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Os artistas da transição: Irmãos Timótheo e Wilson Tibério

Os desai os enfrentados pelos artistas negros e mestiços mencionados no capítulo anterior eram diversos. Manter-se na AIBA enquanto estudantes de Artes Visuais equivale aos estudantes ne- gros e mestiços e mesmo brancos sem recursos que, nos dias atuais, tentam manter-se numa universidade pública ou em cursos de graduação custeados pelo Governo. Há questões relacio- nadas à distância, moradia, alimentação, dentre outros, somados aos altos custos dos materiais empregados nos estudos artísticos. Alguns dos artistas citados, como é o caso de Estevão Roberto da Silva, abandonou seus estudos por mais de uma vez devido à necessidade de trabalhar para contribuir com o sustento de sua família, esse é um dos casos dos quais temos conhecimento. Segundo Arthur Vale, a maioria dos pintores negros contemporâneos aos irmãos Timótheo da Costa, não faltaram obstáculos e adversidades em seus caminhos (VALE em ARAUJO, 2013). Alguns poucos artistas negros foram apadrinhados, como ocorreu com os irmãos Timótheo da Costa que, desde a pré-adolescência já aprendiam gravura e desenho na Casa da Moeda do Rio

de Janeiro devido à proteção de Ennes de Souza, então diretor da instituição. Posteriormente ingressaram na AIBA, cujo nome foi alterado para Escola Nacional de Belas Artes, a ENBA, na ocasião da Proclamação da República. A carreira dos irmãos despontou entre o i nal do século XIX e inicio do XX, ou seja, entre o processo de libertação dos escravizados e a sua incorporação mal sucedida à sociedade. Nas Artes Visuais, o foco estava na pesquisa de novas formas de pintar e de representar desenvolvidas na Europa e trazidas para o Brasil por diversos artistas. Dentre essas inovações destacamos o Pontilhismo, o Fauvismo, o Expressionismo e os chamados movimentos artísticos surgidos no inicio do século XX.

João o irmão mais velho e Arthur o irmão mais jovem. Na aurora do século XX, foram eles os artistas negros de maior destaque devido aos trabalhos que executaram principalmente no Rio de Janeiro. Painéis e murais realizados sob encomenda para locais frequentados pela elite branca carioca como o Salão do Copacabana Palace. Foram artistas negros formados a partir do gosto das elites pelo Neoclássico, ainda que ambos tenham experimentado novas formas de pintar, como João que realizou diversos trabalhos inl uenciados pelo Pontilhismo. Já Arthur, foi um dos raros artistas negros a ganhar o prêmio de viagem à Europa na Exposição Geral de Belas Artes. Prêmio muito ambicionado pelos artistas participantes da exposição. Tinha como i nalidade o aperfeiçoamento das técnicas artísticas dos seus vencedores no contato com o meio europeu. A tela vencedora se chama “Antes do Aleluia” (1907), e encontra-se no acer- vo do Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro. Em 1911, os irmãos viajam juntos para Itália acompanhando outros artistas, todos convidados a realizar a decoração do Pavilhão Brasileiro na Feira Internacional de Turim.

Ainda que os irmãos tenham tido uma carreira com algum reconhecimento por parte de crí- ticos respeitados na época, como Luis Gonzaga Duque Estrada (1863-1911), os percalços que acompanharam as suas carreiras os marcaram profundamente, tanto que ambos passaram os seus últimos dias no Hospício dos Alienados no Rio de Janeiro. Morreram muitos jovens. Ar- thur faleceu em 1923 e João em 1932. Encaixar-se nas convenções da Arte e do ambiente eru- dito e elitista não deveria ser simples, inclusive, porque se observarmos as produções desses artistas, salvo alguns poucos retratos de negros e negras, a identidade afrodescendente deveria praticamente ser suprimida para que houvesse uma aceitação social.

Na contramão dessa lógica está Wilson Tibério (1923-2005), pintor nascido no Rio Grande do Sul, de formação autodidata. Há escassas informações acerca de sua produção, mas em princípios do século XX ele foi talvez o único pintor negro a se voltar aos temas relacionados à cultura afro-brasileira. Tanto que o antropólogo Artur Ramos (1903-1949) ai rmou que Ti- bério era o restaurador da tradição africana na arte negra (ARAUJO, 2008, p. 58). Entre os temas mais comuns encontrados em suas obras estão as cenas de culto do Candomblé, como a aquarela “Cena de Candomblé”, feita em grai te e aquarela.

Para os artistas brancos modernistas a cultura afro-brasileira e a própria i gura do negro, tornaram-se assuntos primordiais no sentido de se resgatar ou de se forjar uma identidade brasileira. Essa escolha estava alinhada com as estratégias empregadas pelo Governo Vargas, de se utilizar de manifestações e símbolos populares como forma de se aproximar da popula- ção mais simples. Coincidentemente muitos desses símbolos eram de origem africana como o samba, por exemplo.

Já para os artistas negros e mestiços, esses símbolos, apesar de comporem uma herança africa- na, não faziam parte de seus repertórios temáticos. Isso ocorreu porque historicamente a par-

ticipação de africanos e de afrodescendentes na formação da sociedade e da cultura brasileira foi desvalorizada, marginalizada ou subestimada.

Por isso, em vez de se mostrarem orgulhosos desse passado e de sua cultura, negros e mesti- ços negavam suas origens numa tentativa de aceitação, de encaixe num sistema estruturado a partir dos privilégios obtidos por famílias durante o período da escravidão, pela ei cácia do racismo e pela submissão às elites. Se observarmos esse contexto com um olhar mais critico, notaremos que ele permanece pouco alterado até a atualidade.

Poucos foram os que, como Tibério, se voltaram à cultura afro-brasileira enquanto assunto. Curiosamente, como ocorre até os dias atuais com muitos artistas negros que se debruçam sobre essa temática, o êxito artístico e proi ssional de Tibério deu-se no exterior. Em 1943, recebeu uma bolsa de estudos da ENBA para aprimorar seus conhecimentos na França. Não há informações sui cientes se assim o artista decidiu previamente ou se foram as circunstân- cias momentâneas que o incentivaram a não retornar mais ao país, viajando por países como Rússia, China, Itália, Senegal e vindo a falecer na França em 2005.

Cena de Candomblé, século XX, de Wilson Tibério. Acervo do Museu Afro Brasil.