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1. A REDE URBANA CEARENSE NO CONTEXTO DOS ESTUDOS SOBRE A REDE

1.1. A rede urbana no contexto dos sistemas territoriais: fundamentação teórica

1.1.3. Algumas considerações sobre a questão regional

Um segundo momento de referências teórico-conceituais diz respeito ao recorte aqui proposto para a consideração dos aspectos mais específicos ligados a uma manifestação (ou tipo) de rede geográfica, a rede urbana, dentro do contexto de sua estruturação no Brasil segundo a visão sistêmica no início dessa seção debatida. Só a partir da consideração dos aspectos gerais constitutivos da rede urbana nacional e, em específico, aos desdobramentos (tendências) das últimas duas décadas, será possível situar o caso específico da rede urbana cearense, objeto desta pesquisa.

Na identificação das características principais da rede urbana nacional é importante esclarecer que será considerada a relação que esta tem com os movimentos da produção capitalista, em prosseguimento ao que já foi definido acima, com relação a autores que trabalham dentro dessa linha. Imagina-se isso em especial para as últimas décadas. No caso específico do estado do Ceará, será oportuno ir mais atrás no tempo, especificamente aos anos 1950 quando da criação da SUDENE que definiu as novas bases, financiou e, assim, acelerou o processo de industrialização da região Nordeste e, claro, daquele Estado.

Por hora, com relação à atuação da SUDENE no Nordeste e dentro dos limites deste sub- capítulo, será oportuno discorrer, de forma resumida, sobre o tema da questão regional fundado na relação socioespacial e econômica desigual entre as regiões Norte-Nordeste e o Centro-Sul. Considerações que precederão àquelas sobre a reestruturação espacial da rede urbana brasileira das últimas décadas a qual virá adiante.

Dessa forma , segundo Wilson Cano:

[...] o problema [da questão regional] ganhou maior destaque na discussão política nacional em fins da década de 1950. Até essa data, a questão regional estava parcialmente circunscrita – no âmbito do discurso político e da tomada de decisões – às chamadas medidas de combate às secas do Nordeste (CANO, 1985, p. 22). Até esse momento, o debate ainda era tributário das repercussões do Congresso Agrícola do Recife de 1877 de onde, de uma forma geral, surgiu um certo sentimento de solidariedade das lideranças políticas locais (do Nordeste) no sentido de uma reivindicação mais efetiva por políticas mais eficientes para mitigar o atraso da região e, também um certo sentimento de identificação regional para fazer face ao privilégio do governo central às regiões Sul e Sudeste, principalmente.

Analisando a influência conceitual que deu fundamentação ao debate da questão regional, de origem tanto “cepalina” (relativo à Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe [CEPAL], ver capítulo 2) como da “regional science”, Cano afirma criticamente:

Entre a influência Cepalina e a da “Regional Science”, felizmente foi a da escola Cepalina que prevaleceu. Embora também inadequada, se aplicados seus pressupostos à problemática inter-regional de uma nação, conseguiu ampliar o nível de conscientização política para o tema. Seu principal problema teórico, no que se refere às tentativas de aplicá-lo à dimensão regional de uma nação, consiste em que a concepção ‘centro-periferia’ só é válida quando aplicada ao relacionamento entre

Estados-Nações politicamente independentes, e não entre regiões de uma mesma

nação, onde a diferenciação de fronteiras internas não pode ser formalizada por medidas de política cambial, tarifária e outras, salvo aquelas relacionadas às chamadas políticas de incentivos regionais. Os espaços regionais, quando muito, guardam marcadas diversidades culturais, historicamente determinadas, além naturalmente, daquelas decorrentes de suas estruturas econômicas diferenciadas (Ibidem, p. 23, grifo do autor).

Aquela política de combate às secas no Nordeste foi sistematicamente formalizada através da atuação institucional (federal) desde a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas em 1909 (IFOCS), depois Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), passando pela criação da Comissão do Vale do São Francisco (CODEVASF) e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), ambas de 1948, até a decisiva opção pelo planejamento regional e pela industrialização com a criação do BNB em 1952 e da SUDENE em 1959 a partir do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN).

Há também a oportuna crítica de Cano à atuação da SUDENE:

A equipe dirigida por Celso Furtado [o grande idealizador da SUDENE], embora tivesse consciência da dimensão histórica de sua problemática, incorreu, no entanto, no erro de tentar transpor para os marcos da região, uma política de industrialização em certa medida orientada pela substituição regional de importações ‘visando criar no Nordeste um centro autônomo de expansão manufatureira’.

Um dos equívocos foi tentar, ainda que parcialmente, transplantar para o marco regional uma política cepalina de substituição de importações referida ao marco nacional, tentando compensar, precariamente, através de incentivos fiscais, a inexistência de fronteiras políticas regionais lastreadas por dispositivos alfandegários ou fiscais protecionistas ao Nordeste (Ibidem, p. 25-26, grifo do autor).

Por fim, conclui que:

Em suma, as políticas de industrialização regional acabaram por apoiar a implantação de moderna indústria comandada pelo capital industrial de fora, basicamente daquele que frutificou em São Paulo, onde se originaram cerca de 50% dos investimentos incentivados realizados no Norte e no Nordeste; em ambas as regiões, entre 1968 e 1972, os capitais locais atingiram menos de 10% do total. Mais ainda, o tipo de indústria que ali se instalou pouco tem a ver com a massa populacional de baixa renda que lá predomina: os principais segmentos industriais implantados foram de material de transporte, material elétrico e químico, não solucionando o problema de emprego, e muito menos o da concentração da renda. Não custa lembrar que, do ponto de vista do emprego, é o capital mercantil, particularmente o comércio urbano e a construção civil, um dos principais

responsáveis pela expansão do emprego urbano, tanto no ‘pólo’ quanto na ‘periferia’ nacional” (Ibidem, p. 27).

O panorama acima exposto, sobre a questão regional, se oferece como uma idéia geral dos limites que encontraram as políticas federais de integração do mercado nacional via fortalecimento da base produtiva das demais regiões do país (tendo o Centro-Sul como pólo irradiador e força econômica central no país), como foi o caso da região Nordeste.

Com certeza os impactos na rede urbana nordestina a partir da reorientação de sua base produtiva agrário-exportadora para uma de base industrial foram decisivos para engendrar um processo de reestruturação. Entretanto, não caberá a este sub-capítulo identificar esse processo de reestruturação. Tem-se, no momento, apenas uma aproximação do tema da questão regional no que diz respeito a importantes aspectos políticos e econômicos que o cercaram. Como antes anunciado, o caminho a ser percorrido pela pesquisa passa pela compreensão da relação entre os desdobramentos últimos da reestruturação produtiva por que passou o país e suas implicações de maior importância na reestruturação da rede urbana nacional. Isto será apresentado, no sub-capítulo seguinte, quando da identificação dos estudos sobre a rede urbana nacional selecionados como base de dados para identificar os desdobramentos acima falados.

Para fazer o fechamento desta parte do trabalho e introduzir as questões da parte que segue, volta-se rapidamente às considerações de Dias sobre os antecedentes históricos que configuraram a dinâmica da rede urbana nacional nas últimas décadas. Em termos históricos, a autora afirma que:

A história da constituição da rede urbana brasileira é marcada pela associação entre processo de urbanização e processo de integração do mercado nacional. A eliminação de barreiras de todas as ordens constituía a condição primordial para integrar o mercado interno, pois esta integração pressupunha a elevação do grau de complementaridade econômica entre as diferentes regiões brasileiras. À presença inicial das ferrovias e das rodovias, que irrigavam o país em matérias-primas e mão- de-obra, se superpõem, na atualidade, os fluxos de informação – eixos invisíveis e imateriais certo -, mas que se tornaram uma condição necessária a todo movimento de elementos materiais entre as cidades que eles solidarizam [...] A comunicação entre parceiros econômicos – à montante e à jusante -, graças às novas redes é acompanhada de uma seletividade espacial. A importância estratégica da localização geográfica foi, de fato, ampliada (Dias In: Castro (Org.) et al, 2006, p. 150).

E, trazendo o debate para a atualidade, a autora apresenta sua perspectiva da reestruturação produtiva das últimas duas décadas no país, afirmando criticamente que:

Não é excessivo afirmar que exclusão social e modernização econômica com seus novos arranjos espaciais vêm caminhando juntas; constituem as duas faces do modelo seguido pelo Brasil [...] Mais do que nunca o Estado deve enfrentar múltiplos conflitos ampliados pelo processo de desigualdade sócio-espacial. A tendência se afirma num sentido de uma divisão territorial do trabalho acentuada e

de uma diferenciação da localização. Ambas são fundadas sobre a mobilidade crescente dos capitais, que leva à reorganização do sistema urbano e favorece a concentração espacialmente seletiva dos potenciais de crescimento (Ibidem, p. 153- 154).