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4. Dos documentos escritos aos relatos orais: a alfabetização, o letramento e a transição da

4.3 A alfabetização e o letramento, as Políticas Públicas, a prática docente na Educação

4.3.1 Alfabetização e letramento: entre a concepção e a prática

Neste tópico, unimos os dois primeiros eixos categóricos apresentados: Concepções sobre alfabetização e letramento e Relatos sobre as práticas pedagógicas com a leitura e a escrita, para destacarmos um conflito observado entre o “pensar”, sobre o que é alfabetização e letramento, e o “fazer”, as práticas pedagógicas direcionadas para trabalhar esses dois temas, que acompanhou o relato das professoras da Educação Infantil.

Ao apresentarem suas concepções sobre alfabetização e letramento, P1 e P2 deixam claro que devem trabalhar o letramento com as crianças na pré-escola, enquanto que a alfabetização é para ser trabalhada no Ensino Fundamental. Esta fala destaca bem a concepção de P1: “Educação Infantil não é ensino! Então acho que aqui não tem que alfabetizar.” (P1, 15/05/2018).

Essa afirmação é semelhante à concepção apresentada anteriormente, que consta no Caderno 3 da Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil (BRASIL, 2016b): “[...] o objetivo da Educação Infantil não é a alfabetização stricto sensu. [...] não cabe à pré-escola ter a alfabetização da turma como proposta. [...]” (GALVÃO, 2016b, p. 26). A autora reitera que é muito mais importante envolver as crianças em práticas sociais que façam o uso da leitura e da escrita.

Retomando o material constituído como forma final da BNCC (BRASIL, 2018), observa-se que no campo de experiência da Educação Infantil destinado à linguagem, encontra-se a ênfase na oralidade, no trabalho com a diversidade de gêneros textuais e na escrita espontânea. O documento relaciona o contato com livros com o desenvolvimento das hipóteses de escrita, por meio da escrita espontânea.

Conforme o Glossário Ceale (2014), escrita espontânea

pode ser compreendida como toda a produção gráfica da criança que se encontra em processo de compreensão do princípio alfabético, mesmo quando ainda não domina este princípio. O espontâneo designa essa possibilidade de escrever mais livremente, sem restrições e preocupações em errar, seja na escola ou em situações cotidianas. (MONTEIRO, 2014, p. 107)

Como podemos ver, uma característica da escrita espontânea é a ausência da obrigatoriedade do conhecimento das técnicas de codificação e decodificação para que a criança escreva. Além disso, a noção de liberdade que esta prática emprega vai ao encontro do que as professoras P1 e P2, docentes na Educação Infantil, esperam ao trabalhar com a escrita, dispensando o termo alfabetização. Ademais, observa-se em seus relatos que este termo, alfabetização, está associado a palavras como “forçado”, “pesado” e “maçante”. Devendo ser evitado no caso do trabalho com crianças até os cinco anos e onze meses de idade.

Contudo, conforme podemos visualizar no Quadro 14 – Práticas Pedagógicas com a leitura e a escrita, P1 lança mão de práticas semelhantes às das professoras do primeiro ano, trabalhando conteúdos que fazem parte da alfabetização. Como letras, números e o nome próprio das crianças, utilizando atividades e recursos semelhantes.

Quando P1 exemplifica seu trabalho com a escrita da palavra AMARELINHA, ela menciona que chama a atenção das crianças para a ordem correta das letras para formar a palavra amarelinha, como quando diz: “Ah, mas tem que dar a mão com outra letrinha pra formar o RE”. Embora ela seja a escriba, as crianças estão participando, por meio da oralidade, de um exercício que envolve a aprendizagem de reflexão sobre a escrita, como organizar as letras para que elas representem a sonoridade da palavra quando eu a enuncio. Ou seja, a correspondência entre grafema e fonema. A professora tem o cuidado de dizer “mas ai eu não fico cobrando sabe a gente vai construindo ali junto, na lousa...”.

Conforme Martins e Arce (2013), a Educação Infantil carrega historicamente um caráter antiescolar, promovendo práticas não sistematizadas. Como vemos, não é o caso de P1, que em sua prática, apresenta intencionalidade e ensina seus alunos as regras gramaticais da língua escrita, trabalhando assim, junto com o letramento, também a alfabetização. Ao passo que em sua concepção, ela ainda se detém a essa ideologia de negar o ensino às crianças de zero a cinco anos e onze meses.

Martins e Arce (2013) destacam como tarefa fundamental da escola “assegurar condições pelas quais se desenvolva nos alunos aquilo que lhes falta para a consolidação das funções psicointelectuais superiores, ferramentas imprescindíveis para que os homens sejam, de fato, sujeitos da sua história.” (MARTINS; ARCE, 20134, p. 61). Dessa forma, posto que a Educação Infantil, sendo a primeira modalidade da Educação Básica, e por consequência, uma escola, assim como o Ensino Fundamental, deveria tomar também como compromisso para si, a garantia de condições para que suas crianças construam seus conhecimentos para chegarem assim à alfabetização, como nós a definimos.

Lembrando que, para que o indivíduo seja capaz de codificar e decodificar com autonomia, interpretando os códigos da nossa língua portuguesa, existe um processo de aquisição de conhecimentos que devem ser ensinados a ele. Indo ao encontro de Stemmer (2013, p. 135) “[...] para que a criança aprenda a ler e escrever, é necessário que ela seja ensinada/alfabetizada.” Ainda segundo a autora

A alfabetização, no entanto, enquanto processo de apropriação da linguagem escrita, não está limitada à codificação/decodificação da palavra escrita. Ainda que para ler e escrever seja necessário codificar e decodificar, esse é um processo bem mais complexo e que principia muito antes de a criança traçar suas primeiras letras em um caderno. (STEMMER, 2013, p. 135)

Espera-se que neste tópico, muito longe de exercer qualquer julgamento negativo quanto às ações ou concepções das professoras, tenhamos conseguido, por meio de suas contribuições com seus relatos, demonstrar que existe uma dissociação da palavra alfabetização com a Educação Infantil nas Políticas Públicas que influenciam tanto o currículo quanto a formação de professoras. Assim como, embora nas concepções das professoras entrevistadas essa situação se repita, nas suas práticas pedagógicas com a leitura e escrita, na última etapa da Educação Infantil, podemos identificar um caráter alfabetizador.

Este dado levantado vai ao encontro do que defendemos nesta pesquisa, de que compreendendo a alfabetização e o letramento como processos que se iniciam desde o nascimento da criança, é importante que ele esteja presente em todas as modalidades de ensino. O importante é que, em cada uma dessas modalidades, haja a adaptação e respeito às etapas de desenvolvimento da criança. Não se defende aqui antecipação do Ensino Fundamental, mas acreditamos que

[...] o primeiro requisito para a integração entre o ensino fundamental e a educação infantil resida na estruturação pedagógica desse segmento educacional, estruturação esta calcada na compreensão científica de suas instituições (creches e pré-escolas) como contextos de aprendizagem e desenvolvimento, sustentados pelo planejamento de conteúdos e procedimentos de ensino adequados à faixa etária. (MARTINS; ARCE, 2013, p. 62-63).

Assim, refletindo sobre o recorte deste trabalho, que é a última etapa da Educação Infantil para o primeiro ano do Ensino Fundamental, com foco na alfabetização e letramento, observa-se, por meio das práticas pedagógicas, que as professoras estão contribuindo para a

inserção das crianças no processo de construção do conhecimento sobre a leitura e a escrita. Mais à frente retomaremos nossas considerações sobre essa fase de transição.