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1. INTRODUÇÃO

2.4 Oralidade e letramento no estudo da vírgula

2.4.2 A Fonologia Prosódica

2.4.2.3 Algumas considerações sobre I e U

Apesar de nos distanciarmos do modelo teórico de Selkirk (1984), não ignoramos que essa autora, ao dissertar sobre ritmo, entoação e sentido, considera que os contornos entoacionais estão envolvidos com a expressividade da sentença, e que tal expressividade se relaciona à atitude, à personalidade e ao humor do falante. Para Selkirk, a estrutura entoacional parece se relacionar com a estrutura focal; o foco é a informação nova, o que não

é enfocado é dado pelo falante como informação pressuposta. Nespor e Vogel (1986) defendem, ainda, que o foco é garantido pela condição pragmática.

De maneira geral, tanto em Selkirk (1984) quanto em Nespor e Vogel (1986) há destaque para o fato de que uma dada sentença, com uma estrutura sintática, pode ter várias realizações linguísticas. Em outras palavras, a sintaxe não determina I ou U; uma mesma sentença, por exemplo, pode ser dividida em diferentes Is. Frente ao exposto, podemos afirmar que os constituintes mais altos da hierarquia prosódica – seja I em Selkirk, ou I e U em Nespor e Vogel –, não se restringem à sintaxe e estão vinculados a aspectos semânticos, pragmáticos e enunciativos.

Em estudo sobre o Português Brasileiro (PB) – com base na oralidade/fala –, Tenani (2002) aponta que, em PB, os domínios de I e de U não são contextos para aplicação de regras segmentais. Contudo, essa autora encontra evidências da relevância desses domínios para a compreensão da organização do contorno entoacional. Este estudo, em diálogo com a tese de Tenani (2002) e com o estudo de Tenani e Soncin (2009) – já citado –,17 busca evidências, no conjunto do material, de que os domínios de I e U se relacionam com o ritmo da escrita, com as ausências de vírgulas e com os efeitos de sentidos em enunciados de chats.

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A adoção de um modelo teórico como o de Nespor e Vogel (1986), desenvolvido no âmbito do Gerativismo, é um desafio a esta reflexão, a qual, fundada na perspectiva de heterogeneidade e nos estudos discursivos, considera a língua/linguagem como social e histórica. A fonologia prosódica, de maneira inversa, busca formalizar um padrão linguístico

17 Tenani e Soncin (2009) identificam que os erros/acertos nos usos de vírgulas em textos escolares se relacionam, principalmente, aos domínios prosódicos I e U do Português.

universal. Enquanto a abordagem sociohistórica é tomada como fundamento neste trabalho, a fonologia prosódica é utilizada como uma ferramenta de análise que propicia a observação de semelhanças entre enunciados falados e enunciados escritos, no estudo da ausência de vírgulas em enunciados de bate-papos virtuais.

Para Tenani (2004):

A predominância de aspectos prosódicos como sendo relevantes para interpretar o modo pelo qual os espaços em branco ocorrem nos textos infantis pode ser tomada como um indício de que as fronteiras (e possivelmente também a proeminência) de constituintes prosódicos maiores do que a palavra têm alguma realidade psicológica para os falantes. (TENANI, 2004, p.234)

Consideramos, com a autora, que as segmentações não-convencionais não são motivadas apenas por características fonéticas e podem ser interpretadas, pelo pesquisador, como pistas das características prosódicas da língua.

Ao refletir sobre segmentações em dados de aquisição de escrita, Tenani (2004) também observa que “a análise em domínios prosódicos dos dados selecionados torna evidente a natureza não homogênea constitutiva da língua, quer na modalidade oral, quer na modalidade escrita” (TENANI, 2004, p.242). Com base na reflexão dessa autora, pode-se considerar que parece existir uma correlação entre os dados de internetês, no que tange ao uso não-convencional de vírgulas, e os domínios mais altos da Fonologia Prosódica (I e U). Esse constante diálogo entre ritmo da escrita/do letramento (demarcado pelos sinais de pontuação) e ritmo da fala/oralidade (constituído por entoação, duração, velocidade etc.), presente na escrita na internet (e fora dela), afirma o caráter heterogêneo da escrita.

MATERIAL E MÉTODO

Algumas pesquisas no âmbito da Linguística definem o bate-papo virtual como gênero discursivo (conforme preconiza a teoria bakhtiniana), buscando, para tanto, conceituar a relação que se estabelece entre linguagem e tecnologia nesse ambiente digital (cf. MARCUSCHI, 2005; XAVIER e SANTOS, 2000; ARAÚJO, 2004; 2005; 2006a; 2006b). Tais pesquisas caracterizam o bate-papo virtual como gênero plural (com diferentes tipos de chats), distinto dos gêneros que se materializam fora da internet (como a conversação face a face ou a roda de conversa) e formado por uma intersemiose (conjunção entre som, representação pictórica e representação gráfica, por meio da escrita), entre outros aspectos que iremos abordar com mais precisão nesta Seção.

Após descrever a composição do material de estudos, apresentamos a metodologia utilizada para a apreensão da relação entre sujeito/linguagem/história e a análise dos dados. A metodologia utilizada neste trabalho refere-se ao Paradigma Indiciário, concebido no âmbito dos estudos históricos (cf. GINZBURG, 1983; 1989) e englobado em pesquisas na área dos estudos linguísticos (cf. ABAURRE et al., 1995; ABAURRE, FIAD & MAYRINK- SABINSON 1997; CORRÊA, 1997; 2004; CAPRISTANO, 2003; PAULA, 2007; TENANI e SONCIN, 2009).

O Paradigma Indiciário – calcado em “indícios”, “pistas”, “rastros” e/ou “sintomas” – pode ser utilizado pelo pesquisador na busca por evidências das práticas sociais dos sujeitos. Com base nessa metodologia, objetivamos, no corpus, “investigar” potenciais “pegadas” deixadas nos enunciados de chats (por meio do uso não-convencional de vírgulas) da relação que o escrevente parece empreender entre práticas linguísticas e sociais da fala/oralidade e da escrita/letramento.

A seguir, procuramos descrever as principais características do corpus, composto por enunciados coletados em um bate-papo virtual destinado a crianças entre 08 e 12 anos de idade. Na busca da definição do que vem a ser um bate-papo virtual, procuramos, em diálogo com alguns trabalhos na área da Ciência da Linguagem, categorizar e descrever o material de estudos – o bate-papo virtual em aberto, ou chat aberto.