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1. INTRODUÇÃO

3.1 O bate-papo virtual (em aberto)

3.1.5 Características do chat aberto: a vírgula e o Chat Terra

Diversas ocorrências linguísticas observadas em textos digitais (como a abreviação de palavras, as onomatopeias e o excesso de pontuação) podem ser consideradas, de um ponto de vista normativo, não-convencionais. A ausência de sinais de pontuação, em lugares em que eles poderiam ser utilizados nas sentenças, também pode ser observada dentre essas ocorrências que caracterizam e distinguem a escrita de determinados gêneros digitais da web, como bate-papos abertos e privados, determinados blogs, redes de relacionamento e comunidades virtuais, dentre outros. Junto aos diacríticos (aos sinais propriamente ditos), outros aspectos da pontuação nem sempre são utilizados pelos escreventes na internet, como as letras maiúsculas em começo de frases e a paragrafação.

Nesse cenário, o sinal da vírgula – um dos sinais de pontuação mais empregados em enunciados escritos convencionais – é bastante ausente no bate-papo virtual pesquisado. A

ausência de vírgulas, em lugares em que elas poderiam ser utilizadas pelos escreventes de acordo com gramáticas, salta aos olhos do analista como uma das propriedades linguísticas do bate-papo virtual em aberto, devido à grande porcentagem de “ausência” desse sinal de pontuação.

Em outros gêneros discursivos, como a dissertação escolar, o sinal de vírgula é um dos sinais de pontuação mais presentes. Corrêa (1994) e Esvael (2005), por exemplo, em estudos sobre o uso de vírgulas em redações de vestibular, observam que o emprego desse sinal de pontuação é o que mais aparece dentre os sinais de pontuação no corpus de suas respectivas pesquisas. Para Esvael, a forte presença desse sinal é, “em certo sentido, um resultado trivial, tendo em vista ser a vírgula um sinal que se marca internamente ao enunciado, segmentando- o.” (ESVAEL, 2005, p.13)19

Contudo, nos enunciados de bate-papo virtual em aberto, a vírgula praticamente não é utilizada pelos escreventes, causando grande estranhamento a escreventes e leitores não habituados com as características composicionais dos enunciados de chats. Em trabalhos anteriores (LUIZ SOBRINHO, 2008; 2009; LUIZ SOBRINHO e KOMESU, 2009), já antecipamos que a ausência desse sinal de pontuação pode ser apreendida, nos estudos em linguagem, como característica de um gênero de discurso em emergência.

Nesses estudos, observamos duas formas de ausências de vírgulas, que buscamos detalhar ao longo desta dissertação: (i) ausência total de vírgulas, em lugares em que elas poderiam ser utilizadas pelos escreventes e (ii) “quebra” de linha somada à ausência de vírgulas. A “ausência total” se refere a momentos em que o escrevente supre o sinal de vírgula, sem se utilizar que qualquer outro recurso para sinalizar as relações sintáticas,

19 Podemos fazer um paralelo entre a segmentação do enunciado por vírgula, em Esvael (2006), e as sequências delimitadas por vírgula, em Dahlet (2006). Para a última autora, a vírgula atua nos dois menores níveis de uma ordem hierárquica entre os sinais de pontuação. Dos cinco níveis, a vírgula atua: nas sequências interoracionais (nível 4) e nas sequências intraoracionais (nível 5) – cf. Dahlet (2006, p.56-57). Talvez, devido à atuação da vírgula, tal como descrita por Dahlet, é que esse sinal esteja tão presente nos diversos enunciados escritos. Muitas vezes, mais que outros sinais de pontuação.

semânticas e enunciativas que poderiam ser ressaltadas pelo uso de sinal de pontuação. A “quebra” se refere à ausência de vírgula e de qualquer outro tipo de sinal de pontuação, em que a mudança de linha – a “quebra” de um enunciado em duas ou mais mensagens – parece constituir um recurso de pontuação no enunciado digital.

A ausência ou a presença da vírgula, como sinal gráfico de nosso sistema de escrita, passa, junto ao alfabeto, a operar na produção e na recepção dos sentidos. Ao compartilharmos com a teoria da Semiótica Social (KRESS & VAN LEWEEN, 2001) a ideia de que o sentido de um texto não se restringe ao material verbal nele contido, a pontuação e a ausência de vírgulas passam a ser interpretadas como parte de um sistema multimodal, pelo qual significam e são ressignificadas. Vejamos um dado retirado do corpus do trabalho:

gato do msn16:36:58

fala com gatinha.rj oi quer tc comigo Enunciado 05

O enunciado (05) ilustra um caso do que chamamos de ausência total de vírgulas: a expressão “oi” da mensagem de gato do msn, poderia ser coordenada por meio de uma vírgula na sentença principal “quer teclar comigo”. A vírgula é suprimida e, em seu lugar, nenhum outro sinal de pontuação é utilizado. Fora esse diacrítico, há, ainda a ausência do sinal de interrogação ao final do enunciado. O leitor “fluente” em chat, familiarizado com esse gênero discursivo, consegue recuperar facilmente que se trata de uma questão por meio da estrutura sintática empregada, característica de sentenças interrogativas, e por fatores pragmáticos e discursivos que permeiam a interação – sabe-se que o escrevente, nesse caso, está convidando gatinha.rj a iniciar um diálogo e, não está, por exemplo, afirmando que a interlocutora quer conversar com ele. Gato do msn, no enunciado (05), também não faz uso de letras maiúsculas

para iniciara sentença. Se o sistema de pontuação fosse empregado conforme o previsto pela norma, poderíamos ter algo como: “Oi, quer teclar comigo?”

Com a pontuação não-convencional em (05), há ainda outras semioses que se relacionam com o enunciado de gato do msn: a escolha da cor azul claro para o nickname, o uso de um emoticon sorridente, a escolha de gatinha.rj como interlocutora da mensagem. Por meio da pontuação – e da ausência de vírgulas – e desses outros recursos, gato do msn se mostra um escrevente familiarizado com chat, que busca amizades com garotas mediante abordagem bastante simpática – sorridente, como ilustra o uso de emoticon – com gatinha.rj.

Por meio do enunciado (05), pode-se observar que diferentes elementos semióticos verbais e não-verbais compõem o chat em aberto e funcionam como um sistema complexo de “pontuação” do enunciado. “Pontuar” pode ser tomado como o uso de certos recursos gráficos e visuais na construção de relações de sentido em um texto. Dahlet (2006), ao problematizar a pontuação, diz que ela “se situa do lado da escrita e da leitura, isto é, da produção e da recepção do sentido, operando em conjunto para aperfeiçoar a legibilidade e a interpretação” (DAHLET, 2006, p.23). De nossa perspectiva, levando-se em consideração a multimodalidade para o estudo da escrita na internet, o suporte digital possibilita a articulação entre pontuação e outros modos semióticos, os quais, juntos, implementam e modificam as possibilidades de leituras, de legibilidade e de interpretação dos enunciados de chats.

Nosso desafio é procurar “pegadas” que os escreventes deixam em seus textos digitais, as quais possibilitam desenvolver hipóteses sobre as relações entre ausências de vírgulas, diferentes modos semióticos e sentido. Na busca por tais “pegadas”, adotamos o Método Indiciário descrito a seguir.