabilidade e honrar a faixa-preta, e seu Sensei. Essa postura independe do tempo de treinamento. Deve ser desenvolvido em todas as graduações. O Fundador do Aikidô dizia:

Em teu treinamento, não sejas apressado, pois são necessários no mínimo dez anos para dominares o que é básico e avançares para o primeiro degrau. Nunca penses que és perfeito como mestre e que a tudo conheces; tens que continuar treinando diariamente com teus amigos e discípulos para progredirem juntos na Arte da Paz. (UESHIBA, 2002:105)

Ou seja, há um tempo de maturação neste treinamento que é diferente para cada praticante, e excede o tempo cronológico. Relaciona-se a um tempo de vivência e doação. Falar de forma formal e com tamanha devoção sobre o mestre de artes marciais pode soar fora de contexto a alguns de nós ocidentais, talvez criando certo ruído. No entanto, não é o propósito desse estudo precipitar-se sobre as diferenças entre a relação do mestre entre ocidentais e os orientais. Essa pesquisa é realizada por uma ocidental praticante de uma arte marcial japonesa, cujo mestre também é ocidental, o qual por sua vez teve um mestre japonês. Assim, não é o intuito da pesquisa segregar o diferente, e sim identificar o positivo nessa junção.

A relação entre sensei e praticantes de Aikidô é uma maneira de compreender e abordar a relação entre atores, pedagogos e seus respectivos mestres.

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A confiança, reconhecimento da hierarquia, gratidão, compaixão, entre os praticantes de teatro, é um diferencial que como formação de atores, busca-se atingir nesse trabalho.

A relação dos atores e o diretor, ou provocador cênico, enfim, aquele que propõe, conduz o olhar externo que oferece o feedback, deve ser de entrega e confiança. Do contrário o trabalho será atingido somente até determinado ponto. Não será uma entrega total. E todos aqueles que trabalham e já vivenciaram a experiência de confiança e entrega em uma situação de criação artística, compreende que diferença desses estados é significativa.

No documento O teatro como Budô = o Aikidô em cena (páginas 41-46)

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