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Alargando as noções de religiões afro-brasileiras

legitimação: religiosos e pesquisadores como mediadores

Texto 2. Alargando as noções de religiões afro-brasileiras

Objetivos

Ampliar a compreensão acerca do universo das religiões afro-brasileiras, para além do can- domblé e para além das nações de candomblé

Enquanto no nordeste a construção do conceito de religião se baseou no princípio de pureza africana e teve nos intelectuais um elemento fundamental nessa construção, no sul do Brasil este conceito ganhou outros contornos. Estes estavam mais ligados às disputas em torno dos cuidados com os corpos, às negociações sobre como eram feitas as intervenções sobre esses corpos e se estas envolviam relações de crença ou exploração. Nesse sentido, é preciso ressal- tar que, apesar de se tratar de uma disputa envolvendo os médicos, que pretendiam garantir sua exclusividade enquanto cuidadores dos corpos, excluindo da cena àqueles que eram classi- i cados de charlatães ou curandeiros, a leitura feita pelos juízes nos julgamentos de processos desse tipo se prenderam, como bem demonstram os trabalhos de Emerson Giumbelli (1997) e Yvonne Maggie (1992), sobretudo aos relatos feitos pelos peritos da polícia. Estes é que des- creviam as cenas nas quais se realizavam os rituais de cura e os elementos que faziam parte desses rituais, moldando, a partir de suas descrições, os critérios de julgamento e a serem utilizados pelo aparelho repressor.

Foi, portanto, a partir da construção, ao longo do tempo, de um quadro no qual a mediuni- dade foi sendo associada à caridade, bem como da mudança do quadro legal que passou a proteger rituais de cura inseridos em cultos que o espiritismo passou a integrar o quadro do que se concebia como religião. Ao ser incluído no quadro dos cultos considerados religio- sos, o espiritismo acabou abrindo brechas para que outros cultos também demandassem sua inclusão nesse quadro. Este foi, por exemplo, o caso da umbanda.

De acordo com Diana Brown (1985), a umbanda teria surgido a partir da inclusão de ele- mentos advindos de tradições afro-brasileiras em suas práticas religiosas, por parte de um grupo de kardecistas, nos anos 1920. Estes, após visitarem centros de macumba nas favelas e arredores do Rio de Janeiro, teriam considerado os espíritos de pretos-velhos e caboclos mais competentes que os espíritos altamente evoluídos do espiritismo kardecista para tratar algumas doenças e resolver uma série de problemas. No entanto, apesar de terem incluído entidades de tradições afro-brasileiras em seus cultos, houve, inicialmente, conforme atestam as atas do I Congresso do espiritismo de umbanda, realizado em 1941, um esforço por parte de seus fundadores de desafricanização da umbanda, purii cando-a de elementos ligados à África, considerados primitivos. É importante ressaltar que isso se deu num contexto de inten- sa perseguição policial aos cultos populares, já que, dentre estes, apenas eram reconhecidos como religião o espiritismo, por sua associação ao princípio da caridade, e o candomblé, por sua caracterização enquanto religião africana pura. No entanto, apesar das tentativas de se desvincular dos elementos africanizados, a umbanda não conseguiu se livrar das perseguições de que eram objeto os negros e marginalizados de modo geral.

O caminho encontrado pela umbanda para ser incluída no rol das religiões foi o de se apre- sentar como religião genuinamente brasileira, já que, conforme os preceitos das teorias so- bre a identidade nacional cunhadas a partir dos anos 1930, o que constituía a característica fundamental do Brasil e, por consequência, dos brasileiros, era a mistura. Sendo um culto que congregava elementos do espiritismo kardecista, indígenas e africanos, ela poderia ser apresentada como a religião brasileira por excelência. No entanto, mesmo se apresentando como uma religião genuinamente brasileira, restava à umbanda resolver um dilema que co- locava em questão sua caracterização mesma como religião: como lidar com o exercício da caridade e a cobrança pelos serviços prestados, dado que os terreiros situam-se geralmente em áreas pobres e necessitam de ajuda i nanceira para existirem. Lísias Negrão (1993) ai rma que a solução encontrada para este dilema repousa na adequação a um princípio básico da umbanda, o da justiça, ou seja, o de que cada um paga pelo que faz. Esse princípio, segundo o autor, coloca limites nas relações de cobrança, não permitindo que seja negada a realiza- ção de serviços para quem precisa e não pode pagar e a cobrança excessiva mesmo daqueles mais afortunados.

Referências Bibliográfi cas

BASTIDE, Roger e VERGER, Pierre. O ritual de iniciação das i lhas de Xangô na África e no Brasil. In: LÜHNING, Angela (org.). Verger – Bastide: dimensões de uma amizade. Rio de Janiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 111 – 124.

BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. Contribuição a uma sociologia das inter- penetrações de civilizações. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1973 [1960].

BROWN, Diana. Uma história da Umbanda no Rio. In: Umbanda e política – Cadernos do ISER, n. 18. Rio de Janeiro: Marco Zero/ISER, 1985. p. 9 – 42.

DANTAS, Beatriz Góis. Vovô nagô e papai branco. Usos e abusos da África no Brasil. Rio de Janeiro: Graaal, 1988.

GIUMBELLI, Emerson. O cuidado dos mortos: uma história da condenação e legitimação do espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. p. 269 -284.

MAGGIE, Yvonne. Medo do feitiço: relações entre poder e magia no Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992.

MEDEIROS, José. Candomblé. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Sales, 2009.

NEGRÃO, Lísias. Umbanda: entre a cruz e a encruzilhada. Tempo social, 5 (1 – 2), 1993, p. 113- 122.

Objetivos:

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1. A transição da condição de Religião Étnica para

Religião Universal e a transnacionalização de uma

nova ética religiosa

Contudo, ao passar pelos mais variados processos culturais já analisados, essas religiões fo- ram, aos poucos, se desprendendo dos limites dos grupos étnicos que inicialmente as con- ɹJXUDUDPHDVVXPLQGRFDUDFWHUtVWLFDVGHUHOLJLmRXQLYHUVDO,VVRIH]FRPTXHWDLVUHOLJL}HV 2IDWRGHFRQVWLWXtUHPUHOLJL}HVDIUREUDVLOHLUDVQmRLPSHGLXGHFRPRWHPSRDGTXLULUHPR VWDWXVGHUHOLJL}HVXQLYHUVDLV&RPRYRFrSRGHSHUFHEHUQDSULPHLUDSDUWHGHVVDGLVFLSOLQD LQLFLDOPHQWHDVUHOLJL}HVDIUREUDVLOHLUDV HPDLVSUHFLVDPHQWHRFDQGRPEOp VHFRQɹJXUDUDP FRPRUHOLJL}HVpWQLFDV([HPSORGLVVRpRSURFHVVRKLVWyULFRTXHRKLVWRULDGRU5HQDWRGD6LO- YHLUDUHFRQVWLWXLDRGHVFUHYHURSURFHVVRGHFRQVWLWXLomRGRSULPHLURWHUUHLURNHWXGD%DKLD 6HUXPDUHOLJLmRpWQLFDVLJQLɹFDTXHSRUFXOWXDUGLYLQGDGHVDQFHVWUDLVHVHUHVHVSLULWXDLV OLJDGRVDXPGHWHUPLQDGRJUXSRpWQLFRHVSHFtɹFRWDOUHOLJLmRHPWHVHVyLQWHUHVVDULDDRV JUXSRVGLUHWDPHQWHUHODFLRQDGRVjTXHODHWQLD(GHIDWRDSHVDUGRVP~OWLSORVHOHPHQWRVWDQ- WRVLPEyOLFRUHOLJLRVRVTXDQWRVRFLRFXOWXUDLVSUHVHQWHVQDJrQHVHGHVVDVUHOLJL}HVSRUPXLWR WHPSRHODVVHFRPSRUWDUDPFRPRVHFDUDFWHUL]DVVHPUHOLJL}HVpWQLFDV7DQWRpTXHDWpKRMH FRQKHFHPRVDVQRPHQFODWXUDVOHJDGDVSRUHVVDIDVHYLYLGDSHORVFDQGRPEOpV

IMPORTANTE

Atualmente, há quem ainda utilize a expressão “candomblé de nação” para se referir aos candomblés tidos como tradicionais ou “de raiz”. É nesse sentido que se fala ainda hoje de “candomblé angola”, “candomblé ketu”, “candomblé jeje”, etc. São as chamadas “nações de candomblé”, resquícios de um momento histórico no qual WDLVUHOLJL}HVGHIDWRSRGHULDPVHUSDVVtYHLVGRTXDOLɹFDWLYR´pWQLFDVµ

Unidade 4. Macro e Micro Dinâmicas das religiões