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2. OS “GOVERNOS DAS MUDANÇAS” (1987-2007): PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS

2.1. Fundamentação teórica

2.1.1. O conceito de desenvolvimento: origens, debates e atualidades

A temática do desenvolvimento é inerente aos mecanismos de funcionamento do modo de produção capitalista, mais especificamente a partir da fase que começa com a Revolução Industrial na Inglaterra do século XVIII. “Com a extensão do processo de industrialização aos principais países da Europa, na segunda metade do século passado [XIX], o desenvolvimento passou a ser considerado a ordem natural das coisas [...]” (FURTADO, 1979, p. 139).

Já no século XX, o debate ganhará contornos maiores e mais definitivos, transformando-se em “[...] un tópico de la posguerra y habría que agregar, es un tópico de las Naciones Unidas” (SUNKEL Y PAZ apud BOISIER, 2001, p. 1). Neste pós-1945 o tema envolverá tanto a discussão acerca da reconstrução dos países afetados pelo conflito mundial, quanto a preocupação com a extensão dos ganhos do desenvolvimento capitalista, já experimentado pelos países centrais, em direção ao Terceiro Mundo. Constitui o período relacionado aos debates em torno da “Teoria do Desenvolvimento”.

Nas duas primeiras décadas que se sucederam ao pós-guerra, o conceito ainda se apresenta centrado nas questões econômicas. Sob essa ótica, as interpretações buscam identificar o desenvolvimento como:

[...] un proceso continuado cuyo mecanismo esencial consiste en la aplicación reiterada del excedente en nuevas inversiones, y que tiene, como resultado la expansión asimismo incesante de la unidad productiva de que se trate. Esta unidad puede ser desde luego una sociedad entera (ECHEVERRÍA apud BOISIER, 2001, p. 2).

Nesse mesmo período, as dimensões do desenvolvimento e do crescimento ainda são equivalentes. Sergio Boisier resume bem este estágio inicial da discussão em torno do tema:

Durante dos décadas el desarollo continuó siendo casi um sinônimo de crecimiento y el PIB agregado y sobre todo, el PIB per capita fue la medida corriente del nível de

desarollo. Esto contribuyó a consolidar el domínio profesional de los economistas em el tema del desarollo, algo que generó una suerte de circularidad viciosa de reduccionismo econômico, que poco há ayudado a entender la verdadera naturaleza del fenômeno y al diseno de formas eficaces de intervención promotora (BOISIER, 2001, p. 2).

Como contraponto a essas tendências, havia o pensamento dos teóricos da CEPAL, desenvolvido a partir dos anos 1950, segundo o qual o “[...] crescimento é condição indispensável para o desenvolvimento, mas não é condição suficiente (SOUZA apud MORETTO;GIACCHINI, 2006, p. 2). Essa linha de pensamento considerava três dimensões básicas para o desenvolvimento econômico:

[...] a do incremento da eficácia do sistema social de produção, a da satisfação das necessidades elementares da população e a da consecução de objetivos a que almejam grupos dominantes de uma sociedade e que competem para a utilização de recursos escassos (MORETTO; GIACCHINI, 2006, p. 2).

A partir de fins dos anos 1960, o economista Dudley Seers, questionando a teoria da modernização e o liberalismo econômico, desvia a atenção da temática para questões mais subjetivas. Este autor tenta dar ao conceito de desenvolvimento uma dimensão humana, estabelecendo como condições primordiais de sua plena realização a redução da pobreza, do desemprego e da desigualdade.

Essa posição vanguardista de Seers, que representa a quebra daquele “monopolismo” econômico, leva o conceito de desenvolvimento aos limites da intangibilidade, acrescentando novas dimensões ao debate que prosseguiria nestes termos nas décadas posteriores. Atualmente, isso se manifesta na linha de pensamento de organismos como o PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a partir dos anos 1990, com a criação do IDH - Índice de Desenvolvimento Humano, uma alternativa a medida do PIB per capita e criação do economista indiano Amartya Sen, como também os estudos de Ignacy Sachs dentre outros colaboradores.

Ainda nos anos 1990, vem somar-se ao pensamento do PNUD o relatório de 1995 “An Agenda for Development” do então secretário-geral da ONU, Boutros-Gali. O texto inclui cinco dimensões ao conceito de desenvolvimento: necessidade de estado de paz, economia como motora do processo, sustentabilidade ambiental, justiça social e democracia.

É a partir desse direcionamento no sentido da quebra dos paradigmas tradicionais acerca do tema do desenvolvimento que vai surgir, gradativamente a partir do período acima (anos 1960 e 1970), a idéia do Desenvolvimento Sustentável. Principalmente a partir da década de 1970, o tema do desenvolvimento econômico vai começar a incorporar questões afeitas ao debate sobre Ecologia.

Como exemplo desse período, pode-se citar: i) o documento “Os limites para o crescimento”, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), o qual “[...] alertava sobre os riscos ocasionados por um modelo de crescimento econômico que não levava em conta a capacidade dos recursos naturais” (Ibidem, p. 3) e; ii) a Conferência de Estocolmo de 1972, um dos primeiros esforços de enfrentamento da problemática ambiental e do esgotamento dos recursos naturais.

Mas o marco inicial do conceito de Desenvolvimento Sustentável situa-se definitivamente na década de 1980 com o documento “Nosso futuro comum” ou “Relatório Brundtland” fruto da realização, em 1987, da Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD). Segundo Moretto e Giacchini (2006), e a partir das considerações da Conferência, o conceito de Desenvolvimento Sustentável compreende “‘[...] o desenvolvimento que garante o atendimento das necessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras de atender suas necessidades’” (MUELLER apud MORETTO; GIACCHINI, 2006, p. 3). E, em um sentido mais amplo, “[...] o crescimento econômico permanente, unido ao desenvolvimento econômico com vistas a melhorias nos indicadores sociais, ao mesmo tempo em que contribui para a preservação ambiental” (Ibidem).

Nessa perspectiva ampliada, é essencial compreender que as dimensões constituintes desse novo paradigma devem considerar, além das questões ambientais e dos aspectos da produção (economia), os aspectos sociais e, mais recentemente, entende-se que é necessário também considerar os aspectos institucionais. Esses são os pilares dessa nova proposta de desenvolvimento.

A consideração desses aspectos no sentido da consecução dos objetivos do Desenvolvimento Sustentável, segundo Costa (2006, p. 8), exige, essencialmente, e trabalhando com esses pilares, “[...] que se concilie crescimento econômico, justiça social e a manutenção dos recursos naturais de tal forma que se permita que a humanidade conviva, ad infinitum, em harmonia com a natureza e com equidade social”. E, mais completamente, trabalhando com o conteúdo em Sachs (1993), Costa afirma que este considera cinco dimensões de sustentabilidade:

[...] a sustentabilidade social, cujo objetivo é construir uma civilização do ‘ser’ com mais equidade na distribuição do ‘ter’ e da renda; a sustentabilidade econômica, possibilitada por uma alocação e gestão mais eficientes dos recursos e por um fluxo regular do investimento público e privado; a sustentabilidade ecológica; a sustentabilidade espacial, voltada para uma configuração territorial mais equilibrada;

e a sustentabilidade cultural que respeite as especificidades culturais de cada local (Ibidem).

Além do Relatório Brundtland é importante destacar os desdobramentos da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992, no Rio de Janeiro, mais conhecida como ECO 92. É considerado o momento da incorporação definitiva do ideário do Desenvolvimento Sustentável na pauta das diretrizes governamentais de todo o mundo.

Daí se desdobraram duas importantes orientações no sentido da sustentabilidade: i) a Declaração do Rio sobre o Ambiente e o Desenvolvimento e; ii) a Agenda 21, conjunto de propostas para o novo século que chegava e que deveria ter uma relevância considerável no nível local. Sobre a importância da ECO 92, destaca-se a afirmação de Godinho (2004, sem página) de que:

[...] a Conferência do Rio e as suas principais conclusões e documentos adoptados, passaram a ser, desde então, a matriz de enquadramento e orientação de todas as iniciativas e actividades, seja a que nível for, das políticas de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, em sentido mais amplo.

Dadas as considerações acima, é inegável a existência de uma mudança visível de paradigma dos tempos iniciais em que o desenvolvimento tinha como base fundamental a explicação de sua dinâmica econômica, aos dias atuais onde o conceito ganhou em subjetividade, trabalhando na escala humana e considerando a complexidade das relações entre as esferas econômica, social, ambiental e institucional.

O tipo de desenvolvimento das forças produtivas capitalistas - apesar do entusiasmo experimentado durante parte do século XX, principalmente do crescimento da economia mundial entre 1945 e meados dos anos 1970 -, portanto, se mostrou desigual e excludente, levando grandes porcentagens da população mundial a níveis de extrema pobreza. Daí a necessidade que foi imposta no sentido da mudança de direção do pensamento sobre os rumos do desenvolvimento do capitalismo.