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Carla Marques a 

3. Estudo em curso

3.1. Abertura do texto de opinião

Nesta fase da investigação em torno do texto de opinião na sua mo- dalidade oral, julgamos ser pertinente, adotando um ponto de vista mais fino, contemplar outros elementos estruturantes do plano de texto deste género. Partindo da proposta de van Eemeren et al. (2002, p. 176), podemos considerar que o texto de opinião se subdivide em três momentos estruturantes: a abertura, que inclui uma introdução ao tema, a sua contextualização e a apresentação da conclusão a de- fender; o corpo do texto, que inclui, na sua forma mais alargada, a apresentação de argumentos e de contra-argumentos; a conclusão, que corresponde ao momento em que se reitera a posição pessoal e, se pertinente, se sumarizam os argumentos.

Em termos do plano do texto, perspetivado ainda de forma macro, o texto de opinião escrito não é muito distinto do oral, uma vez que

ambos optam preferencialmente pela estrutura regressiva (colocando, portanto, a tese / conclusão própria no início do texto), que, segundo Adam, é a construção típica da apresentação de prova e da explicação (Adam, 2001, p. 115).

Assim, se centrarmos a atenção na primeira parte do plano de texto, a abertura, veremos que o seu primeiro momento, que corresponde também ao início de todo o texto, deve estar orientado para o auditório / leitor, na medida em que corresponde a um segmento que procura despertar a atenção do interlocutor para o assunto a tratar, recorrendo a estratégias motivadoras da atenção, como a apresentação geral dos tópicos a abordar. Num segundo momento, o texto avança para um segmento de contextualização, no qual se procede ao enquadramento do tema e da posição pessoal. Esta contextualização pode ter uma na- tureza muito variada (histórica, científica, política, social…), mas terá sempre como objetivo nuclear fornecer informações sobre o tema alvo de polémica e, em simultâneo, justificar o debate que ele gerou, o que poderá inclusive conduzir à apresentação da questão polémica. Este momento é também centrado no interlocutor, pois procura fornecer informação suficiente para que este compreenda a questão polémica que se gerou e a conclusão própria a apresentar. Por fim, a última parte da abertura corresponde à apresentação da conclusão própria que se vai defender ao longo do texto.

Na sua especificidade, a abertura do texto oral de opinião deve ainda ter em consideração três aspetos particulares que se relacionam com a adequação contextual, centrando-se particularmente no inter- locutor:

(i) despertar a atenção do auditório: este objetivo leva o orador a tomar decisões sobre como introduzir e contextualizar o tema, no sentido de buscar uma abertura que seja cativante porque misteriosa, provocadora ou inquietante, por exemplo; (ii) ajudar o auditório a compreender e a acompanhar o texto: este objetivo pode ser atingido se o orador anunciar as partes do

texto, se assinalar o início e o fim de cada momento do texto e se explicitar metatextualmente as fases do texto, recorrendo a expressões como “vou explicar”, “gostaria de discutir”, “posso agora provar”;

(iii) manter a atenção do auditório: na sequência do conheci- mento das características gerais do auditório, é importante que o orador introduza no seu texto microssequências que vi- sam assegurar a manutenção da atenção (pequenas histórias, anedotas…) e que faça uso de palavras-chave ou da repetição intencional de forma a assegurar a interpretação e o estabele- cimento de redes de coesão claras.

3.2. Análise de corpus

O corpus constituído para avaliar a construção da abertura de texto por alunos é composto por um conjunto de textos orais recolhidos junto de alunos de 5.º e 7.º anos oriundos de uma escola de uma vila / interior e de uma outra da cidade / litoral. Os textos foram produzidos com preparação prévia pelos alunos, sem indicações da investigadora, a partir de uma questão problematizadora (“Devemos copiar nos tes- tes ou nos trabalhos escolares?”), que lhes foi fornecida com cerca de quinze dias de antecedência relativamente ao momento das gravações. A opção por esta questão ficou a dever-se ao facto de se tratar de um tema próximo da realidade dos alunos e relativamente ao qual estes teriam, à partida, uma posição definida, pelo que seria expectável que conseguissem exprimir e justificar a sua opinião.

Relativamente à introdução, primeiro bloco textual da abertura, os textos constitutivos do corpus evidenciam que os alunos não integram este segmento nos seus textos, o que demonstra que o auditório, a quem se destina o texto, não é tido em consideração. Os textos produ- zidos demonstram uma preocupação centrada quase exclusivamente no próprio texto, sendo o contexto de produção completamente obli-

O segmento contextualização não é, de igual modo, uma fase do texto que seja introduzida pelos alunos na abertura. Julgamos que a não mobilização de conteúdos de contextualização nos textos se de- verá à falta de consciência da sua importância, sobretudo para o auditório. Logo, fica claro que também este é um conteúdo declarativo a trabalhar explicitamente em contexto escolar. Refira-se que o único conteúdo de contextualização apresentando por alguns alunos foi a própria questão polémica que lhes foi colocada e que eles usam como desencadeador e elemento justificativo da tomada de palavra. Por esta mesma razão, a questão polémica é apresentada como se de um título se tratasse, como se observa nas formulações que abrem os textos dos alunos: “a minha opinião sobre copiar”, “o que eu acho sobre os que copiam” ou “as pessoas que copiam”. Outra possibilidade que alguns textos evidenciam consiste em apresentar a questão polémica sob a forma de uma pergunta, o que abre caminho à conceção da conclusão a defender como resposta: “O que é que eu acho sobre copiar?” ou “O que eu acho sobre as pessoas que copiam?”

Por fim, verifica-se que todos os alunos apresentam a sua conclusão própria, segmento textual que constitui a introdução ao texto na maio- ria dos casos. Todavia, esta apresentação da conclusão a defender é muitas vezes feita de forma genérica, descontextualizada e marcada por alguma vagueza: “eu concordo com copiar” ou “na maior parte das vezes é mau”. A forma como os alunos concebem a natureza da con- clusão a defender no texto é também um aspeto curioso, na medida em que todos apresentam posições extremadas de total recusa ou, em simultâneo, de total adesão e recusa (que corresponde à conclusão du- pla já aqui referida). Traço comum às posições apresentadas é o facto de estas serem concebidas como uma ideia que se apresenta e defende e não como integrantes de um texto que busca uma tomada de posição do auditório ou o desencadear de uma ação. Isto significa que os alu- nos entendem o texto de opinião como um género que tem por fim a apresentação da sua opinião individual, ou seja, centram o texto neles

próprios, expressando o valor que eles próprios atribuem a uma con- duta (cf. Perelman & Tyteca, 2008, p. 100) e não como uma forma de influenciar o auditório, desencadeando uma reação, ou seja, cen- trando o texto no interlocutor.

A expressão da posição pessoal relativamente à questão polémica proposta é associada à expressão de um juízo de valor que procede a uma avaliação ética do ato de copiar. Por esta razão, a construção do enunciado correspondente à conclusão a defender estrutura-se anco- rada na expressão de uma modalidade epistémica ou deôntica. No caso da primeira possibilidade, a modalidade apresenta um julga- mento moral de sanção social, que avalia aspetos como a atitude em si (“é errado”, “não é correto”), a moralidade do ato (“é mau copiar”, “não é bom”, “não é fixe”), a honra (“os copiadores são uns falsos”, “é uma total cobardia”) ou apresenta a consequência da atitude julgada nega- tivamente (“mostramos que não estudamos”, “estão a enganar-se”, “está a limitar-se a não aprender nada com isso”). Nesta conceção do conteúdo da conclusão, os alunos do 5.º e 7.º anos de escolaridade não revelam diferenças entre si. Não obstante, os alunos mais velhos apre- sentam, para além do já referido, conclusões que visam a avaliação da justiça do ato (“é injusto”) ou a apresentação de uma definição (“copiar é fingir os nossos resultados”).

Por seu turno, a conclusão própria, quando associada à modalidade deôntica, procura não inculcar uma conduta, mas antes propô-la como a mais correta ao auditório, perspetiva que se sustenta num sis- tema de abordagem ética que distingue o bem do mal: “não se deve copiar”, “não devem copiar”.

Nos textos constitutivos do corpus voltamos a assistir ao fenómeno da conclusão dupla que já tínhamos descrito na investigação inicial (Marques, 2010). Neste caso, a conclusão dupla associa-se à expressão da modalidade epistémica e coloca-se ao serviço da avaliação de uma conduta (“não é muito incorreto, mas também não é muito correto”) ou da moralidade (“tem o seu lado positivo e negativo”, “por um lado

tão mau”, “é na maior parte das vezes mau mas nem sempre”, “é uma coisa boa e má ao mesmo tempo”). Este tipo de avaliação que os alunos apresentam acaba por corresponder a uma não tomada de posição, opção que tanto pode ficar a dever-se ao facto de se considerar que o ato de copiar é lícito, o que não se pretende assumir frontalmente, como a uma conceção do texto de opinião como um género que visa apresentar o processo de ponderação e análise dos vários lados da questão e não a defesa de uma posição com intenções persuasivas. Esta possibilidade de interpretação conduz a uma outra que se prende com a conceção da natureza do próprio texto de opinião, que poderá ser entendido, em contexto escolar, como um género próximo do exposi- tivo. Ou seja, os alunos (e quiçá a própria escola) poderão ter um conceito mental do género em questão como um produto que visa a apresentação de informação relativa a um dado conteúdo, situando-o num espaço próximo do texto expositivo. Esta hipótese poderá tam- bém justificar a apresentação de argumentos a favor e contra, como se o texto visasse não a defesa de uma posição, cuja bondade se procura provar, mas antes a apresentação das possibilidades de abordagem e de posicionamento que a questão polémica permite.

A conclusão dupla surge também associada uma opção argumen- tativa que veicula ora uma avaliação ética ora uma avaliação pragmática. Do ponto de vista da avaliação ética, surgem afirmações como “dá jeito mas é uma total cobardia” ou “dá jeito mas a maior parte das vezes é mau”. Neste tipo de conclusão, o aluno coloca em con- fronto o cariz pragmático (positivo) de copiar que é enfraquecido pela avaliação ética, marcada pelo polo negativo. Já a avaliação pragmática inverte esta ordem de pensamento dado que apresenta em primeiro lugar, como polo negativo, a avaliação ética, que é seguida da avaliação pragmática, conotada positivamente: “o copianço não é bom mas dá jeito”. O contraste entre estes dois tipos de conclusão mostra clara- mente que os alunos recorrem ao uso argumentativo do conector mas (cf. Ducrot, 1980, p. 97), o que lhes permite exprimir opiniões matiza- das que se afastam, portanto, de uma perspetiva extremada, e que

optam pela avaliação ora dominantemente negativa (avaliação ética) ora dominantemente positiva (avaliação pragmática) do ato de copiar. Por este motivo, este tipo de conclusão dupla apresenta duas posições contraditórias e que acabam por não corresponder, como dissemos an- tes, a uma efetiva tomada de posição.