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Carla Marques a 

4. Algumas conclusões

Como já aconteceu com outros trabalhos que realizámos, os resul- tados deste pequeno estudo em torno do bloco textual abertura do texto de opinião permitem identificar linhas conteudísticas que deve- riam ser integradas no processo de ensino-aprendizagem da oralidade, ao nível do tratamento do género texto de opinião.

Perspetivando em primeiro plano o contexto sociodiscursivo, uma vez que os textos integrantes do corpus continuam a revelar que a preocupação com o interlocutor não integra os trabalhos preparató- rios e ainda que o texto é apresentado pelos alunos sem visar um objetivo de produção concreto, seria importante que a escola dedi- casse algum do tempo de preparação do texto à caracterização do auditório, visando as suas motivações, expectativas ou crenças, de forma a procurar adequar o texto ao público específico. Não menos im- portante seria a explicitação do objetivo do texto, que deve centrar-se no domínio argumentativo de modo a que o texto possa efetivamente con- vencer alguém da pertinência da posição defendida, conduzindo, se possível, à adesão (Perelman & Tyteca, 2008, pp. 19-40).

No que concerne ao plano do texto, o estudo realizado mostrou a importância de abordar a abertura do texto de opinião como um con- teúdo autónomo. Com efeito, o corpus evidencia o desconhecimento de segmentos que a integram, como a introdução ou a contextuali- zação, pelo que será pertinente explorar a função e as características destes blocos textuais. Este estudo poderá ser feito através da análise de modelos, auxiliada por uma abordagem orientada no sentido de

permitir que os alunos identifiquem o objetivo de cada segmento, os seus conteúdos típicos, percebendo como adequá-los às necessidades e interesse do público.

Relativamente ao momento de apresentação da conclusão própria, terceiro segmento da abertura, verificou-se, para além do problema da conclusão dupla, a tendência para uma formulação genérica, centrada no locutor e não no interlocutor. Estes dados apontam para a im- portância de, em contexto didático, preparar os alunos para a delimitação da posição a defender em função da questão polémica apresentada, sendo também pertinente o trabalho em torno da própria formulação da conclusão, no sentido do aperfeiçoamento e eventual afunilamento de ideias.

É de realçar, finalmente, que algumas das linhas de abordagem didática aqui definidas encontram algum eco nas Aprendizagens Es- senciais do Português, elaboradas na sequência do Programa e metas curriculares de português do ensino básico. Com efeito, o trabalho em torno do contexto sociodiscursivo de produção de um texto pode ser integrado na aprendizagem que prevê a produção de um texto “com diferentes finalidades” (5.º ano), aspeto que, infelizmente, apenas volta a ser retomado no 7.º ano. Também o auditório está previsto no 2.º ciclo, quando se refere que o aluno deve “Captar e manter a atenção da audiência” e no 7.º ano (“Usar mecanismos de controlo da produção discursiva a partir do feedback dos interlocutores” e “Planificar textos orais tendo em conta os destinatários”). Todavia, é de assinalar como menos positivo o facto de, no 5.º e 6.º anos, se verificar a redução da ação sobre o auditório à exploração do não-verbal, o que esquece por completo a importância do verbal na influência do público. Já no 7.º ano, a ação sobre o auditório é tida de forma mais completa, pois é incluída na planificação do texto.

Não obstante, os documentos orientadores da ação didática asso- ciada à expressão oral não apresentam um caminho estruturado de forma progressiva, com uma definição clara de conteúdos declarativos

e processuais, como seria de toda a utilidade para o meio escolar, apon- tando claramente o que abordar em cada fase da construção da aprendizagem. Este será um aspeto fundamental para uma efetiva melhoria das práticas didáticas e dos produtos textuais dos alunos, que, dez anos depois das primeiras recolhas efetuadas, continuam a revelar os mesmos problemas, claro sinal de que as práticas não sofre- ram alterações.

Notas

1. O termo conclusão própria é utilizado para referir a conclusão / tese defendida pelo locutor num texto argumentativo. Este termo foi pro- posto por Marques (2010, pp. 74-82).

2. Argumentos simples são compostos por uma única ideia que não é sustentada no interior do argumento. Os argumentos complexos po- dem incluir uma relação de sustentação no interior do argumento, na qual uma ideia secundária sustenta uma ideia principal ou na qual duas ideias se coordenam para sustentar a tese defendida (cf. Mar- ques, 2010, pp. 83-84).

3. Os contornos desta experiência didática e os seus resultados são apresentados de forma desenvolvida em Marques (2017).

4. Cf. Conceito de jogo escolar (Marques, 2010, pp. 110-121).

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