1 TECENDO FUNDAMENTOS NA LITERATURA
1.3 DISCUTINDO O MOVIMENTO CTS
1.3.1 Alfabetização Científica e Tecnológica (ACT): uma necessidade à formação
A liberdade nunca é voluntariamente oferecida pelo opressor. Deve ser exigida pelo oprimido.
(Martin Luther King Jr.)
Talvez o primeiro aspecto que precisa ser discutido sobre a ACT consiste na maneira como se define tal conceito. Diante disso, Sasseron e Carvalho (2011) fizeram uma revisão de diversos estudos sobre o tema no contexto do ensino de ciências, investigando a literatura estrangeira no que se refere à Didática das
Ciências e observaram diferenças nessa definição. Assim, a ACT apontando para um ensino de ciências com interesses na formação de cidadãos e cidadãs e que visa uma ação e atuação consciente em sociedade pode ser definida de acordo com o quadro 2.
Quadro 2 – A expressão Alfabetização Científica: diferenças encontradas na literatura estrangeira
Expressão utilizada e idioma
Significado Autores que utilizam a expressão Objetivo “Alfabetización Científica” (língua espanhola) Alfabetização Científica (Membiela, 2007, Díaz, Alonso e Mas, 2003, Cajas, 2001, Gil-Pérez e Vilches-Peña, 2001).
“Designar o ensino cujo objetivo seria a promoção de capacidades e competências entre os estudantes capazes de permitir-lhes a participação nos processos de decisões do dia-a-dia” (SASSERON; CARVALHO, 2011, p. 60). “Alphabétisation Scientifique” (língua francesa) Alfabetização Científica (Fourez, 2000, 1994, Astolfi, 1995). “Scientific Literacy” (língua inglesa) Letramento Científico (Norris e Phillips, 2003, Laugksch, 2000, Hurd, 1998, Bybee, 1995, Bingle e Gaskell, 1994, Bybee e DeBoer, 1994)
Fonte: autor, adaptado de Sasseron e Carvalho, (2011)
É importante ressaltar que o termo inglês literacy em documentos da UNESCO18 recebe significado de “cultura” ao invés de “alfabetização” de acordo com o belga Gerard Fourez e a expressão “scientific literacy” é substituída pala
expressão “la culture scientifique” na literatura francofônica, mostrando, assim, dificuldades nessa tradução em outras línguas (SASSERON; CARVALHO, 2011).
Esse aspecto semântico que pluraliza a interpretação, faz com que autores nacionais também diversifiquem o entendimento da expressão em nosso país, utilizando o termo com variações no ensino de ciências como mostra o quadro 3.
Quadro 3 – A expressão Alfabetização Científica: diferenças encontradas na literatura nacional
Expressão utilizada Autores que utilizam Objetivo
Letramento Científico
(Mamede e Zimmermann, 2007, Santos e Mortimer, 2001).
“Ensino de Ciências que almeja a formação cidadã dos estudantes para o domínio e uso dos conhecimentos científicos e seus desdobramentos nas mais diferentes esferas de sua vida” (SASSERON; CARVALHO, 2011, p. 60).
Alfabetização Científica
(Brandi e Gurgel, 2002, Auler e Delizoicov, 2001, Lorenzetti e Delizoicov, 2001, Chassot, 2000). Enculturação Científica (Carvalho e Tinoco, 2006,
Mortimer e Machado, 1996).
Fonte: autor, adaptado de Sasseron e Carvalho, (2011).
Observando os quadros 2 e 3, é possível verificar, independente das expressões utilizadas, que no essencial das discursões concentram-se iguais preocupações relativas ao ensino de ciências, isto é, “motivos que guiam o
planejamento desse ensino para a construção de benefícios práticos para as pessoas, a sociedade e o meio-ambiente” (SASSERON; CARVALHO, 2011, p. 60).
Assim, busca-se um ensino que seja importante também além da escola, que o conhecimento científico lá apropriado possa ser utilizado em contextos diversos, na tomada de decisões de problemas que envolvam aspectos sociais e ambientais, que desnude o mundo ao formar um cidadão.
É importante ressaltar que o PISA avalia o “letramento científico” e muitos dos
documentos que embasam o mencionado programa, exigem que se promova uma
educação para a cidadania, pois o “letramento científico é capacidade de se
envolver com as questões relacionadas com a ciência e com a ideia de ciência,
como um cidadão reflexivo” (BRASIL, 2016. p. 37).
Por outro lado, mesmo que as expressões se apresentem de forma diferente, nada impede que um estudo que vislumbre inclusive melhorar o desempenho dos estudantes brasileiros nas avaliações do PISA possa se concentrar no termo
“alfabetização científica”, pois se entende que tal expressão envolve a concepção de
letramento que se compreende como:
a capacidade de ler, compreender e expressar opiniões sobre ciência e tecnologia, mas também participar da cultura científica da maneira que cada cidadão, individualmente e coletivamente, considerar oportuno (KRASILCHIK; MARANDINO, 2007, p.18).
Nesse aspecto, pode-se dizer que a ACT se constrói no momento em que o ensino de ciências, em todos os níveis desde o ensino básico até a pós-graduação, favorece o entendimento dos conhecimentos, procedimentos e valores, possibilitando “aos estudantes tomar decisões e perceber tanto as muitas utilidades da ciência e suas aplicações na melhora da qualidade de vida, quanto as limitações
e consequências negativas de seu desenvolvimento” (CHASSOT, 2003, p.99).
Diante disso, entende-se que a preparação do indivíduo para atuar de forma crítica e responsável na tomada de decisões que envolvam C&T, para atuar em sociedade e para se constituir cidadão se encontra no cerne dos objetivos dos diversos autores nacionais e internacionais, mesmo diante da pluralidade semântica anteriormente mencionada (SASSERON; CARVALHO, 2011).
Nesse contexto, preocupado com diferentes visões de alfabetização científica, Kemp (2000) sistematiza elementos que considera importantes para uma alfabetização científica. O quadro 4 apresenta tais elementos e descreve seus significados.
Quadro 4 – Elementos de Alfabetização Científica
ELEMENTOS SIGNIFICADO
Independência intelectual
Inclui coisas como ser capaz de descobrir informações e tomar uma decisão pessoal sobre uma questão envolvendo ciência, ser capaz de avaliar conselhos "especializados" e a capacidade de continuar a aprender ciências depois que a educação formal terminar.
Comunicação em ciências
Refere-se às habilidades necessárias para interpretar as comunicações científicas (por exemplo, ler, escutar, visualizar) e para codificar tais comunicações (por exemplo, escrita, fala, desenho), seja com não cientistas ou especialistas em ciências.
Ciência e sociedade
Inclui entendimentos das relações entre ciência e sociedade, civismo (democracia), cultura, segurança nacional e economia, bem como alguns entendimentos de como a ciência é controlada/influenciada pela sociedade.
Conhecimento conceitual
Refere-se ao conhecimento (fatos e entendimentos) sobre as várias disciplinas científicas. Todos os documentos mostrados concebem conhecimento conceitual de forma ampla, isto é, deve incluir algum conhecimento de uma série de disciplinas científicas, não apenas uma ou duas.
Ciência e tecnologia Refere-se às inter-relações entre estas duas esferas. Ciência na vida
cotidiana
Implica encontros normais com a ciência e seus produtos (tecnologia), incluindo aqueles que ajudam alguém a ser economicamente produtivo. Também inclui declarações como "entender o mundo moderno".
Apreciação da ciência
Implica em várias coisas, incluindo o apoio à ciência básica e aplicada, a apreciação da ciência como um meio de conhecimento e como um esforço humano significativo, e o estímulo intelectual/satisfação derivado do uso da ciência para responder às próprias questões.
Ética da ciência
Inclui conhecer e estar prestes a aplicar os valores da ciência, como a objetividade e a lógica, bem como as "responsabilidades morais e cívicas" da ciência e dos cientistas.
Natureza da ciência
Inclui a compreensão de coisas como testes de hipóteses (variáveis, controles), a confiança em evidências testáveis para tomar decisões, a natureza provisória das descobertas científicas e a natureza autocorretiva do empreendimento científico.
História da ciência
Significa alguma "familiaridade com as realizações da ciência" e cientistas, mas não necessariamente um conhecimento profundo ou detalhado da história da ciência.
Ciência nas humanidades
Refere-se à relação da ciência com outras disciplinas do currículo e às influências mútuas que a ciência e outras disciplinas podem ter exercido sobre a outra.
Aptidões científicas
Significa realmente ser capaz de fazer ciência, em vez de apenas reconhecer ou saber sobre isso. Embora muitas vezes tenha sido implicado, especialmente no que diz respeito a ser capaz de pensar como um cientista, é aqui explicitado pela primeira vez.
Ciência e matemática
A conexão entre "Ciência e matemática" é explicitada no SFAA – “Ciência para todos os americanos (daqui em diante)”, ao passo que foi meramente assumida em concepções anteriores de alfabetização científica.
Fonte: autor, adaptado de Kemp, (2000, p. 34-36, tradução nossa).
Apesar do quadro 4 mostrar a diversidade de elementos importantes para uma alfabetização científica, mencionados por Kemp (2000), existem trabalhos que parecem incorporar tais elementos em eixos mais abrangentes (SASSERON; CARVALHO, 2011).
Diante disso, segundo Sasseron e Carvalho (2011), existem habilidades importantes que precisam ser contempladas ao se procurar indícios de alfabetização científica nos indivíduos, destacando-se, assim, três eixos estruturantes que englobam tais habilidades e que podem ser usados no planejamento e execução de aulas, bem como na elaboração de atividades que vislumbrem a promoção da alfabetização científica entre os atores.
Assim, o quadro 5 faz uma sistematização de tais eixos e suas respectivas descrições.
Quadro 5 – Eixos Estruturantes da Alfabetização Científica
Eixo Descrição
Compreensão básica de termos, conhecimentos e
conceitos científicos fundamentais.
Concerne na possibilidade de trabalhar com os alunos a construção de conhecimentos científicos necessários para que seja possível a eles aplicá-los em situações diversas e de modo apropriado em seu dia-a- dia. Sua importância reside ainda na necessidade exigida em nossa sociedade de se compreender conceitos-chave como forma de poder entender até mesmo pequenas informações e situações do dia-a-dia. Compreensão da
natureza das ciências e dos fatores éticos e políticos que circundam
sua prática.
Reporta-se, pois, à ideia de ciência como um corpo de conhecimentos em constantes transformações por meio de processo de aquisição e análise de dados, síntese e decodificação de resultados que originam os saberes. Com vista para a sala de aula, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, esse eixo fornece-nos subsídios para que o caráter humano e social inerentes às investigações científicas seja colocado em pauta. Além disso, deve trazer contribuições para o comportamento assumido por alunos e professor sempre que defrontados com informações e conjunto de novas circunstâncias que exigem reflexões e análises considerando-se o contexto antes de tomar uma decisão. Entendimento das
relações existentes entre ciência, tecnologia,
sociedade e meio- ambiente.
Trata-se da identificação do entrelaçamento entre estas esferas e, portanto, da consideração de que a solução imediata para um problema em uma destas áreas pode representar, mais tarde, o aparecimento de outro problema associado. Assim, este eixo denota a necessidade de se compreender as aplicações dos saberes construídos pelas ciências considerando as ações que podem ser desencadeadas pela utilização dos mesmos. O trabalho com este eixo deve ser garantido na escola quando se tem em mente o desejo de um futuro sustentável para a sociedade e o planeta.
Fonte: autor, adaptado de Sasseron e Carvalho, (2011, p. 75-76)
O quadro 5 possibilita pensar que, se as atividades didáticas que forem planejadas, embasadas nos três eixos estruturantes, proporcionam oportunizar a importantíssima ACT dos alunos, seria interessante inserir os futuros professores de ciências em ações vislumbrando aculturar os mesmos diante de tais atividades.
Diante disso, é interessante oferecer a capacitação do professor possibilitando que ele reflita sobre a necessidade de se pensar em atividades que possam contemplar um conteúdo científico, mas que oportunizem um envolvimento maior dos atores, que eles possam observar a relevância do assunto para se
resolver problemas reais do cotidiano. Almejam-se, dessa forma, ações em que se possa observar a atualidade do currículo e sua articulação com o mundo contemporâneo.
Apesar de existirem dificuldades para uma conceituação unívoca da alfabetização científica, segundo Kemp (2000), é importante que se busque um caminho para se promover a ACT e tal possibilidade pode ser oportunizada se o trabalho for conduzido com a utilização de suas dimensões, mencionadas por Rosa e Martins (2007), quais sejam:
Conceitual: envolve a compreensão de conhecimentos específicos. Termos
que a identificam: conceitos de ciências e relações entre ciência e sociedade; Procedimental: envolve os procedimentos, processos, habilidades e capacidades. Termos relacionados: obtenção e uso da informação científica, aplicação da ciência na vida cotidiana, utilização da ciência para fins sociais e cívicos, e divulgação científica ao público de maneira acessível; Afetiva: envolve emoções, atitudes, valores, e disposição para a alfabetização científica. Elementos: gostar de ciências, interesse por ciências (ROSA; MARTINS, 2007, p. 6).
Segundo os autores, tais dimensões representam consensos existentes nos quais o conceito de alfabetização científica estaria compreendido. Porém, esses elementos também podem ser entendidos como conhecimentos ou conteúdos. Segue esboço desses conteúdos ou dimensões e suas características apresentadas no quadro 6.
Quadro 6 – Tipos de conteúdos no currículo
Autor Conteúdos Características
P oz o & G óm ez Cr es po (20 09 , p . 2 7- 28 )
Conceituais Envolve trabalhar [conhecimentos] dos mais específicos e simples (os fatos ou dados) aos conceitos disciplinares específicos até alcançar os princípios estruturais das ciências.
Mais específicos ↔ Mais gerais Fatos/dados Conceitos Princípios
Atitudinais Devem promover não apenas atitudes ou condutas específicas, mas também normas que regulem essas condutas e, sobretudo, valores mais gerais que, [...] permitam sustentar e interiorizar nos alunos essas formas de comportamento e de aproximação ao conhecimento.
Mais específicos ↔ Mais gerais Atitudes Normas Valores
Procedimentais Teriam como objetivo não só transmitir aos alunos os saberes científicos, mas também torná-los partícipes, na medida do possível, dos próprios processos de construção e apropriação do conhecimento científico, o que envolve, também, superar limitações específicas no aprendizado tanto de técnicas ou destrezas como, principalmente, de estratégias de pensamento e aprendizagem.
Mais específicos ↔ Mais gerais Técnicas/
destrezas
Estratégias
OBS: Os conteúdos mais específicos devem
ser instrumentais para acessar os conteúdos mais gerais, que devem constituir a verdadeira meta do currículo de ciências.
Zab al a (19 98 , p. 41 -46 ,19 99 , p . 10 -13 )
Factuais Tratam do conhecimento de fatos, acontecimentos, situações, dados e fenômenos concretos e singulares: a idade de uma pessoa, a conquista de um território, a localização ou a altura de uma montanha, os nomes, os códigos, os axiomas, um fato determinado num determinado momento, etc. Sua singularidade e seu caráter, descritivo e concreto, são um traço definidor. O ensino está repleto de conteúdos factuais: toda a toponímia na área de geografia; as datas
e os nomes de acontecimentos na de
história; os nomes de autores e correntes na de literatura, música e artes plásticas; os códigos e os símbolos nas áreas de língua, matemática, física e química; as classificações na de biologia; o vocabulário nas línguas estrangeiras, etc. Considera-se que o aluno ou a aluna
aprendeu um conteúdo factual quando é capaz de reproduzi-lo, mas a reprodução se produz de forma literal; portanto, a compreensão não é necessária já que
muitas vezes tem um caráter arbitrário.
Conceituais (é preciso “saber”) Distinguem alguns conteúdos complexos, como saber o nome de uma pessoa ou a
data de um acontecimento, ou outros
muito mais complexos, como conhecer o processo digestivo ou as causas da transformação da matéria. Uma das características dos conteúdos conceituais é que a aprendizagem quase nunca pode ser considerada acabada, já que sempre existe a possibilidade de ampliar ou aprofundar seu conhecimento, de fazê-la mais significativa.
A aprendizagem implica uma compreensão
que vai muito além da reprodução de
enunciados mais ou menos literais. Podemos dizer que sabemos o princípio de Arquimedes quando este conhecimento nos permite interpretar o que sucede quando um objeto submerge num líquido.
Procedimentais (é preciso “saber fazer”) Representam um conjunto de ações ordenadas e com um fim, quer dizer, dirigidas para a realização de um objetivo.
Podem aparecer em 3 eixos contínuos:
Motor◄---►Cognitivo
(saltar)... (inserir) (perfurar) (ler)
◄(recortar) (traduzir)►
São conteúdos procedimentais: ler, desenhar, observar, calcular, classificar, traduzir. Incluem, entre outras coisas, as regras, as técnicas, os métodos, as destrezas ou habilidades, as estratégias, os procedimentos.
O continuum poucas ações-muitas ações
Poucas ações◄---►Muitas ações
(perfurar)...(observar) (calcular) (ler) ◄(traduzir) (desenhar)► O continuum algoritmo/heurístico Algoritmo◄---►Heurístico (abotoar)...(classificar)
(algoritmo da soma) (ler) (procurar uma palavra (estratégias de
no dicionário) aprendizagem)
Atitudinais (é preciso “ser”) Engloba uma série de conteúdos que por sua vez podemos agrupar em valores, atitudes e normas. Cada um destes grupos tem uma natureza suficientemente diferenciada que necessitará, em dado momento, de urna aproximação específica.
Valores
São os princípios ou as ideias éticas que permitem às pessoas emitir um juízo sobre as condutas e seu sentido. São valores: a solidariedade, o respeito aos outros, a responsabilidade, a liberdade, etc.
Atitudes
São tendências ou predisposições relativamente estáveis das pessoas para atuar de certa maneira. Trata-se da forma como cada pessoa realiza sua conduta de acordo com valores determinados. Assim, são exemplos de atitudes: cooperar com o grupo, ajudar os colegas, respeitar o meio ambiente, participar das tarefas escolares, etc.
Normas
São padrões ou regras de comportamento que devemos seguir em determinadas situações que obrigam a todos os membros de um grupo social. As normas constituem a forma pactuada de realizar certos valores compartilhados por uma coletividade e indicam o que pode se fazer e o que não pode se fazer neste grupo.
Fonte: autor, adaptado de Zabala (1998, 1999) e Pozo & Gómez Crespo (2009)
Apesar das semelhanças entre os conteúdos factuais e conceituais, apresentadas no quadro 6, no que se refere, por exemplo, a nomes de pessoas e datas de acontecimentos como sendo conteúdos factuais/conceituais, segundo Zabala (1998,1999), é preciso perceber, no entanto, que os conteúdos factuais –
cujos fenômenos construídos pela sociedade, os fatos e acontecimentos são diretamente observáveis – apresentam um caráter eminentemente descritivo, compreendendo, como exemplo, “a descrição do contexto geográfico onde ocorreu a
Guerra de Canudos, com indicação descritiva de datas, de pessoas, de vestimentas,
Por outro lado, segundo o autor, os conteúdos conceituais compõem uma estrutura de conceitos e definições articuladas aos saberes que são construídos pela sociedade, importando entender, por exemplo, o que significa densidade demográfica e terras improdutivas, quando se estuda a ocupação de um território em certa região.
Nesse contexto, Zabala (1999) ressalta que quando se fala em conteúdo conceitual, faz-se referência não somente a conceitos, considerando-se também fatos e princípios. Isso permite classificar os conteúdos de aprendizagem em três extensos grupos para os currículos oficiais: os conteúdos conceituais (aquilo que é
preciso “saber”), os procedimentais (aquilo que é preciso “saber fazer”) e os
atitudinais (aquilo que admitem “ser”). Assim, de acordo com Pozo e Gómez Crespo (2009), os fatos podem ser compreendidos como elementos mais específicos e importantes para alcançar os componentes mais gerais do conteúdo conceitual.
No caso dos conteúdos procedimentais, apesar de Pozo e Gómez Crespo (2009) apresentarem as técnicas/destrezas como componentes mais específicos e as estratégias como conteúdos mais gerais, é importante ressaltar a dificuldade para diferenciar precisamente uma técnica, um método, uma habilidade (destreza) ou algoritmo, uma estratégia, pois as “diferenças entre uns e outros são sutis e
dependem, frequentemente, dos distintos enfoques adotados” (ZABALA, 1999, p.
11).
Levando em conta o que se ressaltou, os conteúdos procedimentais podem ser compreendidos no contexto contínuo de três linhas e, com isso, um conteúdo procedimental pode localizar-se em algum ponto desses três continuum, porém é difícil fixar um limite preciso entre os conteúdos (ZABALA, 1999). Pode-se dizer, então, que “ler” constitui um conteúdo procedimental com uma vertente mais voltada para as capacidades cognitivas, cujo número de ações seria grande (mais próximo do extremo: muitas ações), mas a ordem dessas ações não seria sempre a mesma (vertente mais próxima do pólo heurístico), implicando, assim, na tomada de diversas decisões. Por isso, é possível corroborar com o autor que um mesmo conteúdo procedimental pode ter vertentes, por exemplo, motora e cognitiva, presentes, pois se trata de um continuum.
No caso dos conteúdos atitudinais, Zabala (1998) os divide em atitudes normas e valores. Pozo e Gómez Crespo (2009) apresentam as atitudes como conteúdos atitudinais mais específicos. Tais atitudes podem representar objetos de
aprendizagem que, por sua vez, ocorrem quando o indivíduo pensa, sente e atua de uma maneira relativamente constante diante do objeto concreto para o qual se direciona essa atitude (ZABALA, 1998). De modo igual, pode-se falar também na aprendizagem de habilidades, pois aprender um conteúdo procedimental resulta de
sua especificidade de “saber fazer” (ZABALA, 1999).
Assim, caso um trabalho pretenda contemplar o desenvolvimento de conhecimentos procedimentais e atitudinais na área de Educação e Ciências, poderá recorrer às habilidades científicas e investigativas, bem como as atitudes cientificas e investigas, valorizando, com isso, atributos mais específicos. Os conteúdos e seus respectivos atributos são apresentados no quadro 7.
Quadro 7 – Habilidades e atitudes científico-investigativas
Habilidade científica é faculdade de uma pessoa aplicar procedimentos cognitivos específicos